Os ex-administradores do BES Rui Silveira e Joaquim Goes confirmaram esta sexta-feira em tribunal que o Grupo Espírito Santo (GES) tinha a prática de pagar a altos quadros em contas no estrangeiro, como alega a defesa de Manuel Pinho.
No recomeço do julgamento do caso EDP, no Juízo Central Criminal de Lisboa, após a substituição da juíza-adjunta Margarida Ramos Natário pela magistrada Ema Vasconcelos, o tribunal retomou os trabalhos com a repetição da audição das testemunhas ouvidas nas três anteriores sessões.
Joaquim Goes, que integrou a comissão executiva, admitiu que a instituição pagou a altos quadros pelo menos até 2004 em contas no estrangeiro e que "estava subentendido" que não seria para declarar fiscalmente, pois as remunerações no BES eram menores do que nos outros bancos.
"Estava subentendido pelo próprio GES de que essa era uma componente que ficava à parte. Na altura, era esse o entendimento. E em 2005 deixámos de receber na Suíça", afirmou, continuando: "Não havia uma ordem explícita nesse sentido de não declarar, mas estava subentendido. Quando foi possível regularizar essa situação, regularizei".
Sublinhou que essa prática de pagamentos no exterior acabou após uma iniciativa sua e de Rui Silveira nesse sentido, mas, ao ser confrontado pela defesa de Manuel Pinho com uma transferência da sociedade Enterprises -- designada como o "saco azul" do GES - para a sua conta, como retribuição pelo donativo para a campanha presidencial de Cavaco Silva de 2011, a testemunha explicou que foi algo excecional.
"Estamos a falar de uma situação, acho que não generaliza e não me pode associar a uma prática. A partir de 2004, eu não sabia que havia pagamentos, com esta exceção", frisou, manifestando-se ainda surpreendido com documentos da acusação do processo BES que comprovam que as transferências continuaram até 2014.
Por sua vez, Rui Silveira, ex-administrador do BES com a área jurídica, foi também confrontado pela defesa do antigo ministro da Economia com transferências da Enterprises entre 2008 e 2014 que ascenderam a 841 mil euros para contas bancárias no estrangeiro tituladas por uma sociedade, mas garantiu que não sabia que o dinheiro tinha origem no "saco azul" do GES.
"Comecei a colaborar com a família Espírito Santo em 1982. Tinha uma avença. Não sabia quem creditava a conta. Sabia que recebia uma avença, não sabia que era da Enterprises, não via os extratos. Esses pagamentos que eu recebia não tinham nada a ver com o BES", disse, alegando que via o dinheiro recebido no estrangeiro como "uma poupança".
Rui Silveira reiterou novamente ter redigido o acordo de 2004 - assinado por Manuel Pinho e por Ricardo Salgado um ano antes da formação do governo de José Sócrates -, que fixou as condições para o fim das funções executivas do ex-governante no BES. "Foi feito com base nas notas manuscritas que me foram facultadas por Ricardo Salgado", indicou.
Questionado sobre as condições do acordo, nomeadamente a reforma de Manuel Pinho, o ex-administrador declarou que seguia o regulamento de pensões da instituição.
Acrescentou ainda que à data desconhecia quaisquer ligações de Manuel Pinho à política e que só se apercebeu disso no início de 2005.
"Em janeiro de 2005 é-me pedido por Ricardo Salgado para fazer uma nota sobre o regime jurídico dos detentores de cargos políticos e lembro-me de ter referido o nome de Manuel Pinho. Em 2004 não tinha qualquer ideia de envolvimento político", observou, clarificando que Pinho se demitiu do BES em 2005.
O julgamento do Caso EDP prossegue na próxima segunda-feira.
Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.
A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento.