A Polónia recebe este ano, pela segunda vez, as Jornadas Mundiais da Juventude. Vinte e cinco anos depois, o país mudou muito, tendo transitado do comunismo para a democracia e entrado na União Europeia.
Mudanças políticas e sociais que Marcin Zatyka quer ajudar a conhecer com o livro “João Paulo II e a integração polaca na Europa unida”, onde fala do papel que a Igreja Católica e João Paulo II tiveram no processo de integração.
“Não temos casos como na Alemanha, onde Joachim Gauck é pastor da Igreja Protestante e, em simultâneo, é Presidente do país, mas havia influência da Igreja, dos bispos, já durante a vida de João Paulo II.”
“Muitos movimentos, por exemplo clubes de intelectuais católicos, foram núcleos de oposição democrática depois da queda do regime comunista na Polónia, que criaram um pensamento político e deram passos na política rumo ao ocidente”, explica Marcin Zatyka.
Consolidada a integração na Europa, o panorama político mudou radicalmente na Polónia: “É uma coisa invulgar, porque mesmo depois do comunismo a Polónia teve vários governos de esquerda. Mas as eleições de 2005 revelaram que não há vontade dentro da sociedade de ter nenhum partido da esquerda, que se dividiu muito. O partido que ganhou, dos irmãos Kaczyński, conquistou terreno por ter um programa eleitoral com coisas muito parecidas aos partidos de esquerda.”
Correspondente da agência de notícias católica polaca em Lisboa e doutorado em Relações Internacionais pela Universidade Nova, Marcin Zatyka explica que este livro resulta da investigação que começou a fazer ainda na Universidade de Varsóvia, sobre o papel de João Paulo II na política polaca. Já em Portugal, onde vive há nove anos, percebeu que seria útil avançar com esta tese. “De facto existe muita coisa, muito material sobre João Paulo II, mas não se sabe muito bem a influência dele na política da Polónia e países do antigo bloco de leste.”
“Então, pensei que talvez isto possa ser um contributo para a sociedade portuguesa conhecer melhor a sociedade polaca e a política polaca, porque de facto é diferente do resto da Europa”, refere o autor.
Bispos pró-Europa e padres cépticos
Marcin Zatyka diz que na sua investigação desmistificou “o preconceito de que a Igreja Católica era contra a União Europeia e que os bispos tinham tendências anti-europeias”.
Descobriu, no entanto, que o assunto não era consensual, e que havia uma ruptura entre o clero e a hierarquia da Igreja: “Encontrei um estudo nunca publicado, mas que foi feito um ano antes do referendo sobre a entrada da Polónia na União Europeia. Foi perguntado aos nove mil padres polacos que medo e que esperança tinham, e apenas 5,7% disseram ter esperança que a integração pudesse dar algo positivo”. Pelo contrário a maioria dos bispos apoiava a entrada do país da UE, embora não escondessem que havia receios, sobretudo nas dioceses dominadas pelos agricultores, que “receavam a concorrência dos outros países”.
Quase 12 anos depois, esses medos “desapareceram” e “economicamente a Polónia continua em grande. Os investimentos aumentaram 75%, graças aos fundos europeus, o PIB polaco cresceu 50%. Frequentemente vou à Polónia e vejo que mudou muita coisa”.
Negativo foi ter havido “uma espécie de neocolonialismo, quando vemos marcas polacas que não existem, entraram grandes empresas, especialmente da Alemanha, mas também de França e Portugal, afectando as empresas mais pequenas”.
Igrejas cheias, mas menos praticantes
O livro revela como João Paulo II via a Europa unida como “campo de evangelização” e como apoiava a integração dos povos de Leste “numa família baseada historicamente nos valores cristãos”. Valores que a crescente onda de secularização tem posto em causa, mesmo na Polónia: “Nos últimos 12 anos baixou o número de pessoas que frequentam regularmente a Igreja e praticam o culto, de 58 para 50%”, conta o jornalista.
“Também houve queda de vocações, neste momento nos seminários da Polónia há por volta de três mil seminaristas, há 12 anos eram seis mil, baixou para metade. E também aumentou o número de pessoas que dizem não ter religião, de nove para 13%”, diz Marcin Zatyka.
Ainda assim, sublinha, as igrejas na Polónia continuam cheias, comparando com o resto da Europa, e até houve uma mudança de perfil de quem pensa ser padre: “Enquanto no tempo do comunismo, e até depois, eram pessoas das pequenas cidades e aldeias, neste momento quem entra nos seminários são pessoas das cidades, mais velhas, e já com a faculdade acabada”. O que pode indicar que a opção que fazem é mais madura e consciente.
Para Marcin, a realização das Jornadas Mundiais da Juventude, em Cracóvia, onde são esperados dois milhões de pessoas, são também uma prova da vitalidade da Igreja Católica polaca, que continua com muitos projectos, e a redescobrir João Paulo II.
“É muito curioso como têm aparecido núcleos de estudo do pensamento do Papa polaco. Em Varsóvia há um que faz muitas iniciativas, uma das mais recentes foi um debate sobre a possível integração dos imigrantes de África e da Ásia com europeus, que é um tema muito actual na Europa de hoje.”
O autor garante que os jovens portugueses que vão às Jornadas não vão encontrar só muitas ruas com nomes de S. João Paulo II, “há também muita coisa ao nível na cultura polaca que foi influenciada pelo Papa”.
O livro, publicado pela Editorial Franciscana, foi apresentado esta quinta-feira em Lisboa. O autor sublinha que “não é apenas um livro de assuntos religiosos, também espero que seja estudado pelos estudantes e docentes de várias disciplinas. Tem uma rica bibliografia alguma vez publicada em Portugal sobre João Paulo II, muita coisa dos seus discursos, e também opiniões e entrevistas de pessoas que o conheciam bem, bispos polacos. E também opiniões de vários políticos da União Europeia ligados ao processo de negociações entre a Polónia e a União Europeia”.
A entrevista Marcin Zatyka vai ser transmitida no domingo, depois das 23h00, no programa “Princípio e Fim” da Renascença.