Fernando Reinares, investigador de terrorismo internacional do Real Instituto Elcano, em Madrid, alerta para uma “excepcional mobilização de jihadistas”, a crescer desde 2012, que aproveita a não integração dos jovens para recrutar os “mais vulneráveis”.
O perito, que pertence ao grupo da ONU sobre prevenção em terrorismo e lidera o grupo de especialistas em radicalização violenta da Comissão Europeia, participou, esta segunda-feira, num seminário do Instituto de Defesa Nacional (IDN) sobre “A ameaça terrorista e a segurança europeia”, em Lisboa.
“Estamos perante um fenómeno de jihadismo global, mais estendido do que nunca, mas, por outro lado, a Europa Ocidental não está entre os principais alvos da actividade terrorista, que se encontram no Médio Oriente, no Norte de África, no Sul da Ásia e se dirigem principalmente contra muçulmanos e não membros de outras comunidades religiosas”, disse.
“Desde 2012 que a mobilização jihadista na Europa está a crescer. O número de detidos a partir daquele ano aumentou, bem como os combatentes terroristas estrangeiros oriundos de países europeus e enviados para a Síria e o Iraque”, assinala.
Segundo este especialista, não é certo que haja uma relação entre o número de muçulmanos a residir nalguns países europeus e a quantidade de combatentes e ou terroristas oriundos desses territórios. “A Bulgária e Chipre são dois países onde existe população muçulmana muito elevada. Também a Itália e a Espanha têm uma considerável população muçulmana, mas a maior parte dos combatentes terroristas estrangeiros são oriundos de França, Bélgica, Reino Unido, Dinamarca, Holanda ou da Suécia.”
Jihadismo “made in” Espanha
Segundo Reinares, os países mais afectados pela actual “mobilização” jihadista são aqueles onde a maior da população muçulmana é composta por segundas gerações. “São jovens que não se identificam com os países de origem dos pais – não se sentem de Marrocos ou da Argélia –, mas também com os países onde nasceram e foram educados – de França ou da Bélgica”, diz.
Por isso, os alvos de grupos como o Estado Islâmico (EI) são jovens mais vulneráveis: com problemas de personalidade, com expectativas frustradas ou sem dinheiro. “O EI está a proporcionar uma nova ideologia e uma nova sociedade a milhares de jovens europeus que não se sentem integrados nas sociedades onde vivem”, sublinha.
Desde 2013 foram detidas em Espanha mais de 130 pessoas por alegado envolvimento com organizações extremistas islâmicas. Em mais de 70% dos casos são indivíduos entre os 15 e os 34 anos.
Fernando Reinares fala em números surpreendentes: quatro em cada dez alegados jihadistas detidos em Espanha são espanhóis. “Emergiu algo que até agora não existia em Espanha, que é o jihadismo cultivado cá dentro."
No mesmo debate, Ana Santos Pinto, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), apontou um desafio que é provocado, em boa medida, pelo próprio terrorismo: a “potencial radicalização de refugiados uma vez recebidos nas sociedades de acolhimento”. “Muitos dos radicalizados são alienados nas sociedades de acolhimento e acreditam que nunca lhes pertenceram, desde logo por serem muçulmanos”, diz.
“A história tem demonstrado que a sobrelotação de campos, os contextos de pobreza extrema, de fome e de criminalidade dentro dos campos e das comunidades de acolhimento levam à alienação, à radicalização e à violência”, afirma Ana Santos Pinto.
A “intensificação na violência da Síria” e “passividade dos actores internacionais” reforçam uma “narrativa de subordinação e humilhação da comunidade muçulmana face ao interesse dos actores externos”.
“Não somos o alvo preferencial”
Bernardo Pires de Lima fez contas e lembra que há muito mais vítimas do terrorismo islâmico nos países de maioria muçulmana do que na Europa.
"Provocaram na Europa 167 mortos, 600 no Médio Oriente, em África 1.157 e na Ásia Central 233 mortos. Ou seja, nas três regiões preferenciais como alvo deste terrorismo islâmico morreram 16 vezes mais civis do que na Europa. A primeira conclusão é que nós não somos o alvo preferencial do terrorismo islâmico”, diz o investigador do IPRI.
“A segunda conclusão é que há uma guerra sangrenta e interétnica dentro das várias sensibilidades muçulmanas, que, aliás, são as principais vítimas” de grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico.
“Muitas vezes os nossos políticos ajudam a propagar esse sentimento de conflitualidade civilizacional. Mas, mais uma vez, o que os números dizem é que há uma guerra civilizacional, mas ela é dentro do islão”, diz o analista.
Ainda assim, a “Europa é um território apetecível”: pelas suas “vulnerabilidades” – liberdades de circulação e de expressão (até para “disseminar uma mensagem apocalíptica”) e “algum atabalhoamento” na resposta ao terrorismo – e porque um ataque em solo europeu tem um “impacto mediático superior”.
Apesar de “pessimista”, Bernardo Pires de Lima afirma que a guerra ao terrorismo islâmico pode ser vencida. Mas é preciso ter a noção que tal vai levar “muitas gerações”.
“Somos e estamos melhores operacionalmente na anulação de ataques na Europa, mas não evoluímos no combate político e na gestão das causas desse terrorismo. E é aqui que temos de trabalhar: compreensão do radicalismo, prevenção estratégica dos conflitos coordenação pós-conflitos, credibilização do nosso papel político com instrumentos coercivos associados. Enquanto estas dimensões não foram prioridades políticas dos governos europeus não erradicaremos as raízes desse terrorismo.”