A imagem de Portugal está “na lama”, diz Ana Gomes esta segunda-feira no programa As Três da Manhã, onde foi entrevistada sobre o caso Luanda Leaks – a investigação jornalística internacional que revela como Isabel dos Santos conseguiu desviar, com a ajuda de personalidades portuguesas, 115 milhões de dólares para o Dubai.
“Isto é tão danoso para o nosso nome”, lamenta Ana Gomes. “Hoje, temos portugueses individualmente, instituições, empresas portuguesas na lama pelo mundo inteiro. O próprio país existe como uma lavandaria”, critica a socialista.
Sem medo de usar as palavras, a ex-eurodeputada acusa “todos os responsáveis políticos” de Portugal de serem “absolutamente coniventes, quando não instigadores desta pilhagem organizada dos recursos do Estado angolano”.
Espera por isso que, agora que foram revelados os documentos sobre o desvio de milhões feito pela empresária e filha do ex-Presidente angolano, haja “consequências também aqui em Portugal”.
“Porque não há dúvida nenhuma de que a roubalheira neocolonial que tem sido operada por esta cleptocracia de pilhagem dos recursos que tanta falta fazem ao sacrificado povo angolano contamina, contagia, ajuda a espalhar a corrupção e a criminalidade económica e financeira em Portugal. Isto tem que acabar!”, defende, em entrevista à Renascença.
Ana Gomes tem feito várias queixas à justiça que visam as operações financeiras de Isabel dos Santos – denúncias que lhe valeram uma ação cível apresentada pela angolana, mas que a ex-eurodeputada ganhou na sexta-feira.
Segundo a edição desta segunda-feira do jornal britânico “The Guardian”, o Fórum de Davos riscou o nome de Isabel dos Santos da lista de participantes. A reunião deste ano do Fórum Económico Mundial começa na terça-feira, na Suíça.
Leia toda a entrevista de Ana Gomes à Renascença:
Depois do que foi divulgado nas últimas horas, houve alguma coisa que a tivesse surpreendido?
Bom, há muitos detalhes que, não me surpreendendo propriamente, são novos para mim. Porque, de facto, eu não tinha acesso aos tais 700 mil documentos, tinha acesso a alguns.
De qualquer maneira, o que não é novo é o padrão de criminalidade, desde logo de desvio de recursos do Estado angolano para proveito de Isabel dos Santos e da sua clique – ela representa, no fundo, o pai e muita outra gente além da família. E também não é novidade que isto implica todo o tipo de criminalidade, não só face ao Estado angolano e às leis angolanas, mas também às leis portuguesas – porque por aqui é branqueado o dinheiro, os investimentos feitos aqui e daqui levados para outras atividades no resto do mundo são branqueados através de Portugal, de instituições financeiras e económicas portuguesas, incluindo algumas de que a senhora D. Isabel dos Santos é dona (em manifesto conflito de interesses). Isto, para além da criminalidade envolvida e, designadamente, a criminalidade fiscal qualificada no quadro da lei portuguesa.
Também não é novidade que boa parte dos homens e mulheres de mão da senhora D. Isabel dos Santos e da clique cleptocrática de Angola são portugueses. E são portuguesas também as autoridades que são cúmplices, também por omissão, tendo abdicado de regular, de supervisionar, de agir, incluindo pela via judicial, quando estava em causa punir e não manter a impunidade dos criminosos para esta panóplia de crimes envolvidos.
Portanto, eu só espero é que isto, de facto, tenha consequências também aqui, em Portugal, porque não há dúvida de que a roubalheira neocolonial que tem sido operada por esta cleptocracia de pilhagem dos recursos que tanta falta fazem ao sacrificado povo angolano contamina, contagia, ajuda a espalhar a corrupção e a criminalidade económica e financeira em Portugal. Isto tem que acabar!
No caso português, quem ou que entidades em concreto ficam em cheque?
Antes de mais, todos os responsáveis políticos, designadamente os que superintenderam a diplomacia portuguesa, que foram absolutamente coniventes, quando não instigadores desta pilhagem organizada dos recursos do Estado angolano. Eles sabiam, não podiam deixar de saber, não podiam ter a atitude que tiveram.
São sucessivos governos...
Sucessivos governos de todas as cores, incluindo do meu partido. Depois, as autoridades, como o Banco de Portugal, a CMVM, outros reguladores, que sabiam, que supervisionavam, no fundo, a criminalidade, designadamente no setor bancário. Eu digo supervisionaram, porque essas instituições fizeram inspeções, tinham documentada criminalidade e ajudaram a que ela continuasse, nada fazendo.
Depois, as próprias autoridades judiciais, que também sabiam – sobretudo, a partir da operação Furacão, tinham inúmeros dados de participação da senhora D. Isabel dos Santos e de elementos da sua clique no esquema de fraude fiscal qualificada, organizada que a operação Furacão permitiu desvendar, e escolheram nada fazer. Talvez porque acharam que tinha a sanção do governo angolano e do governo português, mas escolheram nada fazer.
Mas parece-lhe que agora este caso pode entrar num novo patamar?
Eu espero que sim, porque isto é tão danoso para o nosso nome. Hoje, temos Portugal... portugueses individualmente, instituições, empresas portuguesas na lama pelo mundo inteiro. O próprio país existe como uma lavandaria. Não é por acaso que a organização de Davos, onde se encontram financeiros e também cleptocratas do mundo inteiro, eles próprios hoje – ouvi agora mesmo na rádio, segundo o 'Guardian' – acabam de riscar a senhora D. Isabel dos Santos do leque de participantes no Forum de Davos, o que mostra a toxicidade de uma personagem como Isabel dos Santos.
Não podemos continuar a pôr a cabeça na areia.