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Timor-Leste prepara-se para festejar, na sexta-feira, 20 anos do referendo que abriu caminho à independência.
As comemorações estão centradas na capital, Díli, onde têm chegado muitos convidados, incluindo personalidades importantes no processo de autodeterminação de Timor.
Entre eles está o presidente da Assembleia da República Portuguesa, Ferro Rodrigues, que vai condecorar várias personalidades em nome do chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa.
No âmbito desta efeméride, a Renascença falou com José Ramos Horta, que ao longo de muitos anos foi a voz dos timorenses no mundo e, em 1996, foi galardoado com o Nobel da Paz.
Antes da independência, durante o Governo transitório, Ramos Horta foi ministro dos Negócios Estrangeiros e, depois da independência de Timor-Leste, assumiu os cargos de Presidente da República e primeiro-ministro.
Está tudo preparado para a festa?
Bom, à boa maneira tradicional timorense, ainda estamos a improvisar algumas coisas, a resolver alguns últimos problemas, mas à boa maneira timorense, que herdámos dos portugueses e dos brasileiros, tudo se há-de concertar.
20 anos depois, olhando para trás, quando percebeu que a luta dos timorenses estava ganha, que poderiam finalmente exercer a autodeterminação?
Quando o Presidente B. J. Habibie tomou posse, quando Suharto foi forçado a resignar – o ditador de mais de 30 anos [da Indonésia]. Fraquearam-se as portas para o diálogo, diálogo mais intenso, acelerado, mediado pela ONU, entre Portugal e a ONU; condições políticas foram criadas para a realização do referendo.
Obviamente, estou a simplificar, porque não foi assim tão simples, tão fácil; houve grande movimentação diplomática em Nova Iorque, em outras capitais, em Washington, para que o referendo realmente tivesse lugar, porque não era assim tão taxativo, tão claro, apesar de ser o compromisso do Presidente Habibie. Porque a linha dura militar e os seus apoiantes em Timor começaram de imediato a querer subverter a situação, desestabilizar, criar violência de forma que os timorenses, sobretudo Xanana como líder, recusasse a realização de eleições, de referendo nas circunstâncias daquela época, de insegurança e violência.
Mas houve grande movimentação e, sobretudo, impos-se a liderança de Xanana e devo dizer que Xanana teve um papel decisivo naquele período, porque se Xanana não fosse o que ele é, teria, por exemplo, ficado intimidado com a violência, com as mortes, massacres que estavam a ocorrer e teria dito: 'adia-se o referendo até condições melhores forem criadas'.
Mas felizmente isso não aconteceu. 20 anos depois, como classifica Timor-Leste? É um caso de sucesso?
Eu diria, obviamente, que a ONU pode continuar a considerar Timor-Leste um caso de sucesso, tendo em consideração os desafios enormes em que tudo, tudo era precário ou não existia; um povo traumatizado, tivemos que fazer a reconciliação entre timorenses, um grande sucesso. Normalização das relações com a Indonésia, recursos humanos que não tínhamos.
Mas há muito para fazer... Há áreas mais deficitárias: a agricultura, a saúde, a educação...
Há problemas de falhanços, na agricultura, por exemplo, na subnutrição; falhanço em cuidar de crianças. Houve progressos na área da saúde: tínhamos 19 médicos em 2002 e hoje temos mil médicos. Mas os falhanços são também para admitirmos com coragem e honestidade.
Para mim, o falhanço maior foi na área da agricultura, de produção alimentar.
Timor-Leste continua a importar muitos produtos
Importamos praticamente 70% da comida, quando podíamos já produzir 100% de todos os bens de primeira necessidade.
E quanto à saúde e à educação?
Em relação à saúde, há grandes progressos. A malária foi controlada e desapareceu. Ainda temos dengue, mas muito menor. Temos um problema grave de tuberculose. Temos muitos médicos, mas estes médicos precisam de enfermeiros, de clínicas adequadas, de água, de saneamento, etc.
E ainda há crianças subnutridas em Timor?
Há muitas. É demasiado e é moral e eticamente inaceitável.
E quanto ao ensino do português? Também não foi o sucesso que se esperava... Todos os timorenses falam português?
Não é verdade. Os portugueses sempre pessimistas - daí surgiu o fado... Deixe-me dizer-lhe o seguinte: em 1975, depois de 500 anos de colonização portuguesa, menos de 5% falavam português em Timor-Leste. Depois da colonização indonésia, 24 anos depois, esse número tornou-se quase inexistente, talvez 0,5%. Hoje, é quase 30%.
Ontem, estive a fazer uma palestra praticamente toda em português, toda a audiência falava português – a maioria eram jovens. Já temos jornalistas que fazem entrevistas em português.
Hoje, fala-se mais em português do que no tempo da gloriosa colonização de Timor-Leste por Portugal.
Olhando agora para o futuro, como vê Timor-Leste daqui a 20 anos?
Na realidade, tenho aqui uma bola de cristal e estou a falar a sério. Diz que Timor está pacífico, continua pacífico como hoje; próspero. Um país orgulhosamente membro da ASEAN, com forte intervenção internacional. Um país em que a produção alimentar até ultrapassa as necessidades internas; a subnutrição é coisa do passado, as crianças são robustas, saudáveis, não há analfabetismo, quase todos os timorenses têm, pelo menos, o 12.º ano ou até o bacharelato, a licenciatura.
Muito obrigada. Ficamos com a nota de bom humor e otimismo.