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José Azeredo Lopes, 56 anos, é professor universitário, foi presidente da Entidade Reguladora da Comunicação Social e chefe de gabinete de Rui Moreira. Desde Novembro de 205, desempenha o cargo de Ministro da Defesa Nacional.
Há sete meses, o ministro da Defesa Nacional atravessou um dos períodos mais negros da sua "governação", quando dois militares em formação morreram durante o Curso 127 de Comandos. Hoje, Azeredo Lopes garante que a situação seria menos provável, apesar de não ser impossível. "O que não era aceitável era que qualquer jovem instruendo corresse risco de vida. Não é normal, nem é risco normal que uma coisa destas pudesse acontecer", diz.
Têm surgido notícias sobre dificuldade de recrutamento nas Forças Armadas (FA), há notícias lá fora sobre países que equacionam reintroduzir o Serviço Militar Obrigatório. A questão faz sentido cá?
Não está nos planos imediatos deste Governo lançar formalmente a questão do serviço militar obrigatório (SMO). É uma questão com que não nos comprometemos no programa do Governo e que a nosso ver não é urgente, se representa uma panaceia para resolver os problemas de recrutamento. Portanto, tem a ver com uma determinada concepção de sociedade, uma determinada concepção da ligação entre os jovens e as Forças Armadas, que a meu ver não está ainda no plano protagonista da agenda política.
Alguns associam o SMO à educação cívica que hoje faltará aos jovens. Devo dizer que não partilho de todo essa abordagem, independentemente da opinião que eu possa ter sobre o SMO. Mas é bom termos cuidado nas abordagens sobre dificuldade no recrutamento.
Não há?
Há e não há. Atravessámos um período de três anos em que o Governo anterior recrutou zero. Isto significou um défice muito significativo num número tido como bitola razoável para as FA, algures entre 30 e 32 mil pessoas, entre elementos do quadro permanente, contratados e voluntários. Quando, durante três dos quatro anos do governo anterior, criámos um défice tão significativo, isso não é fácil de corrigir em um ou dois anos. Estamos a tentar recuperar, mas ainda não atingimos a velocidade de cruzeiro. Não temos uma base de recrutamento tão ampla como gostaríamos.
E a questão é se as condições de recrutamento são atractivas.
Naturalmente que sim, embora a questão não se resolva com mais ou menos dinheiro, mas com a natureza de uma carreira desterritorializada em que, quem a quer seguir, sabe que vai ter que fazer sacrifícios. Do que se trata é de criar condições de remuneração, estatutárias satisfatórias. E de ver como garantimos que, quando saírem, podem ter uma vida profissional interessante e activa. São mais dois problemas: como podemos qualificar dentro das FA e como podemos certificar a formação que damos.
É um problema novo? Antigamente havia quem fosse para Medicina nas FA, também para a Força Aérea, porque havia depois lugar quando saísse...
Tem razão, mas está a falar de nichos de mercado. Quem me dera que os elementos das FA, querendo sair, tivessem o mesmo tipo de procura que os pilotos da Força Aérea, até porque são cada vez mais disputados. Estou a pensar nos casos mais comuns. Aí ou lhes preparamos situações que garantam uma vantagem estatutária - por exemplo, poder ser opositor a qualquer concurso público é uma solução que está a ser trabalhada; contratos especiais que permitam prolongar o vínculo, para quem não saiam das FA quando estão no apogeu das suas capacidades, sem os transformar em anciãos. É possível transformar a carreira militar numa carreira mais atractiva.
Não chegou a dar uma resposta sobre o serviço militar obrigatório.
Não, não tinha concluído: é um tópico que pode ser discutido, como o está a ser no contexto europeu. Hoje verifica-se nos países do Leste, por razões de conjuntura determinados pelo episódio da Ucrânia; também na Suécia. E a partir daí não encontra...
A nova realidade internacional não pode levar a que essa tendência de alastre?
Só digo que ainda não é significativo. Nas eleições francesas, a proposta mais consistente (do ponto de vista de trabalho, não estou a dizer que seja a melhor) é a de Emmanuel Macron, e ainda assim estamos a falar, na sequência dos ataques de Paris e Nice, do alargamento do conceito de "reserva territorial", podendo cada um de nós ser reservista; e cada jovem entre os 18 e os 21 anos ter de estar um mês ligado às FA, num quartel ou noutra instalação militar. Esta proposta foi já muitíssimo criticada, porque representa uma despesa brutal sem que se veja uma contrapartida para além da mera referência de cidadania. É também uma questão um bocadinho confessional: no plano político há quem seja a favor e quem seja contra, felizmente na esfera do Governo há quem seja a favor e quem seja contra. Isto tem um aspecto positivo: quanto mais se discutir, mais esclarecido fica o próprio decisor político. Não está nos planos imediatos - nem mediatos - deste Governo lançar formalmente a questão do SMO.
Uma das questões que tem posto as FA na agenda, pelos piores motivos, é a do curso de comandos que provocou duas mortes. Está a decorrer um novo curso ainda sem estarem concluídas as investigações sobre o que se passou. Devia ser assim?
A regra de ouro que estabeleci é que não vai, desta vez, ficar sob silêncio o que aconteceu. Vamos levar até ao fim a investigação nas suas diferentes dimensões. E vamos levar até ao fim a reflexão que se impõe para explicarmos por que motivo é que numa determinada formação acontecem sempre, ou com demasiada frequência, situações deste género. Não pode ninguém, honestamente, garantir que não venha no futuro a acontecer uma situação deste género. Estamos a falar de forças com um treino muitíssimo exigente. A nossa obrigação estrita é que se faça tudo o possível para evitar que estas situações possam ocorrer. Isto significa o quê? Exames médicos muito mais aprofundados; regras muito claras sobre o treino, o ritmo do treino e o ritmo da formação e um escrutínio minimamente transparente sobre o que vai acontecendo nas formações.
Por isso é que perguntava se o treino devia já ter começado?
Mas as coisas estão já devidamente esclarecidas. Se me está a perguntar quanto ao exercício do poder judicial, compreenderá que eu não posso estancar a formação dos comandos até se encerrar o processo judicial.
Mas há duas investigações: a interna está em fase de recurso; e o apuramento de responsabilidades do processo judicial é muito discrepante daquele que veio a ser apurado do ponto de vista interno.
Não sei por que é que diz que é discrepante...
Pelo número de pessoas que responsabiliza, desde logo...
Nenhum dos que foram constituídos arguidos participa na formação de comandos. E nenhum dos que sofreram sanção disciplinar (em recurso) está a participar também na formação. Sem presunção de culpa, há um bom-senso de separar as questões. Em segundo lugar: temos muita tendência em misturar o ilícito disciplinar com o criminal, são coisas que não têm nada a ver. Em terceiro lugar, o reinício do curso não esteve ligado à conclusão da investigação mas ao apuramento dos factos e responsabilidades. Os cursos reiniciaram, primeiro, quando se determinou mais ou menos o que tinha acontecido - e quando se fez uma reavaliação da formação, que fosse para além da responsabilidade individual. Acho que isso foi garantido e honra ao Exército, porque foi capaz de olhar para dentro num exercício que foi com certeza doloroso e foi capaz de se questionar e corrigir o que era importante corrigir... Mas se comparar o que é hoje o referencial dos cursos de comandos, com as ausências e as lacunas que antes se verificavam, demos um salto muito significativo. Se comparar hoje a avaliação que é feita dos que pretendem ser instruendos, são regras muito diferentes, embora tão exigentes como as anteriores. É que nós temos tendência para confundir a qualidade de um curso com o número de baixas, isso é aberrante. O que era importante garantir aos instruendos e às famílias é que tudo o que era possível fazer foi feito, com transparência, de forma sindicável. E posso também garantir que, enquanto não foi estabelecido um referencial claro quanto ao processo de formação, a identificação dos erros, o curso não começou.
Daquilo que se concluiu que estava mal na formação, acha aceitável que houvesse erros na questão da [ingestão de] água, às condições de saúde em que algumas pessoas foram aceites?
Vou dizer-lhe o que é que me surpreende mais: é que, durante estes anos todos, ninguém tenha ficado surpreendido de cada vez que eles morriam.
Acha, portanto, que desde as primeiras mortes que levaram à interrupção do curso de Comandos, até estas, nada foi feito para alterar a situação.
Não sei, se conhecer algum caso de inquérito, com apuramento de responsabilidades, com clarificação sobre o processo que conduziu a essas mortes, diga-me por favor, porque tanto quanto sei não existe nenhum. Eu não estou a alijar carga. Quando a carga esteve sobre mim eu disse o que era indispensável para poderem ser reiniciados os cursos. E repare que eu não segui sequer a solução, porventura teria sido mais simples e, admito, até mais popular, de dizer "aconteceu isto, fecha-se o curso de Comandos". Mas quando há uma patologia, não costuma ser solução matar logo e perguntar depois. O que era inaceitável numa sociedade do século XXI era que, de cada vez que estes factos ocorriam, a vida continuava, continuando a haver incidentes depois. Repito: não posso garantir que não vai haver repetição de incidentes. Mas hoje é menos provável, com toda a certeza.