É contra o “frentismo de direita” e lamenta a normalização do Chega. Ex-ministro da Educação e um dos atuais vice-presidentes do PSD, David Justino diz que o PSD não tem metas quantificadas para as autárquicas, mas dá uma garantia: Rui Rio fará uma leitura política dos resultados e não irá “efabular” ou “dizer que ganhou as eleições” se isso não acontecer.
Na próxima semana vai decorrer aquilo a que alguns chamam o “congresso das direitas”, a convenção do Movimento Europa e Liberdade, onde vão falar todos os líderes de partidos à direita e até participa um deputado do PS. É um primeiro passo público para uma união das direitas, tendo em vista eleições futuras?
Confesso que tenho sempre algumas reservas em relação a estas soluções frentistas. Eu que venho da esquerda nunca concordei com o frentismo de esquerda. O facto de me ter tornado mais conservador, liberal e social-democrata não me permite deixar de contrariar este frentismo de direita. E tenho reservas quer de base ideológica e programática quer de base tática.
E que reservas?
Se olharmos para os resultados das últimas eleições, mais do que uma vitória do PS, houve uma vitória da esquerda sobre a direita. A direita tornou-se mais fragmentada com algumas alterações - a queda do CDS, alguma redução do PSD, o aparecimento do Chega e da Iniciativa Liberal e por pouco não era também a Aliança. A esquerda, há umas décadas, em vez de se desagregar, agregou-se no Bloco e o PCP manteve aquela aliança, a chamada ‘aliança melancia’, com os Verdes. E o PS incorporou muitos militantes isolados, de alguns movimentos, dentro da sua organização. Nos últimos anos, à direita do PS, estamos a assistir ao movimento contrário. Se não há uma base ideológica dessa frente unitária, dificilmente ela pode existir a não ser para a defesa de interesses. Para partidos que estão na oposição, aquilo que menos interessa neste momento é a defesa de interesses. O debate ideológico não tem acontecido tanto quanto eu entendo que seria necessário à direita.
Então qual deve ser a atitude do PSD em relação a esse frentismo?
Uma coisa é um partido que tem um deputado representado na Assembleia e outro que tem 70 e tal. A diferença está nisto. Não pode haver situação de igualdade em termos de parceria ou em termos de entendimento entre grupos que têm um deputado e o maior grupo parlamentar da oposição.
Acha que o congresso beneficia o deputado André Ventura?
Quando se fala no problema da normalização do Chega... O que o congresso está a fazer é reconhecer o Chega como uma força política importante. E, sinceramente, para mim, o Chega é um deputado, mais nada.
Disse que a convenção do Movimento Europa e Liberdade, ao aceitar Ventura como um par, está a normalizar o Chega.
Utilizando aquilo que é o aferidor da normalização, aparentemente está... Eu só não sei porque é que não convidam o PNR, já agora! Também era bem-vindo, pelos vistos.
Então também acha mal que Rui Rio participe?
Não acho nada mal, é uma decisão que lhe cabe a ele. É mais uma manifestação de boa vontade do presidente do PSD do que uma posição radical. Ele não participou nos dois primeiros e entendeu que agora sim, porque também tinham alargado o leque para outros sectores que não estavam representados.
Alargaram demais?
Não sei. Se calhar alargaram demais, quer mais para a esquerda quer para a direita. O dr. Rio aí sente-se muito mais confortável...
Mais confortável por estar lá um deputado do PS?
É natural. Se ele se sente mais confortável para o fazer, deve-o fazer. O presidente do PSD não está sujeito a qualquer centralismo democrático. Tem um grau de liberdade que lhe permite tomar opções.
O prof. David Justino não iria?
Eu não teria grande interesse em lá ir. Não é nestes ‘happenings’ que se faz a reflexão em torno dos grandes problemas do país. Às vezes é em pequenos grupos. Eu dou mais importância a esses contributos do que a andarmos a forçar um contexto político que, de todo em todo, não existe. Pode ser um desejo, pode ser uma vontade, mas não é uma realidade.
O PSD tem sido acusado de promover essa normalização do Chega. O líder do Chega já disse que se quer reunir com o líder do PSD para discutir alianças. Qual deve ser a resposta do PSD?
Ele queria reunir-se... Mas o PSD reúne-se com quem muito bem entender. Relativamente a isso já dissemos o que tínhamos a dizer. Tudo está dito. E não há razão objectiva nem mudança significativa que nos leve a pensar de forma diferente.
Não vão discutir alianças com o Chega e, no entanto, já admitiram que, se o Chega mudar, pode haver alianças. Por exemplo, para um apoio parlamentar, como aconteceu nos Açores...
O caso dos Açores é um caso específico após a governação do PS durante 24 anos. Vamos admitir que não chegávamos a um entendimento. O PS iria governar mais quatro anos, não se sabe como e em que condições! Num caso destes, temos que ser racionais e pragmáticos. Era o primeiro sinal de que a população dos Açores queria mudar de vida e deve ser respeitado. Havendo essa vontade de mudar, devemos fazer todos os esforços, mesmo que nos tenhamos que revoltar por dentro, para concretizar isso. O PSD-Açores encetou esse tipo de acordo, da parte do PSD dissemos: ‘Meus senhores, têm autonomia, não vamos obstaculizar’.
Numas futuras legislativas, o PSD vai revoltar-se por dentro e aceitar alianças com o Chega?
Eu não sei quando vai haver legislativas, qual vai ser a repartição das forças políticas. A única coisa que sei é que, perante a existência de um deputado, que é aquilo que o Chega vale, tem que se fazer a aritmética. Nós temos uma relação muito mais estreita com o CDS que é o nosso principal aliado.
O CDS está a desaparecer...
Isso é o que dizem as sondagens. Até chegarmos às eleições muita coisa vai mudar.Por vezes há determinados acontecimentos que têm um efeito desestruturante que leva a que o eleitorado entenda que está na altura de mudar. Aquilo que as sondagens dizem é que o eleitorado, maioritariamente, não está disponível para crises políticas nem para mudar de Governo neste quadro atual. Se o quadro mudar, vamos ver qual vai ser a reação das pessoas.
O que deve o PSD fazer para ser alternativa?
Temos o programa eleitoral de 2019 e a moção de estratégia do último congresso. Aquilo que dizemos é que, após as autárquicas de 2021, o PSD tem que estar preparado para assumir o poder. O nosso objetivo é reunir os contributos, ideias, propostas, tudo o que andámos a fazer este tempo todo. Se o eleitorado quer ou não quer dar-nos essa confiança, é um desafio para nós e para o eleitorado.
O presidente do PSD disse que as autárquicas seriam decisivas para a sua liderança. Qual é a meta?
Não temos metas quantificadas. Nas legislativas é muito mais fácil quantificar. O número de mandatos nas câmaras, nas assembleias municipais, nas assembleias de freguesia, tudo isso vai ser importante. Agora, não vamos pôr todas as câmaras no mesmo nível. Às vezes duas ou três câmaras pela carga simbólica que têm podem ser mais importantes do que ter dez.
Como aconteceu em 2001 quando o PS perde Lisboa e Porto.
Exatamente. Mas hoje há uma rede de cidades, mesmo no interior, que têm uma posição estratégica muito importante. A nossa preocupação não pode ser só ocupar e ganhar lugares. Isso é próprio de máquinas de poder. O PSD não pode ser uma mera máquina de poder. Tem que ser uma máquina de transformação de sociedade. O PS é uma máquina de poder e, se o PSD se transformar nessa máquina de poder sem ter as ideias sem ter os projetos que a sociedade exige, deixo de me sentir retratado no partido. Passo à clandestinidade. Não me interessa. O poder só tem sentido para ser um instrumento de mudança na sociedade. No caso das autárquicas não temos meta quantificada. Mas tem que haver uma leitura política credível na noite das eleições sobre o que ganhámos e o que não conseguimos ganhar. A garantia que eu tenho da parte do dr. Rui Rio é que é uma pessoa retintamente honesta. Não esperem dele que vá efabular, ou dizer que também ganhou as eleições...
Perder Lisboa, Porto e Coimbra ditaria o afastamento de Rui Rio?
Depende do resto. As variáveis são tantas. Se calhar uma câmara ou duas pode ter um peso simbólico tão importante. Não estamos a fugir a um compromisso, mas reconhecemos que a leitura política que se faz tem que ter em conta o momento. Mas estamos com expectativas muito razoáveis de que vamos conseguir boas vitórias em vários sítios, quer em grandes quer em pequenas câmaras.
Rui Moreira acusou na Renascença Rui Rio de estar obcecado com as eleições no Porto e de o julgar na praça pública. Rui Moreira tem condições para continuar à frente da Câmara do Porto e ser candidato?
O que digo para o dr. Rui Moreira é o que entendo para outros casos: havendo suspeição relativamente ao exercício de um cargo, se fosse comigo, eu pedia a demissão. Com uma suspeição fundamentada, era de bom tom que suspendesse o mandato.
Demarcou-se do Chega. Mas a partir do momento em que o PSD aceita uma candidata à Câmara da Amadora como Suzana Garcia que defende a castração química e física de pedófilos, o PSD e o Chega não estão hoje mais próximos?
De modo nenhum. De cada vez que a dra. Suzana Garcia é atacada e decide defender-se sobe na minha consideração. Ela publicou dois artigos e deu uma entrevista. Depois de ter lido os artigos e a entrevista, devo dizer que acho que é uma mulher extremamente inteligente, capaz, com garra e com vontade de dar uma volta no município da Amadora. E isso merece-me um enorme respeito.
Mesmo com castração?
Posso respeitar o argumento que ela utilizou, eu não o defendo. Mas a democracia também é um bocadinho isto. Mas a identificação com o Chega não tem sentido nenhum. A dra. Suzana Garcia é uma candidata independente, embora simpatizante do PSD. No fundamental, é uma boa candidata ou não? É. Respeita o fundamental dos valores intrínsecos do PSD? Respeita. Para mim, isto é básico. Agora, não coincido com a abordagem que ela faz. Há diferenças. Mas isso faz parte da democracia.
Porque não apoiaram Santana Lopes na Figueira da Foz?
O dr. Santana Lopes, mais do que uma vez, mostra uma grande indecisão relativamente ao que quer. Chegou-se a conversar sobre várias alternativas. Ele escolheu a Figueira, para a Figueira já tínhamos um candidato escolhido, que é um excelente candidato. Amigos, amigos, negócios à parte.