Em tempos de pandemia, morte e incerteza, a fé pode ser um farol. Quem o disse foi o deputado do PSD e médico Ricardo Baptista Leite, este sábado à noite, em mais uma edição do Faith’s Night Out, organizado pelas Equipas de Jovens de Nossa Senhora e que este ano se realizou inteiramente online.
“Nós que temos fé temos muita sorte porque temos um farol que nos guia, um farol que é a Cruz e o amor de Cristo que nunca nos abandona mesmo nos momentos mais difíceis”, afirmou o orador, cujo tema era “permanecer no serviço”.
O deputado, que tem ganho fama enquanto ponta de lança do PSD no que diz questão à pandemia, falou sobre como as escolhas que tomou durante a vida, de seguir medicina, especializar-se em infecciologia e enveredar pela política acabaram por confluir neste momento em que se encontrou numa situação privilegiada para poder ajudar a combater a pandemia em Portugal e não só.
“Partilho estas histórias para mostrar que muitas vezes, sem sabermos, estamos a seguir caminhos que no final do dia vão culminar e permitir que possamos juntar todas essas ideias e todas essas visões, todas essas experiências, para colocarmos ao serviço de outros. Porque no final estamos de facto ao serviço dos outros porque somos instrumentos de Deus. É nesse sentido que me encaro e encaro cada um de nós.”
"E agora que estamos a viver um período tão difícil, tão desafiante, e uma crise sanitária que se vai traduzir numa grave crise económica e social, em que as tais desigualdades que eu e tantos outros nos comprometemos a combater vão infelizmente aumentar, temos esta obrigação de trabalharmos juntos, de nos colocarmos ao serviço de Deus e através de Deus nos colocarmos ao serviço uns dos outros para combatermos essas desigualdades, para garantirmos que objetivamente não deixamos ninguém para trás”, concluiu Ricardo Baptista Leite.
O deputado falou depois de Magda e Carlos Fontes, um casal que numa fase da vida em que já tinham filhos mais velhos e podiam pensar em descansar um pouco antes da chegada dos netos, tornaram-se família de acolhimento e receberam em casa um recém-nascido.
Magda Fontes diz que aprendeu assim o que é o “amor radical e exigente, de gratuidade total".
"Acolher um filho que nos era confiado, mas para partir em tempo incerto. O António chegou direto da maternidade, muito frágil e em pleno Advento. Olhar para ele no contexto do Natal era também interiorizar o mistério de Deus encarnado num bebé. Um presépio simples, despojado de tudo. E fazer-nos pensar por que razão Deus encarna num bebé para se fazer próximo de cada um de nós. As semanas seguintes foram de uma verdadeira experiência de Deus, e assim se mantém”, disse.
Presente esteve também o bispo das Forças Armadas, D. Rui Valério, que num testemunho muito pessoal partilhou como esteve internado aos sete anos, em Coimbra, com um problema na perna que a ciência teimava em não conseguir resolver nem curar.
“Ali vivi como criança de sete anos um paradoxo impressionante. Ao mesmo tempo que crescia a minha fé em Deus, ia relativizando-se muito a minha confiança na ciência. E foi assim que anos mais tarde quando entrei no noviciado e redescobri Jesus Cristo, posso dizer que eu não descobri Jesus Cristo e depois confiei nele. No meu caso pessoal foi o inverso. Desde os 7 anos que dentro do coração Deus tinha preparado o terreno da confiança para que depois, quando o reencontrei me tivesse entregue totalmente a ele.”
Tempo de dissonância
O FNO também tem direito a momentos musicais, desta feita com o fadista Peu Madureira a cantar no palco do auditório da Renascença, de onde foi transmitido o evento deste ano, mas outra estrela musical também esteve presente.
A maestrina Joana Carneiro falou sobre “permanecer na harmonia” e explicou que ao contrário do que se possa pensar, também a dissonância tem o seu lugar na música.
“A história da música ensina-nos que a dissonância não é necessariamente má. A harmonia dissonante não é necessariamente má. Quando pensamos nos grandes compositores, a dissonância daquelas notas que podem aparentar não pertencer a um acorde são absolutamente importantes, são chamadas ornamentos. Significam surpresa, afeto, uma forma de comunicar algo inesperado que muitas vezes é resolvido, mas muitas vezes não é.”
Joana Carneiro deu então o seu próprio exemplo de mãe que frequentemente se deita numa aparente harmonia e acorda na manhã seguinte com quatro filhos pequenos na sua cama. “Tantas vezes há momentos, nesta harmonia dissonante, em que podemos olhar um para o outro e dizer obrigada. Obrigada por esta família e obrigada Deus por nos ter dado tantas consonâncias, tantas harmonias maravilhosas e consonantes que fazem sentido apesar do nosso dia-a-dia.”
“Moderação radical”
Seguiu-se José Luís Ramos Pinheiro, jornalista e membro do Conselho de Gerência da Renascença, que voltou o seu discurso para o momento político e social atual, em que os extremos atraem, referindo a importância daquilo a que chamou “moderação radical”.
Os católicos, avisou, não devem deixar-se entrincheirar, pois assim são combatidos com mais facilidade por quem quer apagar os valores cristãos da sociedade.
“Por isso, quando defendemos a dignidade de quem trabalha há quem nos veja logo como esquerdistas; quando defendemos a liberdade económica, ainda que não absoluta, há quem nos atire para o lado direito; quando nos comprometemos com os mais pobres e criticamos as injustiças, lá vamos nós para o lado esquerdo; quando nos comprometemos com a dignidade da vida humana, da conceção à morte natural, não passamos de uns tristes de direita.”
“Se promovemos a dignidade dos imigrantes encostam-nos bem encostadinhos à extrema-esquerda, mas se promovemos o direito à objeção de consciência dos pais de Famalicão, que têm o direito de recusar conteúdos abusivos impostos pelo Ministério da Educação sem serem perseguidos judicialmente como neste momento sucede, somos de imediato catalogados como retrógrados de extrema-direita”, continuou, entre outros exemplos.
“Querem entrincheirar o pensamento cristão, aprisioná-lo para melhor o combater. Sempre que nos deixamos acantonar compromete-se o sucesso da missão. Os valores cristãos escapam a qualquer matriz ideológica”, disse ainda.
Os cristãos devem, por isso, rejeitar os extremismos, pois “nalgum momento todas elas afogam a dignidade, reduzem a liberdade e impõem cartilhas de pensamentos único. Subordinam as pessoas a um estado que só o estado controla”, mas isso não significa ficarem satisfeitos com um “centro cada vez mais anémico.”
O jornalista terminou com um apelo à participação política dos cristãos. “Esse espaço está já a ser ocupado por qquem combate tudo aquilo em que acreditamos. E se os cristãos radicalmente moderados não se empenharem na vida pública, quem, no futuro, dará testemunho por eles?”
O amor é mais forte que a morte
O médico Roberto Roncon enviou um testemunho a partir do Porto, gravado no dia em que, na sua unidade, morreu o jogador profissional de andebol Quintana, internacional português e guarda-redes da equipa do Futebol Clube do Porto. O médico evocou este incidente, tecendo elogios ao homem e ao atleta, perguntando como se pode encontrar o sentido numa situação destas.
A resposta, disse, está na esperança e na fé, disse o médico, que evocou ainda o exemplo do Papa Francisco e a forma como tem sido testemunha de esperança viva ao longo deste ano de pandemia mundial e as famílias dos próprios doentes que lhe foram transmitindo mensagens de agradecimento, esperança e gratidão. "Muitas destas mensagens foram de doentes que acabaram por morrer", disse.
De seguida a jornalista Laurinda Alves falou sobre “permanecer na alegria”, avisando de antemão que a alegria não é o contrário da tristeza. “A alegria é o oposto do desânimo e da falta de sentido de vida. É o oposto do pessimismo e é aquilo que combate o medo.”
Deu então o exemplo dos “jovens do COmVIDas”, uma organização que envia equipas de voluntários para lares de idosos atingidos por surtos de Covid. “São pessoas que vão onde ninguém quer ir. Estão lá. Isto é permanecer na alegria. São pessoas que resgatam do desânimo. Da tristeza. Pessoas que dizem, tu não estás sozinho, eu estou aqui.”
Quem também falou de voluntariado foi a dupla Zarica e Marta Beja, mãe e filha que, ao saberem durante a primeira vaga havia médicos no Hospital Santa Maria que passavam fome porque as cantinas estavam fechadas, não queriam trazer comida de casa com medo de contaminar os utensílios e viam os serviços de entrega recusar-se a ir até ao hospital, decidiram intervir.
Em breve contavam com dezenas de pessoas numa rede que chegou a entregar mais de duas mil refeições aos profissionais de saúde. Mais tarde, contudo, puderam sentir elas a ajuda quando a avó nonagenária ficou infetada e a levaram para casa para cuidar dela, acabando todos por sucumbir e beneficiar do apoio tanto dos médicos do Santa Maria como da rede que tinham criado.
“Deus chama-nos a coisas diferentes, e chama-nos a todos. Se na primeira vaga chamou-nos a nós e à nossa família a ser fermento, agora chamou outros. Vários membros da família e do grupo organizaram-se para nos levar refeições porque viam o estado de fragilidade em que estávamos.”
“Se nos chama a ser fermento, sejamos fermento. Se nos chama a ser ovos ou farinha, que seja. É difícil dar o primeiro passo, há o medo de cair no ridículo”, advertiram.
Entre estes dois testemunhos ficou outra, mais dura, de Rita Vinagre, que falou da morte do seu filho Manuel, há três anos, e de como conseguiu ultrapassar esse momento escuro da sua vida com a aceitação, mas também com a abertura para se deixar transformar por Deus: “Só mudamos com a confiança de que Deus permanece”.
A isto acrescentou ainda a oração e a relação. “Com os amigos as alegrias multiplicam-se e as tristezas dividem-se”, para concluir que quando se permanece na confiança, apesar da tragédia, conclui-se que “o amor é mais forte que a morte.”
O Faith’s Night Out realiza-se desde 2013 e aposta num formato de várias conferências de curta duração, cerca de sete minutos. Depois de dois anos a esgotar o Centro de Congressos do Estoril, as Equipas de Jovens de Nossa Senhora tiveram de apostar este ano no online, angariando cerca de 1500 inscrições, o que equivale a um número três ou quatro vezes superior de espetadores, uma vez que cada inscrição equivalia a uma casa e não a uma pessoa.