Primeiro foi “à Justiça o que é da Justiça”. Uma semana em que nem a demissão do ex-secretário de Estado da Proteção Civil constituído arguido (no caso das “golas”) fez mudar o tom. Por mais que, neste caso, só se exigisse bom senso e avaliação política para justificar o prévio afastamento sem esperar pelo recurso aos tribunais. Houvesse ou não acusação, bastava saber-se da contratação de um amigo militante “panificador”, sem currículo em proteção civil, apresentado como “especialista” para aparentemente não se precisar de mais indícios da inadequação de Artur Neves ao cargo.
Mas não chegou, mesmo que as golas tivessem sido feitas em material impróprio e pagas ao dobro do preço, por ajuste direto e depois de consultas às empresas da zona de influência autárquica do ex-autarca socialista. Nada disto justificou um afastamento político.
No debate das rádios, ainda estávamos nesse ponto. Até Rui Rio justificava a presença de arguidos e “acusados” nas respetivas listas com a necessidade de “não julgar ninguém na praça publica” ou através das manchetes de jornais. Para ele, a fasquia da “demissão”, em caso idêntico, num seu Governo, ficava na condenação pelo menos ao nível “de um tribunal de primeira-instância”. Costa não deixou passar a ideia de que talvez nessa altura fosse já tarde demais quando atirou: este caso vai acabar a cair “nos telhados de vidro do vizinho”.
Entretanto, o discurso mudou. Do “dai a César o que é de César” o PS viu-se forçado a passar no caso Tancos e em pleno fim de semana, depois da constituição de Azeredo Lopes como “arguido”, a adotar nova consigna: “Dai a César o que é de Costa”.
Costa, com dores nas costas, desapareceu em combate e Carlos César ficou sozinho com Santos Silva na função de “malhar na direita”, acusando Rui Rio e Assunção Cristas de trazerem para a praça pública o eventual envolvimento do Governo no encobrimento da operação de “achamento das armas”, invetivando a direita por mudar de discurso e arrastar as instituições “para a lama” em plena praça pública. Ao mesmo tempo que alertavam para os riscos do Bloco de Esquerda sair reforçado das eleições.
Pelo caminho ficou a fracassada tentativa de manipulação da imprensa com uma fuga cirúrgica do despacho de acusação que tentava (através de um processo dedutivo, muito pouco claro) provar um suposto envolvimento presidencial pela via da respetiva casa militar. O raciocínio mais ou menos primário levou a TVI (que aliás, entretanto, denunciou uma das suas fontes por “manipulação jornalística ” logo no início do caso), a basear-se no conteúdo de uma escuta à mesma fonte para considerar que a referência a um “papagaio mor do reino”, conhecedor de tudo, visava chegar ao próprio Marcelo.
No seu comentário dominical Marques Mendes não enfiou a carapuça, mas a defesa afirmou, que a referência ao bicharoco se podia aplicar em sentido lato a alguns comentadores como ele próprio, Miguel Sousa Tavares ou mesmo José Miguel Júdice, faça isso ou não algum sentido.
Costa só reapareceu no fim de semana na entrevista à RTP, retemperado e apaziguador. Resta saber em que medida esta recordatória das trapalhadas da Geringonça dos últimos dias chega ou não para mudar e até anular o discurso das” contas certas” e do quem tem o melhor Centeno.
Trata-se de saber o centro direita consegue desviar a discussão para o lado mais negro da governação dos últimos quatro anos e para tudo o que se perdeu em torno dos compadrios familiares, das falhas graves da autoridade e segurança do Estado e dos riscos de regresso a derivas, ao estilo socrático, de uma eventual maioria absoluta do PS.
Desse ponto de vista a presença da figura de Santos Silva, por contraponto a Centeno, sendo uma das caras mais conhecidas do período socrático, pode não ter sido uma grande ideia. Pior mesmo, só a entrada do próprio Sócrates, mas até isso aconteceu ao PS nos últimos dias. O ex-líder ou odeia ainda mais Costa do que se imagina ou desconhece o ditado popular “muito ajuda quem não atrapalha”. O seu último artigo, onde faz um feroz ataque à Justiça, recorda-nos todas as trapalhadas recentes e soma-lhes todas as anteriores ligadas a uma maioria absoluta do PS.
Em que medida tudo isto basta para reduzir a distancia entre PS e PSD no próximo dia 6 para valores inferiores a dez pontos percentuais? Vale a pena recordar esta fasquia que Rui Oliveira e Costa costuma apontar para que seja o segundo partido a “oferecer” a maioria absoluta ao partido vencedor. No fundo, é esta a questão que se vai jogar até final da semana.
Consultando, no site da Renascença, um excelente trabalho de jornalismo de dados de Rui Barros, com validação cientifica do professor da universidade do Minho, Luís Aguiar Conraria, podemos perceber melhor, em que medida a tarefa de recuperação da direta está dificultada nos poucos dias que lhes resta.
O gráfico da “Sondagem das sondagens” é baseado na metodologia já usada por Pedro Magalhães nas últimas legislativas (Popstar). Tenta avaliar o estado da opinião pública, expurgado das variações mais conjunturais de todos os estudos de opinião depositados na ERC nos últimos meses, de forma a mostrar uma tendência de fundo mais consistente do que a indicada pelas próprias sondagens com metodologias, margens de erro e amostras diferentes.
Hoje este agregador ainda mostra uma distância entre PS e PSD superior a 14 pontos e indica que os dois partidos já tiveram, algures lá para trás, em muito melhores posições. Contudo, parece óbvio que o PSD (agora a subir!) está a inverter a tendência com mais intensidade do que a redução de que está a ser alvo o PS. Mas tudo se desenrola lentamente… ou seja, Rio pode estar até a ir melhor, mas pode já não ter tempo de atingir a meta.
O que levou à recuperação do PSD que era dado por derrotado tragicamente à partida? Valeu-lhe um Rio que cresce face às câmaras de TV e no meio dos “casos”, o claro falhanço da estratégica fuga de informação para contrariar Tancos numa tentativa amadora para envolver o PR e desse ponto de vista já não bastará regressar à batalha das contas certas, mesmo entre partidos, porque o tabuleiro da política já se impôs à mera economia. Centeno a bater em Sarmento é uma nova tentativa tardia e deslocada.
Resta saber se sem maioria absoluta o cenário que se segue será melhor ou pior do que o actual. Vale a pena aí pensar nos pequenos, ou até nos muito pequenos. E se apenas faltar um ou dois deputados? O que valerá a conquista do PAN ? Já repararam que Costa não beija apenas crianças e velhinhas, também distribui festinhas aos cães que estrategicamente se cruzam com eles em campanha!.
E o que poderá valer um Livre que finalmente possa levar Rui Tavares e os dissidentes bloquistas, cansados da sede de poder de Catarina Martins, à zona de influência do poder. Vale a pena passar os olhos pelo programa do partido e pelo que ele vai propondo em campanha. Ao contrário da impreparação de André Silva, do PAN, Rui Tavares é um ideólogo preparado.
Um líder estudantil culto que se destacou pelo pensamento próprio e a capacidade de mobilização e liderança, uma das personagens mais influentes do Bloco de Esquerda de onde saiu excluído pela rejeição típica dos que pensam fora da caixa a que o BE nos foi habituando.
Sobre Rui Tavares e o seu pensamento vai-se sabendo semanalmente quase tudo, mas sobre o Livre e o que ele pretende na politica sabe-se pouco, essencialmente que a papoila indicia que defende o comércio livre de drogas e pouco mais.
Mas o Livre é muito mais do que esse pequenino núcleo libertário que vai fazendo o seu caminho entre a simpatia crónica de que apreciam as suas ideias de cariz mais ou menos crítico e um conceito de liberdade muito próprio.
Apenas um exemplo: o Livre defende com unhas e dentes a escola pública (e bem!), mas depois quer fazer dela um reduto feroz do laicismo e mostra profundo desprezo pela escola privada. Note-se a última entrevista de uma das suas cabeças de lista ao Público.
Fica claro que a liberdade de escolha se restringe, para o Livre, à liberdade de consciência incompatível com a própria vivência cristã que implica e obriga à necessidade de anunciar a proposta de uma “mundividência própria” no espaço público. O Livre mostra que tem da liberdade religiosa uma visão antiquada e financista (não deve o Estado pagar a professores de religião e moral nem a cadeira ter estatuto curricular optativo). O Livre esquece que a liberdade só existe se for possível exercê-la e tem custos. A democracia também.
Queremos eliminá-las às duas (liberdade/democracia) com um discurso populista resumido à imposição de uma religião de Estado única e poupadinha? O Livre ainda não se libertou dessa cartilha.