Que efeito poderá ter o ataque terrorista da Flórida na campanha eleitoral para a Presidência dos Estados Unidos? Esta é a pergunta que pairou no domingo sobre todo o “establishment” político norte-americano, mas que, face à gravidade dos acontecimentos em Orlando, ninguém ousou exprimir.
A dimensão do ataque deixou o país em estado de choque e, por isso, a classe política evitou qualquer reacção que pudesse ser interpretada como aproveitamento partidário.
A classe política… mas não Donald Trump. O candidato do Partido Republicano à Casa Branca, exibindo a sua proverbial determinação em ser politicamente incorrecto, fez questão de destoar de toda a gente e aproveitar o ataque terrorista para se vangloriar das suas posições anti-muçulmanas e atacar o Presidente Obama e a sua rival Hillary Clinton.
Os membros da classe política que reagiram publicamente ao ataque limitaram-se a fazer declarações prudentes e contidas, focadas essencialmente na condenação do acto e na expressão de solidariedade com os familiares das vítimas.
Trump mostrou, mais uma vez, que não pertence nem quer pertencer à classe política. Vendo no ataque uma confirmação das suas teses, relembrou que quer proibir a imigração muçulmana para os Estados Unidos e que, pelo contrário, a política de Hillary significará a “vinda de mais centenas de milhares de migrantes do Médio Oriente”.
“Eu disse que isto ia acontecer e só vai piorar. E não temos forma de os escrutinar, de lhes pagar ou de prevenir que a segunda geração se radicalize”, declarou o multimilionário, tentando capitalizar a onda emocional gerada pelos50 mortos e 53 feridos provocados pelo ataque à discoteca de Orlando.
Para Trump, tudo se resumiu a mais uma acção do islamismo radical, expressão que não foi usada praticamente por ninguém no domingo dada a incerteza que ainda rodeava as investigações ao autor do ataque e às circunstâncias em que foi perpetrado.
O facto de o terrorista ser muçulmano e ter feito um telefonema para o 112 a jurar fidelidade ao Estado Islâmico (EI), bem como uma agência ligada ao EI ter reivindicado o atentado, não foram considerados pelo FBI, no domingo, dados suficientemente fiáveis para concluir que se estava perante um ataque daquele grupo terrorista.
Acresce que o pai de Omar Mateen disse que a acção do filho nada teria a ver com radicalismo religioso, mas sim com o facto de ter ficado chocado quando viu dois homens a beijarem-se na rua. A sua homofobia acentuada seria a motivação para o crime.
Mas isso pouco importou ao candidato republicano. Dado que o Presidente não utilizou a expressão na sua declaração ao país, Trump acha que ele deve abandonar o cargo. E Hillary Clinton também deve renunciar à candidatura a Presidente porque evitou usar a mesma expressão.
Obama falou de “acto de terror e ódio” e Hillary usou a mesma expressão do Presidente, após uma primeira reacção ainda mais prudente, focada apenas nas vítimas e familiares.
Republicanos evitam palavra “gay”
Mas se Trump detectou uma omissão que considerou importante nas declarações de Obama e de Hillary Clinton, não faltou quem notasse uma outra omissão sintomática nas reacções de quase todos os republicanos ao ataque terrorista. É que, salvo raras excepções, ninguém se referiu às vítimas como sendo “gays” ou membros da comunidade LGBT.
Paul Ryan, o “speaker” da Câmara de Representantes, os senadores Mitch McConnel, líder da bancada republicana no Senado, John McCain, Ron Johnson, Susan Collins, o congressista Daniel Webster, eleito pela região onde se situa a discoteca, omitiram nas suas reacções qualquer referência ao facto de as vítimas serem “gays”.
Jimmy LaSalvia, um antigo estratega republicano, que fundou um grupo denominado GOProud (uma associação de GOP, outra designação do Partido Republicano, o Grand Old Party, e a expressão usada pela comunidade “gay” como afirmação de orgulho, Proud) anotou tal omissão e disse que ela lhe relembrou as razões por que tinha abandonado o partido.
Citado pelo “Washington Post”, LaSalvia diz que “eles ignoram e rejeitam a realidade LGBT que é parte da vida da América hoje”.
As excepções a esta regra foi o próprio Trump, cuja declaração fazia referência aos “gays” como alvos dos islâmicos, o senador Mark Kirk, que na semana passada retirou o apoio à candidatura de Trump, e os senadores Marco Rubio e Ted Cruz, recentemente derrotados nas primárias do partido.
Cruz aproveitou, contudo, para atacar os democratas, dizendo que eles se arvoram em campeões da luta da comunidade LGBT, mas pouco fazem contra o islão radical que tenta matar “gays” e lésbicas.
Todos os democratas que divulgaram mensagens fizeram referência à orientação sexual das vítimas.
Por ora, o massacre já interferiu na campanha eleitoral. Hillary Clinton suspendeu a visita que tinha previsto fazer com Obama ao Wisconsin, na quarta-feira, naquela que seria a primeira aparição do presidente ao seu lado nesta corrida à Casa Branca.
E Trump anunciou que proferirá um discurso nesta segunda-feira focado na questão do terrorismo islâmico. Nele irá certamente reafirmar a sua determinação em proibir a imigração de muçulmanos para a América se for eleito Presidente.
Omar Mateen assassinou pelo menos 50 pessoas na discoteca “gay” de Orlando, no domingo. Nasceu em Nova Iorque, filho de uma família afegã.