"Se Le Pen vencer não será muito agradável ser imigrante em França"
22-04-2017 - 12:40
 • Pedro Rios , Teresa Abecasis , em França

Nonna Mayer é uma das maiores especialistas na Frente Nacional. Em entrevista, a socióloga diz que Marine Le Pen procura centrar o discurso no islão e na imigração quando “o primeiro problema é económico e social”.

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Recebe-nos no seu gabinete no Centro de Estudos Europeus da Universidade Sciences Po, em Parism um cubículo demasiado pequeno para tantos livros sobre extrema-direita, eleições, raça e imigração. Um separador reúne apenas escritos sobre os Le Pen e a Frente Nacional. Nonna Mayer é uma das maiores autoridades na matéria.

A popularidade de Marine Le Pen entre algumas comunidades imigrantes, como a portuguesa, não surpreende a socióloga e politóloga. Diz que a força da Frente Nacional está, em grande media, na capacidade de chegar a eleitorados teoricamente hostis. A França vai a eleições este domingo.

Estuda a extrema-direita, nomeadamente a Frente Nacional, há muito tempo. Por que razão ficou tão interessada neste partido?

Em meados dos anos 80, estava a terminar o meu doutoramento e era o início da ascensão eleitoral da Frente Nacional. O meu doutoramento era sobre pequenos donos de lojas e as suas reacções à mudança. Estavam a lutar contra os supermercados, que tinham medo de desaparecer. Na altura, acreditava-se que eles eram o votante tipo da Frente Nacional. Havia a ideia que a pequena burguesia era fascista. Isto foi no início do crescimento da Frente Nacional.

Interessei-me pela Frente Nacional porque estava a trabalhar com estes pequenos empresários. Nas eleições europeias de 1984, as primeiras em que a Frente Nacional consegue um forte apoio (mais de 10% dos votos válidos), [a maioria dos] os votantes não eram os pequenos donos de lojas, eram os donos de grandes lojas. Foi um voto burguês porque os socialistas e os comunistas estavam juntos no poder (tinham vencido em 1981) e à direita havia o medo daquilo a que eles chamavam de “socialismo-comunismo”. E muitos eleitores conservadores escolheram votar pela Frente Nacional porque o seu próprio candidato, Simone Veil, aparecia como demasiado moderada.

Nas eleições legislativas de 1986, o voto na Frente Nacional mudou da burguesia para a classe trabalhadora. Com Pascal Perrineau, fiz o primeiro estudo académico sobre a Frente Nacional, em 1989.

Por que razão manteve o interesse na Frente Nacional?

Sou especialista em sociologia eleitoral. Não trabalhei apenas sobre a Frente Nacional, claro. Os partidos na Europa têm origem em clivagens muito antigas, com dois séculos de existência. Primeiro, a religião e a classe; e, também, o centro/periferia. E estes novos partidos encaixam-se num novo tipo de clivagens, atravessam estas linhas. Isso foi interessante para mim, não só por ser a Frente Nacional, mas porque todo o cenário eleitoral estava a mudar em França por causa destes partidos. A Frente Nacional conseguiu atrair inimigos de classe: donos de pequenas lojas e operários. E em vez de agrupar os católicos praticantes, como o “mainstream” da direita, ou os ateus ou os não praticantes, à esquerda, este partido conseguiu o seu melhor resultado no meio-termo, com católicos que não vão à igreja. E por isso isto chamou-me a atenção.

Agora, estou a trabalhar em algo muito diferente, mas que me levou de volta à Frente Nacional. Estou a trabalhar com a Céline Braconnier no impacto da precariedade social. Não é só o ser pobre, não é apenas uma questão de dinheiro; é o facto de estar isolado, de não saber se vamos ter o suficiente para comer ou ter uma casa amanhã. Fizemos um inquérito e entrevistas aprofundadas a pessoas que estão a sobreviver graças aos benefícios sociais. Descobri que muitas destas pessoas vêem a Marine Le Pen como alguém interessante. Alguns deles são de origem imigrante e dizem: “Se calhar temos demasiados imigrantes". Muitos disseram: "Sou de origem imigrante, mas na minha família trabalhámos muito para nos integrarmos e os novos imigrantes não". Verificámos também uma clivagem entre gerações, pessoas que vieram do Norte de África que disseram: "Trabalhámos como loucos quando viemos para França e olhe para os jovens, já não fazem isso". Marine Le Pen consegue atrair pessoas que à primeira vista iria parecer pouco provável que a apoiassem.

Os precários que estudámos estavam mais inclinados a votar na esquerda em 2012. Mas alguns disseram: "Ao menos quando Marine Le Pen fala, nós percebemos. Ela diz as coisas muito claramente. E é menos burguesa do que os outros candidatos."

A Frente Nacional está a aproveitar-se da falta de respostas da direita e esquerda tradicionais? Para muitos, a esquerda já não é a resposta para os problemas laborais e talvez a direita não seja suficiente para dar segurança aos seus eleitores tradicionais.

O problema é que hoje, por toda a Europa, temos este tipo de partidos. São muito diferentes, não têm a mesma história que a Frente Nacional, mas há extremas-direitas que são populistas, nativistas, proteccionistas, eurocépticas. Estão por todo o lado. Crescem porque, dizem elas, protegem os perdedores da globalização. É o medo da globalização e, na Europa, o medo da integração da União Europeia (UE). Quando entrevistámos pessoas que votam na Frente Nacional, elas dizem-nos que a UE é uma porta aberta para mais imigração. Isso não quer dizer que este é o problema, mas é enquadrado como um problema pela Frente Nacional.

Para a Frente Nacional, a globalização é uma ameaça tripla: económica (deixa entrar pessoas que ficam com os nossos empregos); cultural (eles [os imigrantes] não respeitam os nossos valores, são uma ameaça à identidade nacional); e política (a UE e a globalização estão a diminuir a soberania dos estados nacionais). Quando dizemos a palavra "imigrante", trazemos isto tudo.

Agora que o muro caiu, o comunismo perdeu importância, há um novo inimigo para a Frente Nacional. Sempre foram os imigrantes, desde 1978, mas agora é o islão. Marine Le Pen não diz "islão", diz que está contra o fundamentalismo islâmico, mudou de forma muito inteligente o discurso. Diz: "Nós somos os campeões da democracia, estamos a defender a democracia contra a ameaça do fundamentalismo islâmico". Ela coloca-se como uma guerreira contra o fundamentalismo islâmico, visto como uma ameaça aos direitos das mulheres, dos homossexuais, dos judeus. Diz que a Frente Nacional é a campeã da secularização, um velho princípio da república francesa.

Torna a plataforma dela, que é, desde sempre e antes de tudo, como nos tempos do pai, anti-imigração, mais aceitável face aos valores da democracia.

Estamos perante apenas uma mudança no discurso das elites da Frente Nacional, mas o coração do partido é o mesmo?

Jean-Marie Le Pen já tinha tentado treinar os membros do partido para não dizerem publicamente insultos contra os imigrantes, processou pessoas que disseram que o partido é de extrema-direita, dizia que não eram racistas nem xenófobos. Mas ela foi mais longe com a estratégia de desdiabolização. Mas tem razão: se olhar para os eleitores e para os simpatizantes do partido, são mais anti-imigrantes e anti-islâmicos do que todos os outros eleitores. Fazemos muitos estudos sobre racismo e anti-semitismo, eles são sempre mais intolerantes do que todos os outros eleitores.

Na cidade e nos arredores de Paris, a Renascença encontrou muitos portugueses que simpatizam com Marine Le Pen. São imigrantes que apoiam restrições e medidas duras contra outros imigrantes. Dizem que não serão afectados porque, ao contrário dos “outros” imigrantes, não se aproveitam do sistema, nomeadamente dos benefícios sociais.

A ideia de que os benefícios sociais vão para pessoas que não os merecem – os pobres indignos e os imigrantes indignos – é uma história muito clássica, não é específica da França. Algumas pessoas dizem: ‘Como é que se pode ser imigrante e votar num partido anti-imigrantes?’ Ora, isso depende: uma pessoa pode ser imigrante, vítima de racismo e xenofobia, e ter os seus próprios bodes expiatórios, ter a sensação de que há outros imigrantes que não se comportam como deve ser. Não é assim tão ilógico votar na Marine Le Pen. Veja-se o caso de Jean-Marie Le Pen, famoso pelos seus comentários anti-semitas: mesmo assim, os inquéritos dizem que cerca de 13% das pessoas que se consideram judias votaram na Marine Le Pen em 2012.

Na altura em que votamos, o que conta é o assunto que é naquela altura é mais importante para o eleitor e estes eleitores estavam com medo da ameaça do fundamentalismo islâmico. Por isso, decidiram que a melhor escolha era Marine Le Pen – pelo menos, ela vai trazer de volta a ordem.

É possível desmontar o discurso que diz que há um número insustentável de aproveitadores, sobretudo imigrantes, do sistema de segurança social?

Na política, nem sempre é suficiente apelar à razão. A política envolve paixão, emoções, medos. Por isso, não é suficiente desmontar e mostrar por A+B que os imigrantes trazem ao país tanto quanto custam ou provavelmente até mais. Não. Na política, o que precisa de fazer, é ter uma mensagem positiva, que atraia as pessoas. Não basta criticar a Frente Nacional, não basta dizer que eles estão errados.

Temos a sensação, hoje em dia, de que o único candidato político que tem uma mensagem clara e fácil de entender é Marine Le Pen. Têm um partido, um candidato, uma mensagem, um meio. Ela diz: "Fechem as fronteiras, parem com a imigração e a França vai voltar ao que foi antes". Não temos uma mensagem tão clara nem à direita nem à esquerda. A esquerda e a direita estão fragmentadas e a força da Marine Le Pen é a fraqueza dos seus opositores. Não basta voltar a dizer que o que ela diz é mentira. Não, é preciso propor algo que entusiasme, traga esperança e fé aos vossos próprios eleitores.

Como explica a performance de Le Pen nas sondagens?

Primeiro, você tem o contexto ideal: os refugiados a chegar, dois anos com uma série de ataques terroristas, o arrastar da recessão e do desemprego. Isso é óptimo para o partido de Le Pen. Ela diz: "A classe política não tem poder, não resolveu o problema do desemprego, deixa as fronteiras abertas, o que significa mais imigrantes e entre estes imigrantes – ela já o disse uma vez – haverá quantos Mohammed Merah [autor de um ataque terrorista em 2012]”? Ela sabe muito bem como enquadrar a situação e como aproveitar-se do medo dos eleitores e da falta de capacidade da classe política actual.

Estamos também num contexto em que nunca foi tão alta a rejeição da classe política. Tudo isto é bom para Marine Le Pen, que diz que é do partido anti-sistema. A esquerda está dividida, assim como a direita.

Entre os portugueses que a Renascença entrevistou em Paris é recorrente a ideia de que a integração de imigrantes de outras comunidades, nomeadamente africanas e magrebinas, falhou. No discurso das pessoas surgem os problemas de violência nos subúrbios de Paris, onde vivem muitos esses imigrantes.

Há tantas maneiras de ser imigrante. Estão a focar-se nos subúrbios. Isso é uma pequena parte da população imigrante em França. Aqui na Sciences Po muitos dos nossos estudantes são de ascendência imigrante. Há pessoas de classe média que são imigrantes. O truque de Marine Le Pen é o de se centrar exclusivamente nestes subúrbios. Não se pode extrapolar para França e para todos os outros imigrantes. É isso que Marine Le Pen faz.

Mas há problemas nos subúrbios.

Em alguns subúrbios, noutros não existem de todo.

O problema não está na assimilação dos valores franceses, como diz Marine?

O problema não está na assimilação, mas em dar os meios. Muitas vezes, mesmo quando os habitantes desses subúrbios têm um curso superior, por causa dos seus nomes e por causa dos bairros sociais onde vivem, os empregadores não os aceitam. Há muitas provas de que há discriminação. Para um empregador, não é a mesma coisa se o teu nome é Mohammed, Frederic Dupont ou Mohammed Ben Ali. Há problemas, mas o essencial é não centrar o discurso na religião e na imigração, mas no que podemos fazer para os ajudar a sair da miséria. Estes subúrbios subvalorizados não são habitados apenas por imigrantes e filhos de imigrantes. O primeiro problema é económico e social.

É preciso quebrar este ciclo de exclusão e pobreza?

Sim, não só quebrar o ciclo de exclusão, mas parar de centrar a discussão no islão porque esse não é sempre o primeiro problema. Mas estamos numa situação em que é difícil atingir objectivos económicos e é mais fácil centrar o debate político em questões de identidade.

O que aconteceria aos imigrantes se Le Pen fosse eleita?

Iria mudar a Constituição para introduzir a "preferência nacional", que ela chama de "prioridade nacional". Manter os empregos, as casas, os benefícios sociais para os franceses. Iria renegociar a soberania de França na União Europeia e, se eles não aceitassem, propor um referendo para sair da União Europeia, iria regressar ao franco. E há muitas medidas de diminuição dos direitos dos estrangeiros. A inspiração do programa é "França primeiro". E ela não incluiu neste programa a restituição da pena de morte, mas sugeriu que isso pode ser referendado se cinco mil pessoas o pedirem, o que é muito pouco. Não seria muito agradável ser um imigrante ou um estrangeiro em França. A dupla nacionalidade seria proibida. Haveria uma total exclusão de qualquer símbolo religioso no espaço público. Eu não gostaria muito, vai contra os princípios fundamentais da república francesa: igualdade perante a lei, fraternidade e liberdade, claro.

Le Pen pode vencer as eleições e tornar-se Presidente?

Há duas razões segundo as quais será difícil Marine Le Pen ganhar: o partido ainda é visto como um perigo para a democracia por 56% dos franceses e apenas 28% dos franceses consideram que ela tem capacidade para ser Presidente da República.

Mas em política nunca se sabe. Agora, pela primeira vez, há pessoas que acreditam que ela pode tornar-se Presidente à segunda volta. E isso vai mobilizar os seus apoiantes – mas também os opositores.