“Anda para aí um mercado religioso que não percebe Fátima”
13-06-2017 - 12:17
 • Henrique Cunha

Um mês depois da visita do Papa Francisco a Fátima, o teólogo José Carlos Carvalho faz um balanço do que ficou.

Há um mês o Papa Francisco estava em Portugal para presidir ao início do centenário das aparições de Fátima. Para José Carlos Carvalho, professor da Faculdade de Teologia Universidade Católica do Porto, a linguagem simples e acessível de Francisco tem como objectivo apelar à mudança e lembrar a importância da cultura do encontro com um Deus misericordioso.

Um mês passado sobre a visita de Francisco, que mensagem ficou?

Todos obtiveram algumas frases fortes do Papa, sobretudo duas. Aquela “nós temos mãe”, que é muito típica do Papa Francisco, da sua maneira muito incisiva, com a sua experiência de pastor, de encontrar uma linguagem muito próxima. E depois aquele desafio à Igreja, a espelhar a misericórdia que encontramos na mensagem de Fátima e na expressão que ele utilizou, muito feliz, de ser pobre de meios, mas rico de ternura, acolhimento e compaixão.

Que aula sobre Maria deixou Francisco, que imagem quis ele deixar de Maria? Uma Senhora muito próxima dos homens, que os encaminha para o seu filho?

Sim, eu penso que foi essa a imagem e tentou também corrigir alguma piedade popular, [pedindo] para que não reduzamos Maria a um ídolo. E olha para Maria, não apenas aquela que muitas vezes é endeusada e que é colocada no céu afastada, mas exactamente o inverso, aquela que é intercessora, que é mãe e que, por ser mãe, acompanha os seus filhos e filhas no meio do mundo e no meio da história. Penso que foi essa a imagem. E ele como peregrino veio colocar-se também nessa relação.

Disse que também insistiu na ideia da misericórdia de Deus. Mesmo na sua homilia do dia 13 ele insistiu nesta tecla.

Sim, mas também não deixou de referir que a misericórdia de Deus, para não correr o risco de ser uma misericórdia barata, não é só meramente uma oferta sem consequências. Porque anda para aí um mercado religioso que não percebe Fátima e que não compreende que, em Fátima, aquele manto de luz, outra expressão feliz do Papa, é um manto que nos espelha e que nos confronta. Por isso, ele não deixou de recordar que se Deus é misericordioso é porque precisamos de misericórdia.

Na semana passada, o Papa agradeceu a forma como a Igreja portuguesa está a viver o centenário das aparições e manifestou-se comovido com a solidez da fé dos portugueses. Provavelmente, um mês é pouco tempo para se poder fazer um balanço da forma como a Igreja portuguesa está a acolher a mensagem que o Papa trouxe em Maio.

Sim, é muito difícil fazer o balanço destes acontecimentos, destas experiências. Penso que cada um é que acabará por fazer o seu percurso. Claro que fica a memória de quem está mais perto do Santuário, quem vive mais perto a mensagem de Fátima, não [pode] deixar de recordar estas frases fortes, mas as consequências de uma visita destas não são materializáveis. Aquilo que é importante na vida não se mede, como dizia o António Vargote.

O Papa esteve em Fátima como peregrino. Que imagem quis Francisco deixar do que é ser peregrino no dia de hoje?

É fazer um percurso primeiro interior. A peregrinação espiritual é um caminho interior, não é um turismo religioso. Não veio cá como chefe da Igreja, veio como um irmão e foi muito bonito: pela primeira vez, vi um Papa com o lenço a despedir-se da Mãe, como toda a gente. E é muito o estilo de um Papa que durante toda a vida foi pastor e que veio partilhar a experiência de qualquer baptizado, qualquer cristão, de que a peregrinação é uma peregrinação interior. É uma luta connosco mesmos e é um percurso de ensimesmamento com o amor de Deus. Irmos ao encontro do amor de Deus. Para isso, precisamos de lugares, precisamos de tempos, precisamos destas experiências, de fazermos essa experiência em comum com milhares e milhares de peregrinos, de sabermos que não estamos isolados neste processo, que a peregrinação espiritual não é apenas uma relação intimista – individualista como agora é moda na cultura contemporânea, muito marcada pelo “self” – e que, por causa disso, depois se esquece do mundo e dos irmãos.