No conceito mais vulgar de liberdade não é fácil entender que haja quem queira ser religiosa contemplativa num mosteiro de clausura, mas foi esta a escolha de Sor Madalena da Divina Misericórdia, de 36 anos. Cantava jazz em bares, foi educadora infantil e viajou pelos EUA e pelo Brasil, mas há 10 anos sentiu-se interpelada a seguir uma vida de oração e reclusão. Hoje é uma das Monjas Concepcionistas da Imaculada Conceição, em Campo Maior. Foi a partir de lá que nos contou que apesar das grades que a separam do exterior, não se sente presa.
“Eu sinto-me completamente livre. Nunca me senti tão livre como dentro do convento”, garante, contando que apesar de viverem em clausura não estão alheadas do que se passa no mundo, mas nem tudo lhes interessa saber. “Há muitas futilidades nas notícias sobre política, ou sobre a guerra que está a acontecer agora - que é importante, e rezamos por tudo isso, mas há pormenores e coisas que são poeiras que só nos distraem. É uma perda de tempo, no fundo, e não precisamos disso”.
Diz que se preocupam com “a falta de Deus” no mundo de hoje. “As pessoas vivem muito centradas em si próprias, na ‘minha felicidade’, e Deus não existe. O que é muita pena, porque há tantos problemas na sociedade que se resolveriam se o homem tivesse o seu Coração em Deus”.
“Vivemos neste engano de dizer: a liberdade é fazer o que eu quiser fazer com a minha vida, e não é. Andamos de engano em engano, à procura de coisas que nos satisfaçam e nos façam felizes”.
E é de felicidade que quer falar aos outros jovens. “Que não pensem que é preciso ser um herói ou uma pessoa muito Santa para escolher a vida consagrada, porque Deus é que vai à frente e nos abre os caminhos, e eu própria experimentei isso! Que possam ter certeza que na vida consagrada, se é muito feliz!”.
O testemunho da religiosa contemplativa foi a “provocação” que abriu o debate. “É uma noção de liberdade estranha aos ouvidos modernos, mas esta ideia de que a liberdade não é só ter espaço, mas é ter espaço para coisas boas, é uma noção muito útil, ainda que surpreendente”, começa por comentar José Maria Cortes, de 25 anos, advogado e membro da SALL - Associação de Defesa da Liberdade.
Gonçalo Cordeiro, de 30 anos, do Conselho Nacional do partido Iniciativa Liberal (IL), admite que a vida religiosa em clausura choca com o seu conceito de liberdade, mas não deixa de ser uma “escolha livre”.
Para Joana Beleza, jornalista, a falta de liberdade da irmã “é só aparente”, porque existe no país “liberdade religiosa, que está intimamente ligada à liberdade de pensamento”, e as duas interligam-se à liberdade de imprensa, sobre a qual foi convidada a falar. Do que ouviu só não concorda com as “futilidades” das notícias, por dar uma ideia errada do jornalismo, que é um pilar da democracia.
As ameaças à liberdade
José Maria Cortes, advogado, é assistente convidado da Faculdade de Direito de Lisboa e membro da SALL - Associação de Defesa da Liberdade, que assegura apoio jurídico a casos particulares, ou ações coletivas, em que estejam em causa as liberdades de educação, de expressão ou a liberdade religiosa.
Mas, há assim tantos direitos ameaçados, que justifiquem a existência deste organismo? “Infelizmente há. Talvez passem entre os pingos da chuva, mas tanto os há, que nós estamos muitos ocupados”, assegura, explicando que têm sido os casos relacionados com a disciplina de Educação para a Cidadania que mais os tem ocupado.
“O nosso trabalho tem incidido essencialmente nos atentados à liberdade de educação, ou seja, aquelas situações nas quais as escolas, por mandato estatal, estão a impôr conteúdos ideológicos aos alunos, e os pais, apercebendo-se disso, pedem ajuda”. Está em causa, explica, a chamada “ideologia do género”.
Reconhece que muitas vezes “estas preocupações são recebidas com alguma ironia e incredulidade”, como se fossem “delírios” ou “coisas inventadas”, mas garante que estão a acontecer, que há crianças de três anos a quem os professores ensinam “que os rapazes que devem vestir roupa de menina e as meninas roupa de rapaz, que homens que se identificam como mulheres podem usar casas de banho de mulheres. Se há 20 anos perguntássemos se isto seria possível, toda a gente se ia rir de nós”.
“Eu acho que a liberdade não é só autonomia. A autonomia é uma parte da liberdade, mas é uma parte incompleta da liberdade. E não acho que o Estado deva impôr uma determinada ideia das coisas às pessoas”, sublinha José Maria Cortes, que considera imperativo reagir.
“Impor a ideia de que ser homem e ser mulher são construções sociais e que o bebé dentro da barriga da mãe é um conjunto de células, inútil e inerte, tudo começa por aí”, mas receia que rapidamente o Estado comece “a exigir, como já faz agora nas escolas, que na Igreja as pessoas concordem necessariamente com esta ideologia”. Por isso alerta: “se não tivermos uma reação muito forte e indignada perante este cerco que aperta, a liberdade religiosa vai ser muito posta em causa”.
Liberdade ou libertinagem?
Gonçalo Cordeiro, de 30 anos, é formado em economia, e integra o Conselho Nacional do Iniciativa Liberal (IL) , o partido que faz das liberdades bandeira: liberdade individual, económica, social e política. “A liberdade tem diferentes conotações consoante a ótica, a que me cabe a mim responder aqui, neste cenário, é a política”, ou seja, “estar livre do controlo das restrições opressivas do Estado”.
Mas, para a IL, a liberdade mais urgente e prioritária é a liberdade económica. “ Vamos imaginar que estamos numa situação de pobreza iminente. A única maneira que uma pessoa tem de enriquecer, não acedendo a heranças ou não ganhando o Euromilhões, é através do seu trabalho”, mas “se punimos fiscalmente os rendimentos do trabalho, estamos a condenar as pessoas a uma pobreza eterna, de que nunca conseguem sair”.
“Ninguém consegue viver em Lisboa com o salário mínimo”, exemplifica, lembrando que para uma boa fatia dos jovens, emigrar está a ser inevitável.
Gonçalo lamenta a presença “avassaladora” do Estado em muitos setores, quando só devia ter o “monopólio” em três áreas: segurança, defesa e justiça, onde “a interferência de terceiros seria negativa”. E devia articular-se com o setor privado e social na saúde e educação, que são as “funções basilares do Estado”.
“Do resto, o Estado tem de sair” e deixar de desbaratar recursos. Diz que “o exemplo mais óbvio é a TAP”, lamentando as consequências que o caso está a ter na descredibilização da política. “Há uma grande confusão entre liberdade política e libertinagem política, pelo menos. A maioria é absoluta, mas a liberdade de atuação do governo não pode ser absoluta”.
“Os políticos têm feito um péssimo serviço à sociedade”
Joana Beleza é antiga jornalista da Renascença, “um órgão de comunicação social onde a liberdade foi sempre, e é ainda hoje, o maior valor”, começa por dizer. Atual diretora Multimédia do Grupo Impresa e do jornal Expresso, falou da importância do Jornalismo.
“É muito comum no discurso mediático falar mal do jornalismo, dos jornalistas, das notícias. O próprio primeiro-ministro faz isso constantemente. Sendo ele filho de uma jornalista e de um pai que esteve preso em tempos de ditadura, é curioso como usa tantas vezes essa desculpa fácil e que cola com o discurso populista e superficial, que é muito perigoso”.
“Quando o país se prepara para celebrar os 50 anos da democracia em Portugal, seria bom lutar pela literacia mediática nas escolas”, porque “é urgente que os miúdos mais novos comecem a dar valor à informação, e à informação paga”, porque é “um bem essencial”.
Admite que “a liberdade é um conceito muito complexo, exige responsabilidade de todas as partes da sociedade e implica deveres. E, na minha opinião, o jornalismo corre sérios riscos hoje, porque a liberdade corre sérios riscos também”.
“O jornalismo tem de ser sempre independente de todos os interesses, do Estado ou económicos”, mas para ser sustentável “precisa das pessoas, do cidadão, e precisa de administrações que saibam o que significa o jornalismo. Porque há muitas administrações de órgãos de comunicação social que só pensam em números, e pouco no serviço que fazemos para a sociedade”.
Sobre os políticos, e a forma como exercem a liberdade, diz que “têm feito um péssimo serviço à sociedade quando não assumem as suas falhas imediatamente, quando não contribuem para uma crítica construtiva, quando não trabalham para que as instituições sejam mais transparentes. Muitas vezes parece que não passamos da espuma dos dias e da superficialidade das questões, porque, na verdade, ninguém quer ser muito responsável. É como um grande parque infantil”.
Não esconde, ainda, a preocupação com a inteligência artificial. “Só leio sobre isso há vários meses”, conta. Não tem dúvidas de que vamos adaptar-nos e “sobreviver”, mas “a inteligência artificial tem de ser controlada. Os Estados vão ter que acelerar também na legislação. Os Estados são muito lentos a reagir à tecnologia”.
A primazia da “liberdade individual” na morte medicamente assistida, e os atentados à liberdade criativa – com referência ao “revisionismo histórico” e aos episódios de censura literária em relação a alguns autores, como Enid Blyton - foram também abordados no debate.
O que perguntariam ao Papa?
Como em todos os episódios do ‘Somar Ideias’, a fechar, foi perguntado aos jovens: se tivessem oportunidade, que pergunta fariam ao Papa Francisco?
Gonçalo Cordeiro gostava de saber “de que liberdades é que o Papa prescindiu? E de quais sente mais falta?”.
Joana Beleza perguntaria “se sofre de insónias”, e “o que é que lhe ocorre quando está a dormir?”. “Tenho uma grande curiosidade pelo inconsciente dele, um homem que está num lugar tão difícil, e gostava que me falasse das noites dele”, explica.
Para José Maria Cortes seria importante saber “como é que podemos trazer a Boa Nova da Salvação a um mundo que acha que não precisa de ser salvo?”.
“Mesmo para quem não tem fé, talvez isto possa fazer sentido”, explica. É que na sua perspetiva, perdeu-se “a noção de pecado”. A diferença entre bem e mal “desapareceu da cabeça das pessoas”, abrindo portas a “muitos atentados à liberdade”.
”Se eu não tenho um fundamento teológico que me revele o que é bom ou mau, posso mobilizar - às vezes até o Estado - para calar quem ameaça a minha maneira de ver as coisas. Por isso, outra maneira de fazer a pergunta seria: ‘como é que podemos falar de contrição ao mundo, que só conhece a aceitação?’ “.