“Uma mãe abandonar um filho em qualquer circunstância é mau. Numa pessoa sem abrigo, creio que há atenuantes. Digo ‘abandonar’ porque creio que esta mãe não quis matar o seu filho, se não poderia tê-lo feito”, diz à Renascença frei Filipe Rodrigues, a propósito do caso que está a chocar o país.
Para o presidente da “Associação João 13”, que apoia sem abrigo e pessoas carenciadas em Lisboa, a prioridade não deve ser condenar, mas sim ajudar. “Se a gente olhar para a vida desta rapariga, há quase um ano na rua, não sabemos de família, de nada. Sabemos que está na rua, que engravidou, talvez na rua, porque este mundo é muito complicado. Agora as notícias dizem que também estava ligada à prostituição, mas não é uma prostituição qualificada, é uma prostituição de sobrevivência. Portanto, estamos aqui a falar de uma rapariga de 22 anos, totalmente desenquadrada da realidade, posta na rua –
porque não está na rua desde sempre –, não sabemos o porquê. Sabemos o desespero de uma mãe que não tem capacidade para criar o seu filho. Podemos perguntar: ‘mas não podia entregá-lo?’. É verdade. Mas só Deus sabe o desespero destas pessoas”, afirma.
Para o responsável este caso prova que ainda “há muita miséria humana”, e que “há situações verdadeiramente tristes e miseráveis nas ruas de Lisboa”. E dá um exemplo: “há uns meses houve uma pessoa sem-abrigo que ia ao nosso centro e que foi espancada. Morreu, foi sepultado, e ninguém sabe, não se fez nada, não se averiguou nada. Portanto, um sem abrigo é um sem nome, é um 'não conta', e isto é triste, porque estamos a falar de seres humanos”.
“A sociedade tem de perceber um bocadinho melhor como enquadrar estas pessoas a partir do momento em que são referenciadas”, afirma, defendendo que “devia ser de iniciativa das próprias instituições fazer um exame médico, ver se está tudo bem, se está tudo em condições. Nós na ‘João 13’ já promovemos, até em vários casais, testes de HIV, testes de gravidez. É preciso que da parte das instituições haja essa oferta e esse encorajamento”.
Em relação a esta jovem, que está detida em Tires, admite que tenha havido falhas na identificação da situação por parte de várias instituições, mas lembra que nem sempre é fácil saber a vida real destas pessoas e as necessidades que têm, “porque mentem ou porque omitem. Se aparece uma rapariga franzina, que não terá uma barriga muito exuberante de gravidez, sempre com um casaco, não mostra nada, não se sabe se está ou não grávida”.
Contudo, considera “exagerado neste momento” dizer que é uma homicida. “O que ela fez foi muito mau. Não o devia ter feito? Não. Mas tem de haver uma avaliação, uma grande compreensão, tem de haver muita humanidade. A justiça não se faz pelas mãos do povo, a justiça faz-se avaliando, não segundo o que eu acho, mas aquilo que é a verdade da situação”.
Segundo avança à Renascença, a ‘Associação João 13’ “irá ao encontro desta rapariga. Aliás, já começámos alguns mecanismos de aproximação. Porque é uma pessoa sem-abrigo, daquela zona de Santa Apolónia, e nós moralmente achamos que devemos ir saber como está e do que precisa. Não tem roupa, não tem família, não sabemos o tratamento que está a ter lá (em Tires), não por parte da instituição, mas por parte das companheiras de reclusão, portanto, é uma rapariga que precisa muito da nossa ajuda”.
“Entre os voluntários da associação já várias pessoas mostraram solidariedade e me ligaram a dizer 'frei, temos de fazer alguma coisa por esta rapariga'”, refere frei Filipe, lembrando que “é preciso não esquecer, para nós cristãos, aquela frase sempre bonita e célebre de Santo Agostinho: 'condene-se o pecado, ame-se o pecador'. O que ela fez foi uma coisa muito má, não devia ter feito, mas continua a ser uma rapariga que precisa de alguém que a ouça, que a compreenda, que a aceite e que cuide dela, porque senão vamos ter aqui uma vida desgraçada de um filho e de uma mãe”.