A coordenadora do Bloco de Esquerda manifesta-se disponível para "correções" ao projeto-lei sobre despenalização da morte medicamente assistida com vista a "consensos alargados" no parlamento, considerando que "é indigno" um país que negue essa opção aos cidadãos.
"É tão digno o fim de vida de quem decide suportar todo o sofrimento, como é digno o desejo de antecipar a morte para parar esse sofrimento que se considera inútil e irremediável. O que é indigno é um país que negue essa opção a quem quiser controlar o seu fim de vida", defendeu Catarina Martins, no encerramento de uma conferência organizada pelo BE sobre a despenalização da morte assistida.
A coordenadora do BE fez questão de salientar que o projeto do BE sobre esta matéria - hoje apresentado e que será entregue nos próximos dias no parlamento - visa "despenalizar e regulamentar a morte medicamente assistida", permitindo que os profissionais de saúde que participem nesse processo a pedido dos doentes deixem de poder ser sujeitos a uma pena de prisão até três anos.
"O projeto de lei do BE vai entrar agora no parlamento, vai seguir o seu rumo de debate e é bom que possamos debater cada aponto afincadamente, com mais propostas se existirem e corrigindo, chegando a consensos que sejam alargados sobre todos estes pontos, mas sem fantasmas, sem confundir o que não deve ser confundido", defendeu.
Às críticas de que o diploma pode conter algum excesso de burocracia, Catarina Martins considerou este "um defeito que é a qualidade" necessária neste momento.
"O que estamos a fase é nem mais nem menos do que despenalizar e regular a morte medicamente assistida quando ela é pedida reiteradamente por alguém que tem uma doença incurável e está a reportar um sofrimento intolerável", balizou, defendendo que "os dramas privados" dos cidadãos também exigem respostas políticas.
Catarina Martins lembrou que este processo começou há dois anos, com a apresentação de um manifesto, e que, desde então, o tema foi debatido "de forma muito intensa no país".
"Não há quase ninguém neste país que não compreenda o que é o drama de alguém, que perante uma doença incurável que levará à morte com um sofrimento terrível, peça ajuda para que esse sofrimento acabe e essa ajuda lhe seja negada", afirmou, considerando que "o país se humaniza" ao permitir essa opção.
Antes, o deputado José Manuel Pureza e um dos autores do projeto-lei tinha classificado o diploma do Bloco como "sensato, equilibrado e rigoroso".
"Responde ao extremismo e intolerância de quem usa o medo como argumento. Estamos muito convencidos que vai encontrar um eco muito positivo nos deputados e deputadas da Assembleia da República, faremos tudo para continuar a abrir o espaço de tolerância", assegurou.
Pureza deixou ainda um elogio ao antigo coordenador do BE João Semedo, outro dos promotores da iniciativa, e que discursou na abertura do colóquio.
"Fez milhares de quilómetros, juntou gente, foi jurista, foi médico, foi psicólogo, foi sempre ativista sem nunca se poupar a nenhum esforço", sublinhou.
No seu projeto-lei, hoje apresentado, o BE permite as duas formas de morte assistida - a eutanásia e o suicídio assistido - e a condição essencial é que "o pedido de antecipação da morte deverá corresponder a uma vontade livre, séria e esclarecida de pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e em sofrimento duradouro e insuportável".
O diploma admite a morte assistida em estabelecimentos de saúde oficiais e em casa do doente, desde que cumpra todos os requisitos e garanta a objeção de consciência para médicos e enfermeiros.
O processo, pelo projeto do BE, prevê vários pareceres de médicos (pelo menos três, incluindo um especialista na área da doença e um psiquiatra) e o doente tem de confirmar várias vezes a sua vontade para pedir a antecipação da morte.
"Para a verificação do cumprimento" do diploma legal, é proposta uma Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte, composta por nove "personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas áreas de conhecimento mais diretamente relacionadas" com a lei: três juristas, três profissionais de saúde e três especialistas em ética ou bioética, sejam ou não profissionais de saúde ou juristas".