Na era da “indústria da felicidade” é preciso reivindicar tempo para a tristeza
12-03-2020 - 08:55
 • Maria João Costa

“Aprender a Falar com as Plantas” é o primeiro livro da catalã, Marta Orriols traduzido para português, editado pela Dom Quixote.

Não se deixe enganar pelo título. “Aprender a Falar com as Plantas” não é um manual de jardinagem caseiro. O primeiro livro da catalã Marta Orriols a ser traduzido para português, é um romance sobre a sobrevivência.

O romance conta a história de Paula Cid, uma neonatologista de 42 anos que é atingida de repente “por duas balas”, como escreve a autora. Em entrevista à Renascença, Marta Orriols diz, “sem estragar o fim” que este livro, “diz logo no principio a narradora”, é sobre “uma mulher de 40 anos que perde o seu companheiro de forma repentina num acidente. Horas antes ele tinha-lhe dito que havia outra mulher na sua vida e que por isso ia sair de casa”.

A história parte deste “impacto, destas duas balas”, a morte e o fim de um grande amor. O que o leitor vai descobrir é como “Paula tem de se reerguer e aprender a caminhar” perante a nova realidade. Marta refere que “é o dia-a-dia de alguém que tenta aceitar o que se passou, com um cocktail Molotof de sentimentos na cabeça, porque tem uma tristeza infinita de ter perdido dramaticamente alguém com a morte e por ter também perdido um amor”.

Contudo, enquanto médica, a personagem Paula Cid, está habituada a enfrentar a ténue fronteira entre a vida e a morte dos recém-nascidos que ajuda a vir ao mundo. No entanto, teve de encontrar outras ferramentas para lidar com o caso pessoal.

Mas se já está a pensar que este é um livro sobre o luto, desengane-se. A escritora catalã que passou por Portugal onde participou no festival Correntes d’Escritas da Póvoa de Varzim esclarece: “Gosto de pensar que é um romance mais sobre a vida do que sobre a morte. No fundo, eu acabei por compreender que de algum modo a morte é algo vital, está aí, faz parte da vida.”

Refletir sobre o ritmo frenético atual

Há no livro onde dimensão relevante numa prosa bem escrita e corrida. Marta Orriols destaca que com este livro lhe interessou “refletir sobre este ritmo frenético atual que temos, sobretudo no Ocidente”. A autora, historiadora de arte de formação, é critica ao dizer que há uma “obsessão por não parar, continuar sempre nesta espécie de industria da felicidade que nos arrasta a voltar a uma normalidade”.

Ela que já experienciou na primeira pessoa a perda de um grande amor, quando perdeu o marido num acidente de avião sublinha que “é importante reivindicar este parêntesis e este sentimento de tristeza, que muitas vezes classificamos como algo negativo. A tristeza é uma emoção positiva. Ás vezes é importante estarmos nessa tristeza para nos compreendermos e conseguir voltar a começar de novo.”

Editado em Portugal pela Dom Quixote, “Aprender a Falar com as Plantas” apresenta um carrocel de emoções, mas tem uma espécie de lema subjacente e que a autora refere na entrevista que deu à Renascença: “As espécies que se adaptam às mudanças, são as que sobrevivem”.

Nas palavras de Marta Orriols, “a vida tem altos e baixos constantes. Pensamos que tudo tem de estar bem, mas a vida é um compêndio de misérias e coisas boas. Educam-nos muito para lidar com as coisas boas, para conseguir o êxito, mas ninguém nos treina para as perdas e o desamor”. Daí a escritora considerar que só quem se adapta às mudanças consegue “a única salvação para sobreviver”.

No romance há outro ponto de ligação na história que são as memórias. “Para a Paula, as recordações foram a forma de ele reatar uma conversa que tinha ficado interrompida” com o marido, diz Marta Orriols. “No momento em que ela sabe que o seu companheiro está com outra mulher, a conversa fica ali, pendente para sempre. Este exercício que faz e que fazem todas os casais quando acabam a relação, é olhar para trás e perceber o que aconteceu, o que correu mal e quando é que acabou” explica a autora, contudo “a agravante aqui é que ele já não está cá e é um monólogo”. Por isso, Paula Cid “usa as memórias para reconstruir esta história, mas também para preservar esta pessoa que já não está cá”. Para Marta Orriols há assim uma “mensagem desta história, que é, enquanto nos recordam, vamos permanecer um pouco vivos.”

E como está Barcelona?


Marta Orriols vive na cidade catalã de Barcelona. Foi uma espectadora privilegiada da turbulência política e social vivida nos últimos meses na capital catalã provocada pelo ressurgimento dos movimentos independentistas. Questionada como está agora a situação, a escritora começa por esclarecer que o que nos chega pela televisão são as imagens mais “impactantes”

Agitados, é a palavra que Marta Orriols usa para descrever os últimos meses em Barcelona, a cidade que diz ter mudado de fisionomia “com as barricadas e manifestações”. A revolta acabou também por influenciar “o estado de animo geral das pessoas”. Contudo, a escritora confessa que acha que a imagem que passa para fora está alterada. Segundo o seu entendimento dos acontecimentos “há uma certa Espanha que quer vender a ideia de que o independentismo é algo provocativo e negativo.”

Neste momento, Marta Orriols considera que as coisas “estão calmas, mas por causa de algum desanimo”. Na que diz ser a sua “humilde opinião”, acha que “falta um programa político sério para que as pessoas possam realmente decidir”. Marta Orriols conclui por isso que é preciso um “referendo legal” e que a partir daí “tudo se decidirá”.

Os acontecimentos dos últimos meses acabaram por “desgastar todos, catalãs e não catalãs” denuncia Marta Orriols que acha que “a independência ou a não independência tem de acontecer, sem o ódio que há pelo meio” neste momento. A escritora respira fundo e termina dizendo que “é preciso calma para voltar a começar. Para chegarmos onde seja, tem de se partir do diálogo e não deste ódio.”