António Costa. "Um dos riscos maiores é as pessoas que têm de fazer tratamentos e não estão a ir por medo"
10-04-2020 - 13:05
 • João Carlos Malta

O primeiro-ministro espera que austeridade não volte depois da epidemia, e afirma que ficaria muito surpreendido se Marcelo não mantivesse o estado de emergência.

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O primeiro-ministro disse, esta sexta-feira, que "um dos risco maiores que temos é as pessoas, que têm de fazer tratamentos, e não estão a ir por ter medo". António Costa respondia às questões de telespectadores no programa "Você na TV", conduzido por Manuel Luís Goucha, na TVI.

Os números de acesso às urgências nos hospitais têm vindo a decrescer, tal como a Renascença noticiou, durante este período da pandemia Covid-19.

O líder do Governo respondia a uma mulher que questionava o porquê de a mãe ter interrompido os tratamentos de quimioterapia. "Nos IPO não há doentes Covid. Há uma recomendação da DGS, que é a de as pessoas não fazerem quimioterapia sem fazerem o teste", disse Costa. Os tratamentos de radioterapia foram interrompidos, por decisão dos especialistas, neste período.

Em relação à decisão que Marcelo Rebelo de Sousa tomará na próxima semana, o primeiro-ministro disse que "ficaria muito surpreendido se o Presidente da República não propusesse o renovar do estado de emergência".

António Costa reconhece que poderá haver um "recalibrar" das medidas que o decreto presidencial vai prever.

Na opinião do primeiro-ministro, o momento não é de aliviar as medidas de confinamento. "É o momento mais difícil, porque a fadiga começa a acentuar-se". Costa reconhece também que o "custo [económico] começa a fazer-se sentir de forma mais dura".

“Espero que a austeridade não entre na vida dos portugueses”

As questões económicas também estiveram em cima da mesa no programa matinal da TVI. A possibilidade de depois do surto pandémico o país passar por uma nova vaga de austeridade não foi descartada pelo primeiro-ministro, mas foi perentório em afirmar que esse seria o caminho errado.

“Espero que a austeridade não entre na vida dos portugueses”, defendeu.

António Costa fez questão de dizer que o problema que agora enfrentamos não tem os mesmos contornos daquele que o país passou aquando da crise das dívidas soberanas.

O chefe do Executivo, quando questionado novamente se poderia garantir que não teremos de passar por um período de cortes de rendimentos, voltou a expressar a mesma ideia: “Acho que temos de evitar o custo de ter austeridade, porque ela não ia ajudar”.

Costa explicou o porquê, e recorreu ao período da troika e dos ensinamentos que esse período deixou. “Se não protegermos o emprego e o rendimento, o restaurante abre a porta mas o cliente continua a não ir lá”, ilustrou.

“Não podemos acrescentar austeridade a isto”, concretizou.

Para Costa a receita para passar este momento tão difícil na vida dos portugueses é em primeiro “controlar a epidemia”, depois “tratar da economia”, e por fim esperar que esse tratamento “não afete as finanças do Estado”.

Não há material suficiente para fazer testes nos lares

Em relação aos lares, e aos graves problemas que os idosos que vivem nesses estabelecimentos estão a viver, António Costa disse que os testes de despiste do COVID-19 estão a ser enviados prioritariamente para esses locais, mas assumiu que não existem em número suficiente.

O primeiro-ministro afirmou que faltam zaragatoas, e há falhas ao nível dos reagentes para que esses testes possam ser feitos. Mas contextualizou esta escassez de material. “Nada estava produzido para uma pandemia à escola global”, argumentou.

Já sobre as famílias em que um dos cônjugues tem de ficar em casa, porque o filho ou os filhos estudam até ao 10º ano de ensino, o primeiro-ministro elucidou que a medida que permite a um dos pais pode ficar em casa com dois terços do salário se mantém pelo menos até 30 de junho.

No entanto, disse que este é um esforço tripartido. “O Estado paga um terço, a entidade patronal outro terço, e a pessoa perde um terço do vencimento”, enumera.

Num momento, em que não sabia ainda que esta sexta-feira se registaram mais 1 516 casos em Portugal, Costa não quis alimentar a discussão sobre se o pico da epidemia já passou, estamos a passar por ele, ou ainda está por vir.

"Nos últimos três dias o aumento foi de 6%. A discussão é se chegamos ao planalto ou vamos ter novos momentos de subida. O fim de semana da Páscoa é muito difícil para as pessoas respeitarem as distâncias", disse o primeiro-ministro, que acrescentou que mesmo que estejamos no planalto estamos ainda longe do supé.

Em relação aos elogios que têm vindo de várias geografias sobre a forma como Portugal está a gerir a crise, o primeiro-ministro defendeu que é um "motivo de orgulho para o país". "Antes de ser decretado o estado de emergência já os portugueses o tinham feito", valorizou.

O Inverno vai chegar

En relação a uma nova vaga de coronavírus no próximo Inverno, António Costa crê que "vai surgir de certeza". E alerta que "quando levantarmos uma destas medidas, o risco de contaminação vai subir".

Se o país estará mais preparado nessa altura, o primeiro-ministro diz que "temos de estar seguramente". "Ainda não faltaram ventiladores, mas estamos a duplicar essa capacidade", referiu.

Costa revelou também que ao contrário de Marcelo não fez o teste para a Covid-19. Para a decisão contribui não ter sintomas, e não ter visitado pessoas de risco, nas quais se inclui a mãe pela idade.

"Não fiz o teste. Não vou fazer um teste que só satisfaz a minha curiosidade momentaneamente", explicou

Holanda tem de ser racional

Em relação à necessidade de uma solução europeia para sair desta crise, o primeiro-ministro disse que não se tratará de solidariedade. "Foi um choque de fora, que nos apanhou todos por igual", defendeu.

Costa não quer que, tal como noutras crises em que se criou um anatema negativo em relação aos países do Sul, agora se crie outro em relação aos países do Norte. E deu o exemplo da Alemanha que "tem tido um ponto de vista construtivo", nas discussões.

"Dos holandeses não posso dizer o mesmo", apontou. Mas, logo de seguida, sublinhou que os holandeses na sua generalidade não podem ser responsabilizados pelas declarações de um governante.

Ainda sobre a Holanda, Costa referiu que é dos países que mais precisa do mercado interno europeu. "É pura racionalidade, a Holanda necessita que o problema se resolva para que os países se possam voltar a abrir", concretizou.

O chefe do Executivo disse também que não estamos a viver um confronto sul/norte porque países como a Bélgica, o Luxemburgo ou a Irlanda têm também defendido os mesmos pontos de vista que os portugueses. " Não devemos criar um estigma em relação ao Norte", frisou.

"Mantenho-me um ser humano e não estou robotizado"

Num outro plano, durante a entrevista à TVI, António Costa penitenciou-se, entre sorrisos, pela imagem no final da conferência de imprensa de quinta-feira para anunciar as medidas para as escolas em que cumprimentou com um aperto de mão o ministro da Educação.

"Todos somos humanos, e temos a tentação de...", explicou Costa. "Pedi desculpa a todos pelo mau exemplo", acrescentou.

O facto de não nos podermos cumprimentar, como até agora o fazíamos, é uma dificuldade acrescida também para o primeiro-ministro. "Somos um povo de afeto e de toque, e é difícil. Todos somos humanos e há um momento em que falhamos", concedeu, afirmando que o momento ainda assim mostra que "mantenho-me um ser humano e não estou robotizado".