Uma agente da PSP investiga os homicídios de dois jovens. Envolvidos na trama estão um banqueiro da alta finança, uma fundação e um empresário. É com estes ingredientes que se faz o novo thriller assinado por João Tordo. "Águas Passadas" vai já na segunda edição, menos de um mês depois do seu lançamento.
Depois de “A Noite em que o Verão Acabou”, Tordo dá agora a ler um “policial que é mais policial do que o anterior”. No centro da ação está uma investigadora da PSP, a agente Pilar Benamor, que, se os leitores quiserem, poderá voltar a aparecer em futuros livros. A história que se passa em 13 intensos dias, debaixo de chuva ininterrupta prende o leitor da primeira à última página. Em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença, o autor traça uma linha entre o escritor de thrillers e escritor literário dos seus romances.
“Águas Passadas” é o segundo livro do género thriller que lança em pouco tempo. Ganhou o gosto a este tipo de escrita? Em que é que este novo livro difere do anterior, “A Noite em que o Verão Acabou”?
É mais policial do que o anterior, que não era bem um policial porque o protagonista era um jovem estudante. Neste livro quis entrar mais num policial propriamente dito e, portanto, a protagonista é uma jovem subcomissária da Polícia de Segurança Pública.
Como é que criou a personagem da investigadora Pilar Benamor?
Na altura em que comecei a pensar na personagem, falei com algumas mulheres que trabalham na Polícia e havia algumas coisas comuns nas histórias que me contavam. A primeira é que é muito complicado para uma mulher subir na hierarquia policial; a segunda é que é um mundo dominado por homens, mas isso já sabemos; e a terceira foi que grande parte dos casos a que a PSP assiste são casos que envolvem violência doméstica e isso para uma mulher é psicologicamente perturbador. Claro que também para um homem! Mas, sendo que grande parte dos casos são de violência dos homens sobre as mulheres, para uma mulher que trabalhe nas forças policiais torna-se mais complicado mesmo a nível emocional.
A Pilar Benamor tem, contudo, uma personalidade forte no trabalho que contrasta com a fragilidade da sua aparência física.
Ela tem 30 ou 31 anos no princípio do livro. Queria construir uma personagem que fosse muito vulnerável perante si própria. O pai da Pilar era um polícia que morreu num serviço no desempenho das suas funções e a Pilar sente-se um pouco sozinha, e também, como estas mulheres polícias me confessaram, um bocadinho abandonada num mundo de homens que ela não entende bem, mas onde precisa de navegar.
Mas, ao mesmo tempo, a Pilar Benamor é muito obstinada na investigação.
Eu quis construir uma personagem feminina que tivesse muita fragilidade, fosse muito vulnerável, mas que ao mesmo tempo tivesse uma força muito pouco comum. Conforme os homicídios acontecem, são homicídios gravosos de dois adolescentes que aparecem em situações macabras e em lugares estranhos, um numa praia, o outro numa floresta, os casos estão ligados obviamente, mas a Pilar é a única no meio disto tudo que acredita na resolução dos casos. E uma parte importante do romance é quando ela de facto quer fazer justiça e a justiça está para lá da própria lei.
A Pilar Benamor, que tem essa fragilidade, não tem, contudo, medo de pôr a sua vida em perigo.
Há ali uma qualidade dela que é quase sobrenatural. É uma coisa que eu acho que ela herda do pai, tem um faro muito especial, mas também tem um faro muito especial para se meter em problemas. É uma caraterística, uma teimosia, quase obstinação leva o capitão Garcia a dizer-lhe: “tu és igual ao teu pai, tens os mesmos defeitos de caráter, és demasiado teimosa e obstinada e isso pode custar-te caro”. Ela quando percebe que o caso vai ser arrumado de uma forma que não lhe parece justa, é aí que a Pilar dá um enorme salto. Esse salto, quando ela começa a agir para além da justiça, foi onde eu queria chegar com esta personagem.
No meio de todo o enredo criminal vemos a alta sociedade envolvida. Este livro passa-se entre Cascais e Lisboa, e vemos uma fundação, um banqueiro e um empresário envolvidos numa trama suspeita. Qualquer semelhança com a realidade é coincidência? O que é que quis trazer para a literatura?
Há personagens no livro que ilustram um pouco o que a sociedade portuguesa nos tem mostrado nos últimos anos ou década e meia. Os ricos e os poderosos, afinal, não são impunes. Há todo um sistema que, embora a justiça seja lenta, e opera de uma maneira que para grande parte dos cidadãos parece morosa e por vezes injusta, os nomes grandes também podem vir ao de cima. Isso foi algo que quis explorar neste livro.
Há um banqueiro com negócios duvidosos, há toda uma ligação à classe alta da sociedade que nos últimos tempos temos vindo a compreender que parece de repente se abriu uma porta para um lugar que era inacessível. São os poderosos e os ricos, aqueles que nunca iam à liça. Essa porta abriu-se não só para os banqueiros, os políticos, presidentes de futebol, toda a agente.
Essa abertura da justiça a lugares onde antes não chegava ou não queria chegar dá alento a este livro, porque há um conluio – que não vou explicar o que é – mas que acaba por estar ligado à política, dinheiro e corrupção que acaba por vitimar dois adolescentes. E a Pilar de repente está envolvida no meio disto tudo.
A investigação na segunda parte do livro passa para as mãos da Judiciária, mas a Pilar não desiste.
A segunda parte é a mais entusiasmante porque ela começa a ultrapassar as suas funções e a desobedecer ao seu chefe. Quando a Pilar leva a sua avante, eu acho que é o momento mais interessante do livro e é quando ela começa a revelar-se. Para mim, mais importante do que o enredo, era ficar a conhecer esta rapariga, a Pilar que gostava que tornasse a aparecer noutro livro.
Quer dizer que poderemos ter um segundo livro com a investigadora Pilar Benamor?
Eu pus-me muito no lugar de expetativa. Se os leitores acabassem por não gostar desta personagem, eu não iria insistir com ela, até porque a minha veia de escritor de policiais é muito diferente da do escritor literário, o que escreve os meus romances.
Neste caso, os policiais são um bocadinho mais ligados à receção do leitor. Se ela acabasse por não ser uma personagem popular, eu não iria insistir. Mas acho que está a correr bem. Pessoalmente, gosto muito da Pilar e fui descobrindo com ela o seu caráter. Isto só acontece quando a pessoa ao fim de muitos livros e muito ofício, acaba por conseguir colocar-se no lugar do passageiro e deixar que seja a protagonista a conduzir a história. Foi o que aconteceu e foi muito engraçado ir descobrindo os diferentes lados desta Pilar que é muito vulnerável e ao mesmo tempo, muito forte.