Chamam-lhes as “big five”. Amazon, Microsoft, Apple, Google e Meta/Facebook são os nomes associados ao que há de maior no mercado tecnológico no mundo, com impacto social, económico e também político. As acções destes gigantes tecnológicos têm sido sujeitas a controlos no plano fiscal, concorrência e até ético no quadro da União Europeia e o impacto das grandes companhias tecnológicas na sociedade, na economia e até na política preocupa os legisladores europeus.
“Não tínhamos legislação adaptada a este novo mundo e estamos agora a transpor o que temos no mundo físico para o digital. Não vejo um papão nas tecnológicas, mas precisamos de ter legislação e aplicá-la”, assinala a eurodeputada Maria da Graça Carvalho, antiga Ministra da Ciência e relatora em diversos processos de decisão ligados a matérias na área da indústria, ciência e tecnologia. Bruxelas já aprovou e fez entrar em vigor os Regulamentos de Mercados Digitais e Serviços Digitais e prepara o regulamento sobre Inteligência Artificial, para além de mais dois diplomas sobre dados, quase cinco anos depois da entrada em vigor do primeiro regulamento geral de Proteção de Dados.
Ouvida no programa “Da Capa à Contracapa”, a antiga ministra social-democrata defende que a regulação não pode ser demasiado restritiva. “Estamos sempre a lidar com tecnologias emergentes e regular demasiado pode pôr barreiras ao desenvolvimento da inovação”, sustenta Graça Carvalho, argumentando que Washington está à espreita do que Bruxelas vai fazendo. Em 2023, a União Europeia e os Estados Unidos devem fechar um acordo quadro transatlântico de privacidade de dados entre os dois blocos. “Seria a internacionalização do mercado interno, nomeadamente na Inteligência Artificial, ao nível dos princípios éticos, produtos e algoritmos, com uma base de entendimento que seria excelente para o futuro da economia”, afirma a eurodeputada portuguesa que assinala que 85% do mercado de “computação em nuvem” na Europa é dominado por empresas norte-americanas.
Regulamentação como uma “escolha de valores”
Especialista em concorrência, com experiência no Tribunal de Justiça da União Europeia e na Autoridade da Concorrência em Portugal, a advogada Mariana Tavares lembra que o desafio de regulação na Europa passa pelo balanço entre o respeito pela liberdade de expressão e o bom nome e a ordem pública, em contraste com os paradigmas da China , “onde há uma censura de Estado” ou dos Estados Unidos “onde em Setembro um tribunal federal considerou legal uma legislação texana que proibia a moderação de conteúdos pelas tecnológicas”. No plano interno, a competição entre países no campo fiscal “pode levar a um nivelamento por baixo dos standards” se implicar a retirada de regras para atuar em determinado país.
“ Uma regulamentação é uma escolha de valores e a aplicação desses valores ao ambiente de mercado. Não nos enganemos. As empresas escolhem os países não apenas com base em regulamentação existente, mas também pela possibilidade de financiamento, acesso aos tribunais e outros ambientes empresariais”, afirma Mariana Tavares, atual consultora sénior da sociedade de advogados Cruz Vilaça. Esta advogada lembra que a regulação não é a única forma de intervenção na economia, apontando para outras políticas públicas como a formação de engenheiros, acesso à cultura e aos media ou politicas de educação. “ Não é preciso inventar a roda, é preciso financiar o que já existe”, acrescenta Mariana Tavares.
Para esta doutorada em Direito pelo King’s College em Londres, vai colocar-se a curto prazo uma questão de “segurança pública” no debate sobre a presença de empresas estrangeiras em sectores considerados de importância nacional. “Não queremos concursos públicos apenas para empresas nacionais capazes de garantir a segurança nacional. Seria muito negativo e contrário a todas as regras de mercado interno. A melhor forma de nos protegermos não é proibir a empresa, é investir para que sejam criadas condições no mercado interno para que as empresas floresçam”.
O espectro do protecionismo paira sobre os debates sobre a autonomia estratégica da Europa, consolidada como um objetivo pós-pandemia. Maria da Graça Carvalho considera que essa realidade seria catastrófica no plano nacional e internacional. “Seremos mais competitivos quanto mais abertos formos e ninguém é melhor que os outros de uma forma fechada”, diz a eurodeputada, que insiste na necessidade de produzir “em colaboração com quem trabalhar connosco e investir na Europa” sem descurar o investimento interno.
Mais cientistas e engenheiros, menos burocracia
Num exercício de análise sobre os desafios digitais da Europa, Maria da Graça Carvalho defende que a Europa deve estar presente no mundo digital guiada pelos princípios do mercado interno, da concorrência e dos direitos humanos. “Não podemos aceitar uma censura disfarçada de modernidade tecnológica”, insiste a eurodeputada do PSD que pede a formação de mais investigadores na área digital – “ temos menos de 20% de mulheres nestas áreas de cibersegurança e cientistas de dados” – e apostas em melhores infraestruturas técnicas e científicas – “continuamos com deficiências em comparação com o Japão, Coreia do Sul ou Estados Unidos”. A antiga ministra defende que a Europa não deve ter como ambição ter um gigante tecnológico. “ Se acontecer ficamos contentes, mas esse não deve ser o nosso objetivo”, sublinha.
Graça Carvalho admite que existe uma tendência europeia para tudo regulamentar, numa cultura europeia que tenta cobrir todos os casos. “Temos que dar liberdade para respirar. Alguns destes regulamentos têm uma carga excessiva de burocracia e, lidando com situações complexas, não necessitam eles próprios de ser complexos, mas flexíveis”. Neste debate, a eurodeputada acentuou ainda as bases éticas da construção da legislação em curso sobre Inteligência Artificial e admitiu que todo o universo das criptomoedas deve ser tratado em separado por se tratar de uma área ainda mais recente no digital, para além da ligação regulatória primária à regulação bancária.