Há um mês, no segundo dia de cheias em Algés, Armindo Costa não conseguia conter as lágrimas, enquanto fumava um cigarro, apressadamente, à porta do café de que é proprietário.
De vez em quando, olhava lá para baixo, para a cave com acesso a partir da rua onde montou há anos o negócio. No interior, duas pessoas de baldes na mão retiravam a torrente de água e lama que inundou todo o estabelecimento em mais de um metro, um cenário que o deixou bastante desanimado.
Valeu-lhe o esforço do trabalho, dele, dos funcionários e de um voluntário, cuja solidariedade o surpreendeu.
"Um rapaz, de vinte e tal anos que vinha a passar, a caminho do trabalho, olhou para mim à porta e percebeu o meu desespero. Tirou a mochila que trazia às costas, a caminho do trabalho, descalçou-se e veio ajudar a tirar, a balde, a água do interior do café." E no final, recusou uma ajuda monetária que Armindo lhe quis dar.
Um mês depois, tudo parece ter regressado à normalidade e Armindo Costa guarda uma certeza: "Tem que se ter mais cautela, não é?", pergunta, como que para justificar os sacos de areia e terra que, por várias ruas de Algés, estão à porta de alguns estabelecimentos, como o dele. Agora, confessa, aguardam "que haja alguma coisa da parte dos seguros e da parte da Câmara" para cobrir pelo menos uma parte dos prejuízos.
"Estragaram-se duas câmaras frigorificas, uma arca e a madeira (que cobre as paredes do café), que começou a ficar toda a estalar e a saltar", conta à Renascença.
Na semana passada, foi contactado pela autarquia para preencher um formulário a dar conta dos prejuízos. A Câmara vai suportar, com dinheiros de um fundo criado para o efeito, alguns dos prejuízos: um máximp de 50%, em danos até 5 mil euros, e de até 20% para prejuízos superior a 100 mil euros.
"Não chega para o prejuízo que tive", garante Armindo Costa, que também no rés-do-chão onde vive, a poucas centenas de metros do café, teve bastantes prejuízos. O seguro foi acionado, mas ainda não obteve resposta.
Numa das muitas caves em Algés ocupadas por comércio, está, há anos, a Casa das Loiças do Arco, num acesso entre duas ruas, por baixo de um edifício. Pedro Mota já tem a loja de que é proprietário num brinco, tendo em conta que ficou totalmente inundada.
"As seguradoras dizem que estão a tratar das indemnizações, estou confiante", diz Pedro.
Quanto às ajudas da Câmara, "ainda falta preencher formulários, porque disseram que me mandavam e-mails com formulários para preencher e terem uma noção mais exata dos prejuízos, e isso ainda não aconteceu".
Do mesmo se queixam algumas dezenas de residentes na zona, ou em pisos térreos ou em caves também afetados pelo mau tempo do último mês. Em alguns casos, os danos foram tais que não restou outra solução senão deixar essas habitações.
Prova disso: o facto de muitas janelas de caves para a rua estarem abertas, para que a circulação do ar ajude a secar o interior e a acabar com o cheiro a mofo que tarda em desaparecer. Ou, por outro lado, o facto de os estores de janelas de muitos rés-do-chão estarem fechados, dia após dia, indicando que continuam desocupados.
Carla Ferreira ainda pensou em deixar tudo, depois de tudo perder. A residente calcula que mais de meio milhão de euros em prejuízos foram por água abaixo com as cheias.
Um mês depois, esta proprietária de uma loja de congelados, junto à estação ferroviária de Algés, admite que tem sido complicado manter o negócio aberto.
"Ainda não tivemos ajudas de ninguém, a não ser de fornecedores e a nível de equipamento de frio, que ainda estamos a gerir os pagamentos. Mas se Deus quiser, vai correr tudo bem."
Da parte das seguradoras, ainda "ninguém se chegou à frente", adianta, "ainda estão os peritos a analisar as coisas". Por isso, Carla não faz ideia de quanto dinheiro vai receber.
Pior está José Araújo, que no túnel de acesso à estação ferroviária gere há décadas um café que não escapou às inundações. "Não vamos receber nada", confidencia à Renascença. "A gente não tinha seguro."