Ausência de ministro da Defesa em cerimónia é “pressão evidente” para chefe da Armada se demitir
04-10-2021 - 16:58
 • Pedro Mesquita , Marta Grosso

Almirante Fuzeta da Ponte critica na Renascença a ausência de João Gomes Cravinho e do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas na cerimónia presidida pelo Presidente da República. Foi “deselegante”, diz. “O ministro da Defesa parece ministro da Defesa do Burundi”.

O ministro da Defesa não esteve nas comemorações do Dia da Unidade da Marinha, nesta segunda-feira, na base do Alfeite. A cerimónia foi presidida por Marcelo Rebelo de Sousa e também não contou com a presença do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA).

“Não me parece normal”, começa por dizer Fuzeta da Ponte, antigo CEMGFA.

“Num período conflituoso como este, acho que até poderia ter sido uma oportunidade de as partes em litígio pacificarem e aparecerem”, considera o Almirante, para quem as duas ausências desprestigiam a Marinha. “A culpa não é da Marinha, mas fica desprestigiada com esse aspeto”.

“O senhor ministro da Defesa Nacional, parece o senhor ministro da Defesa do Burundi. Nós não estamos no Burundi, estamos em Portugal. Mas, infelizmente, ele não distingue isso. É por isso que eu digo que eu digo que não é normal ter acontecido. Esta oportunidade pode não repetir-se e revela novamente uma intenção que não parece das melhores do ministro da Defesa em relação à Marinha”, reforça, nestas declarações à Renascença.

Fuzeta da Ponte, que durante sete anos chefiou as Forças Armadas, critica ainda a maneira como o ministro João Gomes Cravinho e o Almirante António Silva Ribeiro decidiram mostrar a sua insatisfação com o Chefe de Estado Maior da Armada (CEMA), Almirante António Mendes Calado.

“Tanto um como outro não estão solidários com os chefes de Estado Maior da Armada e não querem que ele continue. E fazem isso marcando de uma maneira um bocado deselegante, estando presente o Presidente da República”, afirma.

Há “uma forma de pressão evidente”, acrescenta, condenando ainda o envio do secretário de Estado em vez do ministro.

Fuzeta da Ponte sublinha que, nos sete anos em que desempenhou as funções de CEMGFA, não faltou a esta cerimónia uma única vez.

“Não, não. Nem podia faltar, porque é uma cerimónia de uma enorme relevância e importante também com a presença do senhor Presidente da República. Se o senhor Presidente da República está presente, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, que normalmente já tem a obrigação de aparecer, se não o faz pode ser tomado como uma desconsideração ao Presidente. Eu, durante os sete anos que desempenhei o lugar de CEMGFA, fui sempre a essa cerimónia. Sempre”, garante.

Na última semana, já depois de se reunir no Palácio de Belém com o primeiro-ministro e o ministro da Defesa, o Presidente da República emitiu uma nota sublinhando que os "equívocos" sobre a substituição do Chefe do Estado Maior da Armada estavam esclarecidos.

Mas Fuzeta da Ponte não está convencido. O Almirante recorda que, na origem de toda a polémica, está ainda a crítica de 28 antigas chefias militares à reforma das Forças Armadas – incluindo ele próprio e o General Ramalho Eanes.

Também o atual Chefe do Estado Maior da Armada fez reparos no Parlamento e desde aí o seu lugar ficou em cheque.

“Isso pode ser o ‘very beginning’ de tudo. Seguiram-se outros episódios, mas esse julgo que foi importante. Tudo pode ser considerado um ponto de partida para tudo isto”, considera. E não acabou. “Julgo que ainda há muitos episódios a correr”, prevê.

Da parte do Presidente da República, contornou a polémica neste dia da Unidade da Marinha com quatro minutos de discurso para sublinhar o papel da Marinha durante a pandemia.

“Éramos os melhores da Europa, faltava-nos ser os melhores do mundo. Hoje, somos os melhores do mundo. E sabem como eu repito isso incessantemente, porque há sempre uma falta de autoestima e de amor próprio nalguns dos nossos compatriotas. Criticam-me por eu dizer que quando somos muito bons somos os melhores do mundo. É isso mesmo! Ou, pelo menos, dos melhores do mundo. Sempre”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa.