A presidente da Associação Transparência e Integridade, Susana Coroado, considera que pode ter havido um conflito de interesses na atribuição de nacionalidade portuguesa ao multimilionário Roman Abramovich.
O magnata russo conseguiu a nacionalidade portuguesa ao abrigo de uma lei, de 2014, que abre a porta a descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal no século XV. Recentemente, Alexei Navalny, um dos grandes opositores de Vladimir Putin, disse que esse processo tinha sido baseado em subornos.
Susana Coroado não comenta a acusação de Navalny, por não apresentar provas do que diz, mas sublinha que a atribuição da nacionalidade portuguesa a Abramovich é pouco clara.
“As autoridades portuguesas têm a palavra final sobre a quem é atribuída a cidadania, mas essa decisão é feita com base na certificação de uma entidade privada, que é a Comissão de Certificação do Sefardismo da Comunidade Judaica Portuguesa faz. Portanto, aqui o problema é que o Estado português está a delegar, ou a basear as suas decisões, numa entidade privada. O que poderia não trazer problemas de maior, se não fosse, por um lado, nós não sabermos bem quais são os procedimentos que são feitos por esta comissão e por haver aqui um conflito de interesses porque esta comissão que certifica é também uma entidade representante da comunidade judaica que tem recebido muitos donativos do próprio Abramovich”, diz à Renascença a presidente da Transparência e Integridade.
Como exemplo das dúvidas que o processo levanta, Susana Coroado aponta um dado curioso. “É muito interessante que a deputada Constança Urbano de Sousa, depois de ter deixado de ser ministra da Administração Interna com a tutela deste procedimento, tenha tentado alterar a lei no Parlamento, não para acabar com a lei em si, mas para reforçar os procedimentos porque já havia suspeitas de que poderia estar a haver alguma facilitação neste processo, e não conseguiu porque o seu próprio partido se virou contra ela”, diz.
"Abramovich não precisava da nacionalidade portuguesa para se deslocar"
As acusações feitas por Navalny já foram rejeitadas esta quarta-feira por Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, e o antigo ministro António Martins da Cruz, que pertenceu ao Governo de Durão Barroso, não vê razões para discordar do seu atual sucessor.
“Se o caso de Abramovich cabe na lei que foi aprovada pelo Parlamento português, os serviços do Ministério da Justiça tinham que lhe atribuir a nacionalidade. Aliás, deve ser dito que o senhor Abramovich não precisava da nacionalidade portuguesa para se deslocar dentro dos países Schengen, portanto eu acho que a nacionalidade lhe foi atribuída segundo os parâmetros da lei”, diz.
Susana Coroado, por sua vez, não deixa de anotar proximidade entre Abramovich e Vladimir Putin. “Ele é indicado por várias fontes como sendo muito próximo de Putin, e de resto já no Congresso americano e no Parlamento britânico foi pedido várias vezes aos executivos que impusessem sanções a Abramovich, precisamente devido à sua proximidade a Vladimir Putin”.
Coroado refere que a atribuição da nacionalidade portuguesa confere um grau de proteção ao magnata. “Somos um país da NATO e somos um país da União Europeia, e por isso Abramovich neste momento, enquanto cidadão português, é também um cidadão europeu, tem acesso ao espaço Schengen, tem acesso com mais facilidade ao sistema financeiro do euro e está mais protegido de eventuais sanções que os Estados Unidos, Reino Unido ou até mesmo União Europeia possam querer impor ao regime de Putin e aos seus associados”.
Martins da Cruz, contudo, descarta estes argumentos, dizendo que não podem pesar na decisão final. “Se couber na lei, não há nenhuma razão para a política internacional, ou externa, interferir na aplicação da lei.”
“Aliás, que eu saiba, a Rússia não é um inimigo dos países da NATO, até tem um acordo com os países da NATO, que agora suspendeu. Estamos numa altura crítica. O facto de o senhor Abramovich, que nem sequer vive na Rússia, ser amigo do senhor Putin, penso que não é motivo que justifique a não aplicação de lei, por isso acho que neste caso Navalny não tem razão”, conclui.