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O antigo ministro social-democrata Nuno Morais Sarmento defende que a própria Justiça em Portugal “está em julgamento” no desenrolar do processo conhecido como “Operação Marquês”. No programa “Falar Claro”, da Renascença, o comentador, militante do PSD, defende que o caso vai ter sempre algum impacto cuja magnitude vai depender muito da forma como este processo se conclua.
“Está em causa a justiça relativamente aos arguidos constituídos e aos factos que resultam ou não dos indícios que conhecemos. Mas está em julgamento também a própria Justiça. A não concretização deste processo numa acusação muito sólida poria em causa a Justiça e os termos em que ela tem operado. Porque foi essa mesma Justiça que se sentiu suficientemente confortável para concretizar os indícios numa investigação e pedir a medida de coacção mais grave - a prisão preventiva - e que depois que não era capaz de traduzir isso numa acusação”, sustenta o social-democrata.
Para o advogado “começa a ser insuportável em termos jurídicos a defesa de uma investigação que se sentiu suficientemente sólida para determinar a prisão de um ex-primeiro-ministro, mas que não se sente suficientemente sólida para dar à luz uma acusação”.
É possível acusar até sexta
Morais Sarmento espera que a acusação seja formulada até sexta-feira, prazo definido pela Procuradora-Geral da República neste processo onde o principal arguido é José Sócrates.
“Porque é que isto é conciliável com a complexidade do processo? Porque a acusação não tem que abranger a totalidade dos factos que foram objecto de investigação até agora. Espero que, face a uma situação destas, tenha existido tempo suficiente para investigar os factos que determinaram a abertura do inquérito”, diz o antigo ministro do PSD na Renascença.
Sarmento defende a tese de que em relação aos factos posteriormente envolvidos neste processo, podem ser extraídas certidões que dão lugar a processos autónomos.
Pela reforma do Processo Penal
O comentador social-democrata considera que o modelo de processo penal em Portugal precisa de ser reformado, incluindo uma alteração no funcionamento do Ministério Público.
“Não me parece possível qualquer reforma que se pretenda fazer do manifesto não-funcionamento do conjunto do aparelho de justiça em termos de acusação no processo penal que não inclua a reforma da organização do Ministério Público”, afirma.
Uma tese que não merece total concordância de Vera Jardim, antigo ministro da Justiça, para quem o modelo de Justiça processual penal “tem fragilidades, mas uma reforma global e total não se justificará. Estou aberto a discutir isso com outras pessoas. Essa discussão não tem sido feita e deve ser feita em profundidade nos últimos anos”.
No entanto, o histórico socialista considera que essa discussão não deve ser feita enquanto corre este processo, não aconselhando mexidas no sistema com base num processo mediático.
“Não é bom. Já tivemos experiências de mudar coisas no Processo Penal por causa de outros processos e já devíamos ter aprendido que essa não é uma boa maneira de fazer reformas seja onde for. E sobretudo em questões tão complexas como o Processo Penal, que põe em causa os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. O Processo Penal é uma segunda Constituição”, sustenta José Vera Jardim.
As culpas das fugas de informação
Os comentadores do programa “Falar Claro” descartam atribuir responsabilidades exclusivas ao Ministério Público por violação do segredo de justiça em processos mediáticos.
“Não é obrigatoriamente o Ministério Público, porque há vários intervenientes. Não faço essa acusação, até porque ocupei o lugar de Ministro da Justiça e sei como é que as coisas às vezes se passavam”, assegura Vera Jardim, recordando que há muitos intervenientes com acesso ao processo. “São sobretudo agentes da justiça e obviamente há um entendimento com certos órgãos de comunicação social”, complementa o advogado que milita no PS.
Morais Sarmento subscreve este ponto. “Como advogado, acompanho-o nessa impossibilidade de resumir isto ao Ministério Público”.