A habitação é um direito.
A habitação é um direito fundamental.
Ninguém pode estar vulnerável à falta de habitação.
O que fazer para garantir que todos têm habitação?
Será o Estado quem tem de garantir este direito Universal a todos?
Num estado democrático essa garantia não pode e não deve ser garantida (unicamente) pelo Estado. São os privados, as famílias que têm de prover a sua habitação e a dos outros.
Então, qual o papel do Estado? Eu diria: não atrapalhar!
O que o Estado tem feito sistematicamente em matéria de habitação é atrapalhar as famílias que querem ter acesso às casas. Criar empecilhos a que o mercado funcione, sem perceber que quanto mais intervém, com a bandeira de garantir habitação, mais impede que haja habitação a preços acessíveis no mercado.
Mercado de habitação própria
Durante uns anos largos foi (e ainda é) comum em Portugal as famílias optarem por habitação própria e recorrerem ao endividamento para isso. Diz-se que pela cultura da propriedade “típica dos portugueses”. Essa cultura da propriedade surge, essencialmente, porque durante décadas o Estado congelou rendas tornando o mercado do arrendamento moribundo ou inexistente. Não havia casas para arrendar – nenhum proprietário no seu perfeito juízo investia nem disponibilizava o imóvel para arrendar a um valor quase nulo e sem conseguir reaver o seu investimento – onde tinha apenas obrigações.
Os portugueses tinham como única solução a compra através de empréstimos hipotecários. Era a solução possível.
Quando os juros eram mais baixos, a decisão das famílias ajustava-se à prestação que poderiam pagar e as casas eram compradas e mantidas. Quando começou a aumentar, as prestações tornaram-se incomportáveis. A solução está, atualmente, a passar por renegociar empréstimos hipotecários e em alguns casos trocar por casas mais económicas ou para o arrendamento. O problema é que não há casas para arrendamento. Porquê? Porque não há quem queira investir nelas.
Mercado de arrendamento
Depois de um histórico governamental que eliminou durante décadas o mercado de arrendamento, o Estado continua a assustar e afastar investidores deste mercado com legislação que muda anualmente (para não dizer mais).
Quem poderia investir em imobiliário e colocar mais casas no mercado de arrendamento está a ser afastado por legislação inconstante e por exigências descabidas. Torna-se por isso, pela perspetiva do investidor um mercado onde não é atrativo estar (de onde provém a escassez de casas disponíveis para arrendar, e consequentemente aumenta os preços das poucas casas disponíveis) e onde os investidores que ainda estão disponíveis para estar assumem um risco muito elevado (o que para investimento com riscos elevados, apenas estão disponíveis quando a remuneração é elevada). Em qualquer dos casos aumentando o valor das rendas disponíveis. O Estado está a voltar a destruir o mercado de arrendamento.
Mais estabilidade na intervenção é o que se exige do Estado.
Habitação social
Sim. Para uma parte da população que em situação de vulnerabilidade económica precisa de um apoio pontual do Estado. Deve ter condições de habitação dignas, mas deve servir a casos de exceção. Não deve ser a prática ou uma solução para uma grande parte dos casos. Não é ao Estado que deve caber a responsabilidade de alojar a maioria da população.
Sim. É para esta habitação, de quem está pontualmente vulnerável, e para garantir que ninguém fica sem esse direito fundamental que devem contribuir os impostos de todos nós. É o que se exige do Estado.
Do ponto de vista do arrendatário
Para quem arrenda casa, as rendas estão demasiado altas, provocando desespero.
Há pouco mais de uma semana numa reportagem sobre a habitação em Lisboa alguém reclamava que com o salário mínimo não conseguia pagar uma renda de 600 euros. Eu diria que não… nem de 600 euros, nem de 300 euros. Os salários praticados em Portugal não são, na sua grande maioria compatíveis com o direito fundamental à habitação. Um salário médio mensal de 1083 euros (em 2021 segundo o MTSSS) não é compatível com o direito fundamental à habitação. Estaremos todos relegados a viver de favor em casa de familiares ou em habitação social? Não me parece que seja a solução. Parece-me que o problema venha da política de salários sistematicamente baixos. Menos carga fiscal e salários líquidos condignos com uma qualidade de vida regular, é o mínimo que se exige do Estado.
Do ponto de vista do senhorio
Além do exagero a que estão os valores de rendas atualmente, que não são mais do que o excedente pela escassez de casas no mercado, como já foi referido, e pelo risco tomado por quem ainda inadvertidamente decide investir em imobiliário, as rendas são um investimento muito volátil.
Desde obras regulares que são necessárias para garantir condições de vida condignas, a seguros, despesas de condomínio, rendas em incumprimento, estragos de má utilização, impostos, há muitos custos envolvidos na manutenção da casa.
O melhor que o Estado pode fazer para garantir rendas mais acessíveis é manter a carga fiscal estável (e conhecida), e manter a estabilidade de legislação no arrendamento. Já há investidores particulares, empresas e fundos (muitos) a afastarem-se do mercado de arrendamento português. A instabilidade só vai afastá-los ainda mais, reduzindo a oferta de casas para arrendar (aumentando ainda mais os preços das que estão disponíveis) e aumentando o risco do arrendamento (aumentando, mais uma vez os preços das que estão disponíveis). Mais estabilidade e menos intervenção é o que se exige do Estado.
Por isso, e por todas as perspetivas, o melhor que o Estado pode fazer pelo mercado de habitação e de arrendamento, e para que voltemos a ter valores de rendas mais acessíveis, é que não atrapalhe: mantenha a estabilidade e a fiscalidade e verá que haverá mais habitação, mais acessível no mercado.Rute Xavier, Professora da Católica Lisbon School of Business & Economics.
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics