Organismo europeu acusa PSP e IGAI de tolerância ao racismo
02-10-2018 - 09:23

Relatório elogia o trabalho feito nos últimos anos, mas aponta também várias críticas.

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A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância acusa a hierarquia da PSP e a Inspeção-geral da Administração Interna de serem tolerantes ao racismo, e pede que a polícia pare de relativizar a violência contra negros e ciganos.

No seu relatório sobre Portugal, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, na sigla em inglês) elogia o trabalho feito nos últimos anos, mas aponta também várias críticas, muitas delas relativamente à atuação das autoridades policiais.

Referindo-se ao “caso grave de alegada violência racista” que se passou na esquadra da PSP de Alfragide, em 2015, e que resultou na acusação de 18 agentes, a ECRI não tem dúvidas em afirmar que existe “um racismo institucional profundamente enraizado nesta esquadra da polícia, que tem jurisprudência sobre vários bairros densamente habitados por pessoas negras”.

Por outro lado, também não hesita em dizer que esse caso demonstra a “tolerância do racismo pela hierarquia da polícia e pela IGAI”.

Para a ECRI, tanto a PSP como o Ministério Público deveriam assegurar que “má conduta deste tipo não possa repetir-se”, devendo, para isso, a polícia “mudar a sua atitude e conduzir, de forma pró-ativa e eficaz, investigações internas a qualquer conduta alegadamente racista, homofóbica ou transfóbica de agentes da polícia”.

A ECRI defende, também, que a PSP deve “parar de relativizar a violência grave contra as pessoas negras e os ciganos”, bem como “pôr termo ao sentimento de impunidade que prevalece entre os seus agentes”, levando a cabo uma política de tolerância zero relativamente ao racismo, homofobia e transfobia nos seus serviços.

“Neste contexto, as autoridades deveriam igualmente considerar instalar câmaras nas esquadras e veículos da polícia, e nos uniformes da polícia para responsabilizar os agentes e impedir novos abusos”, sustenta a ECRI.

“Esta nova atitude e política de tolerância zero deveriam constituir uma forte tónica na formação inicial e contínua dos agentes da polícia”, acrescenta.

De acordo com a ERCI, há várias organizações da sociedade civil e vítimas que acreditam que outros tantos atos violentos contra pessoas negras foram igualmente motivados por ódio racial e sublinham que “o nível de brutalidade para com os afrodescendentes aumentou nos últimos anos”.

O organismo do Conselho da Europa afirma estar “particularmente preocupado” com um novo caso em investigação, em que agentes da esquadra da PSP de Alfragide são suspeitos de terem maltratado um cidadão cabo-verdiano no carro da polícia e na esquadra.

Apesar das “inúmeras” acusações graves de violência racista por parte de agentes da polícia, a ERCI refere que nenhuma autoridade faz o trabalho de reunir sistematicamente estas acusações e de fazer um inquérito eficaz para saber se são ou não verdadeiras, o que “levou ao medo e falta de confiança na polícia, particularmente entre as pessoas de origem africana”.

Para a ERCI, seria importante que fosse criado um mecanismo independente que investigasse todas as alegações de abuso e comportamentos racistas por parte da polícia, ao mesmo tempo que a PSP deveria instaurar uma política de tolerância zero ao racismo, à homofobia e à transfobia.

SOS Racismo diz que relatório do Conselho da Europa confirma prática nas forças de segurança

A associação SOS Racismo disse esta terça-feira que o relatório da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância não é uma surpresa quanto às acusações desta prática nas forças de segurança portuguesas. A SOS Racismo adianta, em comunicado, que o relatório “vem juntar-se a vários outros nacionais e internacionais que, ao longo dos últimos anos, têm deixado claro a existência do racismo no seio das forças de segurança e da sua infiltração pela extrema-direita, bem como da ineficácia da legislação de combate contra o racismo e ainda da falta de independência dos órgãos responsáveis pelo combate contra o racismo”.

A ECRI acusa a hierarquia da PSP e a Inspeção-Geral da Administração Interna de serem tolerantes ao racismo e pede que a polícia pare de relativizar a violência contra negros e ciganos. “O que este relatório da ECRI demonstra é que qualquer alteração legislativa que não vá no sentido da criminalização do racismo – o caminho para uma maior capacidade dissuasiva e uma melhor e efetiva proteção das vítimas – servirá apenas para reforçar o sentimento de impunidade que tem grassado na sociedade em geral e nas instituições em particular no que toca à expressão do racismo e à violência associada”, afirma a associação.

A SOS Racismo aponta que o relatório do organismo do Conselho da Europa “deixa claro que a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), a entidade nacional com competência para combater o racismo, não está à altura das suas responsabilidades, não apenas pela flagrante inoperância, mas também pela falta de independência tal como recomenda a “Diretiva Raça” e outras recomendações de entidades internacionais. nomeadamente no que respeita à sua independência”.

A associação aponta vários casos de “violência policial racista” e sublinha que “o racismo não é nem pontual, nem circunstancial, mas quotidiano e real na sociedade portuguesa”. “É por isso que as reações do Governo pela voz do ministro da Administração Interna e as declarações da inspetora-geral da Inspeção-geral da Administração Interna (IGAI) são politicamente inaceitáveis e eticamente insustentáveis face ao número de casos de violência racista perpetrada por agentes das forças de segurança, bem como o aumento do número de queixas por racismo junto da CICDR”, acusa.

A SOS Racismo afirma que, “ao contrário do que defende o Ministro da Administração Interna, a lei que foi aprovada não corresponde à exigência de maior eficácia na luta contra o racismo e nem garante a melhor proteção das vítimas do racismo. O Governo e o Estado não podem enfiar a cabeça na areia nem assobiar para o lado perante a gravidade. A associação considera que existe agora uma oportunidade de ir mais longe nestas alterações para garantir que o combate contra o racismo “não será um mero exercício de retórica, mas sim, um compromisso forte para combater a impunidade e assegurar justiça para as vítimas de racismo”.

[Notícia atualizada às 17:42]