O presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, e a sua mulher permaneceram esta terça-feira em silêncio no início do julgamento em que são acusados de peculato por usarem, "como se fosse seu", um veículo elétrico do município.
Na audiência, que decorreu hoje no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, o presidente da autarquia e a mulher, Elisa Rodrigues, disseram não querer prestar quaisquer declarações.
Já à saída do tribunal, Eduardo Vítor Rodrigues afirmou aos jornalistas que as testemunhas hoje ouvidas demonstraram que "a carta anónima que deu origem a este maravilhoso processo afinal cai por terra".
"Temos um veículo que foi adquirido na parceria com as Águas de Gaia para servir de "shuttle" no centro histórico e que alegadamente, segundo uma carta anónima, foi posto ao serviço da minha mulher e agora está-se a demonstrar, mostrando fotografias do carro caracterizado, que tudo isso é falso", salientou, criticando o facto de, em Portugal, uma carta anónima "ter o peso de um documento de Estado".
"Não vou ser eu que vou ter de provar nada, quem tem de provar é não quem escreveu a carta, mas quem suportou a carta, que é o Ministério Público (MP)", considerou, dizendo que a sua imagem foi fragilizada à época do envio da carta anónima e da consequente abertura do processo pelo MP.
"Este assunto é de 2017, ano de eleições autárquicas, foi publicitado em 2017. A produção do efeito deu-se nessa altura, agora é só para diminuir, rebaixar e fazer humilhar as pessoas", observou.
Questionado sobre a razão pela qual permaneceu em silêncio no julgamento, o autarca disse que "nesta fase não é oportuno" prestar depoimento e que o fará posteriormente.
Aos jornalistas, Eduardo Vítor Rodrigues reforçou não ter usado "em nenhum momento" os carros da autarquia para uso privado e pessoal, nem a sua mulher, destacando que a viatura em causa, um Renault Zoe, "estava caracterizado e não era possível disfarçar".
Segundo o autarca, a viatura tinha como propósito servir as populações idosas do centro histórico que, depois das obras na Avenida Diogo Leite, ficaram sem acesso próximo a transportes públicos.
"As obras no centro histórico acabaram por ser inauguradas em véspera de São João pelo primeiro-ministro, houve uma derrapagem do tempo das obras, enquanto isso não aconteceu, o presidente da câmara em vez de andar de Tesla ou Mercedes andava num Renault Zoe e utilizava-o porque ele estava afeto à presidência", afirmou, acrescentando que a partir do momento em que a marginal foi inaugurada, a viatura foi afeta àquele serviço.
Durante o julgamento foram ouvidos dois técnicos da Águas de Gaia que, entre 2016 e 2018, eram responsáveis pela frota de veículos da empresa municipal, assim como atual gestor de frota.
À juíza, as três testemunhas afirmaram que a viatura em causa não integrava a frota da empresa municipal, mas que utilizava o parque das Águas de Gaia, situado na Rua 14 de Outubro, para carregamento.
O técnico responsável pela frota à época dos factos, Filipe Pires, assegurou que durante a sua gestão não foi adquirida pela empresa nenhuma viatura elétrica e que o Renault Zoe que carregava no parque das Águas de Gaia estava caracterizado com o logótipo do município.
Também o técnico atualmente responsável pela frota, Joaquim dos Santos, assegurou que a viatura não constava, à sua entrada no cargo (maio de 2018), da frota da empresa municipal.
Joaquim dos Santos disse também recordar-se da viatura a carregar no parque municipal e de ter conversado com o condutor do veículo. O responsável assegurou também que o carro continha os logótipos da autarquia e a inscrição referente ao serviço "Shuttle on demand".
O julgamento, que chegou a estar agendado para maio, prossegue na quinta e sexta-feira.
O autarca e a mulher requereram a abertura de instrução, mas o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto pronunciou (decidiu levar a julgamento), em dezembro de 2021, o casal nos exatos termos da acusação do Ministério Público (MP), deduzida em janeiro desse ano.
O despacho de acusação do MP, a que a Lusa teve acesso, sustenta que os arguidos "decidiram usar, como se fosse seu", um veículo elétrico adquirido em regime de locação financeira por empresa municipal, na sequência de contrato de ajuste direto celebrado em 13 de outubro de 2017, "mediante o pagamento de uma renda mensal" de 614 euros.
"Em consequência desta atuação, refere a acusação, os arguidos "beneficiaram indevidamente" de 4.916 euros, valor das oito rendas da locação do veículo -- entre novembro de 2017 e junho de 2018.
O MP pede que os arguidos sejam também condenados a pagar solidariamente este valor ao Estado, correspondente à "vantagem da atividade criminosa obtida" por ambos.