Atendendo aos muitos equívocos e perplexidades que tenho constatado em torno dos relatos sobre o doloroso caso denunciado em 1999, penso ser importante ajudar a esclarecer o que na verdade testemunhei .
O cuidado e a preocupação pelas vítimas é o que nos deve mover
principalmente neste assunto e levar-nos ao seu encontro.
Lamento todo o
sofrimento que esta situação possa provocar a esta vítima em especial e a todas
as outras que conhecemos ou não.
O meu antecessor acolheu e tratou o caso em questão tendo em conta as
recomendações canónicas e civis da época e o diálogo com a família da vítima.
O sacerdote foi afastado da paróquia onde estava e nomeado para servir numa
capelania hospitalar.
Uma vez patriarca, marquei um encontro com a vítima, encontro esse que foi
adiado a pedido da mesma. Em 2019, regressado do Encontro dos Presidentes
das Conferências Episcopais da Europa sobre o tema «A proteção dos menores
na Igreja» promovida pelo Santo Padre em Roma, sobre a temática dos abusos,
pedi um novo encontro à vítima
, com quem conversei presencialmente. A sua
preocupação era a não haver uma repetição do caso, sem desejar de forma
expressa, a sua divulgação.
Não entendi, como não entendo hoje, ter estado perante uma renovada denúncia da feita em 1999. Se assim tivesse sido, a mesma teria sido remetida à Comissão Diocesana, criada por essa altura, e teriam sido cumpridos todos os procedimentos recomendados à data. Recordo que as regras e recomendações de 16 de julho de 2020 são posteriores.
Em relação ao sacerdote em causa, o mesmo foi acompanhado e até à
atualidade nunca houve qualquer denúncia ou reparo sobre o seu
comportamento moral
. Nunca ninguém comunicou, nem sob anonimato,
qualquer acusação. Aliás, as medidas cautelares previstas para estes casos visam
sobretudo a proteção de possíveis futuras vítimas, o que pode estar acautelado,
em especial quando, passados anos, nunca mais houve denúncias nem indícios.
Aceito que podemos e devemos fazer sempre melhor. Desde a primeira hora
que no Patriarcado de Lisboa dei
instruções para que a Tolerância Zero e a
Transparência Total sejam regra conhecida de todos
.
Aceito que este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados
no passado, não correspondem aos padrões e recomendações que hoje todos
queremos ver implementados.
Temos, desde o início da criação da Comissão Diocesana, a primeira no país,
tentado cumprir e fazer cumprir todas recomendações civis e canónicas.
Até à data foram encaminhadas à Comissão Diocesana do Patriarcado de Lisboa,
por mim ou diretamente pelas vítimas, 3 denúncias.
A primeira foi
acompanhada pela diocese de Vila Real, a segunda está neste momento a
corresponder ao que o Dicastério para a Doutrina da Fé decidiu
, após as
recomendações que a nossa Comissão me deu. Mal tenhamos o desfecho sobre
a mesma, será divulgado.
A terceira e mais recente que envolve mensagens inapropriadas e enviadas por WhatsApp está também em apreciação pela Comissão, que já me fez recomendações a que dei imediato seguimento.
Quanto a outras denúncias que possam existir, não temos conhecimento,
mesmo aquelas a que a Comissão Independente se refere.
Que ninguém tenha medo de denunciar. Nas Comissões Diocesanas, na
Comissão Independentemente, na PGR, na PJ, aos media, onde e junto de quem
se sentirem mais seguros.
Peço a Deus que encoraje, fortaleça e proteja os que nas suas vidas tenham
sofrido estes crimes.
Desejo ter ajudado cada leitor desta carta a aproximar-se da verdade que todos
desejamos. Verdade que as vítimas nos exigem e merecem.
Lisboa, 29 de julho de 2022
D. Manuel Clemente
Cardeal-Patriarca de Lisboa