Se Diogo Lacerda Machado, consultor e amigo do antigo primeiro-ministro, influenciou António Costa em assuntos de governação, o Ministério Público não conseguiu apresentar indícios. Esse é o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, num acórdão que não está diretamente ligado à certidão extraída da Operação Influencer, aquela onde António Costa está a ser investigado. O documento, conhecido esta quarta-feira e consultado pela Renascença, é uma resposta ao recurso do Ministério Público que queria ver os arguidos da Operação Influencer com medidas de coação mais gravosas. Mas não conseguiu.
Termo de identidade e residência passou a ser a única medida de coação para os arguidos Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária (que estavam também impedidos de viajar). Além disso, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que “os factos apurados não são, só por si”, crime. Ou seja, os juízes afastaram os indícios do crime de tráfico de influências.
Sobre António Costa, também há uma palavra no acórdão – apesar de o antigo primeiro-ministro não ser arguido no processo. Não há indícios (ou, pelo menos, o Ministério Público não conseguiu apresentá-los) de que Diogo Lacerda Machado tenha exercido influência sobre o então primeiro-ministro, seja sobre a construção do Data Center em Sines, seja "sobre qualquer outro assunto da governação”.
A Operação Influencer está relacionada com a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines e investiga um alegado favorecimento para instalar, naquela região, um centro de armazenamento de dados digitais, em terrenos que incluem Zona Especial de Conservação.
“O único facto concreto protagonizado pelo primeiro-ministro foi ter estado presente num evento de apresentação do projeto” do centro de dados, lê-se no documento, uma cerimónia onde estiveram também, a 23 de Abril de 2021, "o arguido Afonso Salema, o então secretário de Estado Adjunto e da Energia João Galamba e o então ministro da Economia Pedro Siza Vieira”.
De resto, no acórdão questiona-se se de "uma relação de amizade com um membro do governo", "claramente assumida" por ambos, tem de resultar "a conclusão inexorável de que houve tráfico de influências, ou corrupção ativa ou passiva, ou prevaricação?"
Para que a resposta fosse positiva, conclui-se que era "essencial" que o MP "tivesse descrito algum comportamento objetivo do primeiro-ministro passível de mostrar alguma recetividade ou predisposição para ouvir e acatar o que o seu melhor amigo teria para lhe dizer".
Essa recetividade poderia ter sido demonstrada em várias matérias, desde "decisões sobre políticas públicas e medidas legislativas no ambiente", passando por questões ligadas com o Data Center, "ou sobre qualquer outro assunto da governação e tal não aconteceu".
O que também não consta da narração do MP é uma "circunstância concreta relacionada com a forma de agir" de António Costa "de que possa retirar-se, ainda que só por dedução lógica", que alguma vez tenha "pedido opinião ao seu melhor amigo para escolher ou demitir ministros ou secretários de Estado", ou que tenha mostrado alguma abertura a Lacerda Machado "para ouvir as opiniões que este porventura tivesse sobre o elenco governativo".
Diz ainda a Relação que seria "essencial" que o MP tivesse conseguido descrever de "forma empírica, objetiva, alguma situação, facto ou comportamento" imputável a Lacerda Machado, dirigido a Costa, no sentido de "tentar fazer com que este escolhesse este ou aquele ministro" ou que o levasse a agir em assuntos da governação "num ou noutro sentido escolhido por ele, arguido Digo Lacerda Machado".
Lacerda Machado e Escária já podem viajar
Com esta decisão da Relação, os arguidos Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária – os únicos que apresentaram recurso — deixam de estar impedidos de viajar para o estrangeiro.
Ainda sobre os indícios de crime, os juízes defendem que se eles existissem (e consideram que não existem) não haveria perigo para o processo, como fuga dos arguidos ou perturbação de inquérito e, portanto, não há sustentação para o agravamento das medidas de coação — pelo menos, à data dos primeiros interrogatórios judiciais, altura em essas mesmas medidas foram decretadas.
"Este Tribunal decidiu julgar improcedente o recurso do Ministério Público e procedentes os recursos interpostos pelos arguidos. Em causa nestes autos estavam as medidas de coação impostas a cinco arguidos individuais e uma arguida pessoa coletiva sendo que o Ministério Público pretendia o agravamento das mesmas e os arguidos recorrentes a sua revogação", lê-se no documento.
O tribunal concluiu também que "os factos apurados não são, só por si, integradores de qualquer tipo criminal", o que significa que afastou os indícios do crime de tráfico de influências.