A candidata presidencial Ana Gomes afirmou esta quinta-feira que primeiro-ministro e Presidente da República têm de tirar conclusões sobre a atuação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no caso do cidadão ucraniano que morreu no aeroporto de Lisboa.
Ana Gomes assumiu esta posição em declarações à agência Lusa e à Antena 1, depois de questionada se o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, tem condições para permanecer no Governo na sequência deste episódio que envolveu inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Falando no final da sessão de apresentação de Isabel Soares como mandatária nacional da sua candidatura presidencial, na Casa de Imprensa, em Lisboa, Ana Gomes considerou que "essa questão" da permanência de Eduardo Cabrita no Governo "tem de ser avaliada pelo primeiro-ministro", António Costa, "mas também pelo Presidente da República", Marcelo Rebelo de Sousa, "que não ouvimos até hoje pronunciar-se sobre este tristíssimo episódio".
"Este é um episódio que nos magoa e que macula a nossa democracia. Espero que Assembleia da República não deixe de assumir as suas responsabilidades, procurando que se tirem conclusões políticas sobre o que se passou. Mas, no que respeita a saber quais são essas conclusões, isso deixo à Assembleia da República e ao senhor primeiro-ministro", respondeu.
Neste contexto, a ex-eurodeputada socialista acentuou que, se for eleita Presidente da República, "fará a diferença" em termos de ação em relação a este tipo de casos relacionados com o respeito absoluto dos Direitos Humanos.
"Farei a diferença não me eximindo a pronunciar-me sobre coisas realmente importantes. Quem é Presidente da República tem de selecionar aquilo em que intervém, sobre o que fala, sobre aquilo que chama a atenção em relação a outros órgãos de soberania, sempre com lealdade e franqueza, quer pela via privada, quer pela via pública", advogou.
Para Ana Gomes, "este gravíssimo episódio com o SEF é, exatamente, um daqueles que exigia uma intervenção pedagógica por parte do Presidente da República".
"Uma intervenção pedagógica para a sociedade em geral, mas também para os órgãos mais relevantes, tendo em vista que uma situação destas não se volte a repetir", completou.
Ana Gomes frisou depois que não se pode ignorar que Portugal "está nas bocas do mundo por causa de um episódio tristíssimo".
"Muitos de nós, durante a escura noite, no anterior regime sinistro, tivemos de percorrer as prisões para ir visitar familiares. Mas nunca pensámos que um episódio destes se pudesse repetir em democracia: O assassinato de um cidadão ucraniano nas instalações de uma polícia portuguesa", afirmou perante uma plateia em que tinha na primeira fila históricos socialistas como os antigos ministros como João Cravinho e Vera Jardim, que tutelou a pasta da Justiça entre 1995 e 1999, assim como advogados como Manuel Magalhães e Silva e Ricardo Sá Fernandes.
"Neste Dia Internacional dos Direitos Humanos, este episódio tem de nos fazer refletir sobre o que está mal, o que não funcionou e tem de funcionar num país que preza a democracia e que tem de estar à altura dos desafios pela liberdade e pelos Direitos Humanos que nos legou Mário Soares", declarou a ex-eurodeputada socialista.
Neste ponto, a candidata presidencial defendeu que "têm de ser tomadas medidas para que um serviço de segurança como o SEF, mas também as outras polícias, possuem realmente condições de dignidade para o exercício das suas funções. E tem de ser feito um investimento na formação dos quadros, tendo em vista que sejam serviços de segurança e polícias efetivamente com a missão de proteção dos cidadãos num contexto democrático e não sejam infiltradas por elementos com agendas racistas, xenófoba ou sem qualquer preparação psicológica".
Estas palavras de Ana Gomes foram também ouvidas pela líder parlamentar do PAN, Inês Sousa Real, pelo dirigente do Livre Rui Tavares e pelo presidente do Conselho Económico e Social (CES), Francisco Assis, mas também pelo ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que estava sentado na primeira fila da plateia.
Na quarta-feira, a diretora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Cristina Gatões Batista, demitiu-se das suas funções.
No mandato de Cristina Gatões, três inspetores do SEF foram acusados de envolvimento na morte de um cidadão ucraniano, nas instalações do serviço no aeroporto de Lisboa, a quem agrediram violentamente e que deu origem à demissão do diretor e do subdiretor de Fronteiras do aeroporto.
Segundo o Ministério da Administração Interna, o processo de reestruturação do SEF deverá estar concluído no primeiro semestre de 2021 e será coordenado pelos diretores nacionais adjuntos José Luís do Rosário Barão - que agora assume o cargo de diretor em regime de substituição - e Fernando Parreiral da Silva.
Estas mudanças surgiram na sequência do caso da morte de Ihor Homenyuk, pela qual já foram acusados três inspetores de homicídio qualificado.
Em 16 de novembro, Cristina Gatões admitiu que a morte do cidadão ucraniano resultou de "uma situação de tortura evidente".
Como resultado de um inquérito aberto pela Inspeção-Geral da Administração Interna foram instaurados oito processos disciplinares a elementos do SEF.