A BBC fala num ponto de viragem histórico, os analistas nas eleições mais renhidas em décadas na Turquia.
Depois de uma campanha assente na crise económica e em reformas institucionais, este domingo, cerca de 85 milhões de turcos são chamados a eleger o Parlamento e o Presidente.
Milhares de eleitores que vivem no estrangeiro já votaram, caso de Orhun Ayar, estudante de Engenharia Mecânica na Faculdade do Porto (FEUP), que há uma semana foi a Lisboa para poder votar na embaixada.
"O AKP [partido do atual Presidente] está no poder há 21 anos, penso que conquistaram a sua primeira maioria parlamentar em 2002, e desde então muito mudou, sobretudo em anos recentes, as coisas não têm estado fáceis, em termos económicos, políticos, no sistema judicial...", começa por explicar à Renascença.
Recep Tayyip Erdogan, o atual Presidente, candidata-se a um terceiro mandato, quando a Constituição apenas permite dois consecutivos. O seu principal rival, Kemal Kiliçdaroglu (CHP), promete abandonar a presidência ao final de um. As sondagens mais recentes indicam que nenhum conseguirá conquistar o mínimo de 50% de votos para evitar uma segunda volta.
"A economia foi definitivamente a força motora destas eleições", assegura Orhun. "Quando a economia piora e as pessoas não conseguem pôr a comida na mesa, aí é que as coisas mudam em termos de partidos no poder ou de sistema político."
Kiliçdaroglu promete "separar poderes"
Com a inflação a rondar os 50% e salários estagnados no público e no privado, muitos turcos enfrentam cada vez mais dificuldades em comprar bens essenciais e pagar as contas -- o que, para o estudante turco, explica em parte porque é que Kiliçdaroglu pode vencer a primeira volta sem maioria.
"Erdogan tem estado a debater-se com isso, porque é resultado de uma política dele, nem sequer do partido dele mas dele mesmo. Quando a inflação sobe, tendes a aumentar as taxas de juro, mas na Turquia ele decidiu baixar os juros e a inflação explodiu. E essa inflação tem efeitos terríveis em tudo, no valor da lira, para os produtores, as pessoas não conseguem pagar as contas... Estamos numa crise económica generalizada na Turquia, por causa da estratégia pouco ortodoxa que ele seguiu."
Orhun vive há um ano e meio no Porto e passou as últimas semanas atento a todas as sondagens e notícias da campanha, sempre em contacto com outros amigos expatriados.
"Tenho muitos amigos turcos que vivem no estrangeiro e muitos escolheram sair por causa do falhanço económico na Turquia, decidiram fugir. Foi uma decisão económica e, nas últimas semanas, com a campanha, nenhum tem conseguido trabalhar, tudo o que fazemos é falar do que vai acontecer e de quem vai ganhar."
E se ganhar Erdogan? "Muito do que discutimos é o que vai acontecer se Erdogan ganhar novamente", reconhece Orhun. "Toda a gente está farta e já não aguenta isto, portanto se isso acontecer acho que as pessoas vão simplesmente deixar de seguir política, daí ser muito importante que todos sigam com atenção, especialmente os que estão fora."
Se for eleito, Kiliçdaroglu promete alterar o sistema político turco, "pôr a casa em ordem" e ao final de um mandato retirar-se da política.
"O regime de um homem não está a funcionar, o problema no sistema parece ser que todas as forças estão concentradas num único homem. Nos EUA, por exemplo, tambêm têm um sistema presdencialista, mas é possível ver claramente a divisão de poderes em termos do sistema judiciário, do Parlamento, têm muitos mecanismos de controlo, e na Turquia não é assim", explica Orhun Ayar.
"O Presidente controla tudo neste momento, é ele quem nomeia as pessoas para o judiciário, para o sistema económico, para as Finanças, para o departamento ambiental. E o que o partido da oposição promete é retirar-se do sistema, cancelar isto. [Kiliçdaroglu diz] 'Vamos voltar a um sistema parlamentar, com um chefe de Governo, o primeiro-ministro, e um chefe de Estado, o Presidente'."
Questionado sobre o impacto que o voto jovem pode ter a favor ou contra Erdogan, o estudante diz acreditar que os jovens podem fazer pender a balança a favor da oposição ao AKP.
"Os jovens vão ter impacto. Tanto quanto sei, há quatro ou cinco milhões de pessoas que vão votar pela primeira vez nestas eleições. Não tenho a certeza dos números, mas é próximo disso. E creio que têm um ponto de vista mais crítico, já nasceram neste sistema, comparam-no com outros países, europeus, os EUA, países prósperos, e veem os problemas dentro do sistema."
Receios pós-eleições
Na sexta-feira, a dois dias da ida às urnas, Erdogan comparou o cenário eleitoral ao da tentativa de golpe de Estado de 2016, prometendo defender "a independência e o futuro do país" como fez nesse ano.
“Se for necessário, tal como na noite de 15 de julho (de 2016, data do golpe falhado), defenderemos a nossa independência e o nosso futuro, inclusive com as nossas vidas”, declarou o chefe de Estado turco na rede social Twitter.
Analistas e alguma oposição levantaram a hipótese de Erdogan poder resistir a reconhecer uma eventual derrota, como o seu AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, islamista conservador) fez em 2019, quando perdeu a presidência de câmara de Istambul. Sobre isso, o recandidato à presidência garantiu na sexta à noite: "Se a nossa nação decidir de outra forma, farei o que a democracia exige."
Um dos grandes receios de Orhun, dada a quase certa segunda volta, é o que pode acontecer entre este domingo e o dia 28 de maio, data do segundo turno.
"Há uns anos, numas eleições em que nenhum candidato conseguiu a maioria dos votos e nenhum partido conseguiu formar maioria parlamentar, nos meses entre a primeira e a segunda volta assistimos a uma série de atividades terroristas na Turquia. Nada está provado, mas muita gente acredita que foi o AKP a manipular [a realidade] para consolidar eleitores. Houve quatro ou cinco explosões, incluindo em Istambul e Ancara, e isso levou as pessoas a dizerem 'Vamos ter uma crise no país, temos de optar pelo partido mais conservador'. E o partido de Erdogan conseguiu a maioria. Há muita gente com medo de enfrentar um cenário semelhante desta vez."