Rui Pinto admite ter cometido atos ilegais e que tenha de responder por eles, mas acusa a Justiça portuguesa de perseguição e de ter uma postura violenta e vingativa contra ele.
O alegado pirata informático, que está detido preventivamente há sete meses, enviou uma mensagem escrita à Renascença para um debate sobre proteção legal de denunciantes, organizado pelo programa "Em Nome da Lei", que esta semana foi gravado na Web Summit.
Na mensagem, lida pelo seu advogado, Francisco Teixeira da Mota, Rui Pinto diz ser um denunciante de factos ilícitos que merece proteção legal, mas acrescenta que, "face a tudo o que tem acontecido neste processo", tem "sérias dúvidas" de que terá um julgamento justo em Portugal.
"Aceito perfeitamente que, à luz do ordenamento jurídico português, alguns dos meus atos sejam considerados ilegais e irei responder por isso. Mas não posso aceitar esta perseguição e esta postura violenta e vingativa por parte do Estado português. Encontro-me há sete meses preventivamente detido, seis dos quais em regime de isolamento, sem que tivesse tido qualquer interação com outros detidos. Não matei nem roubei. Face a tudo o que tem acontecido neste processo, tenho sérias dúvidas de que terei um julgamento justo. De qualquer forma, irei lutar com todas as minhas forças para fazer valer a minha posição. Sou apesar de tudo um denunciante, um 'whistleblower' que serviu o interesse público ao expor graves ilegalidades e atos de corrupção [no mundo do futebol]"
Francisco Teixeira da Mota diz que o seu cliente não só não está a ter proteção legal enquanto denunciante, como está a ser tratado "pior do que um vulgar criminoso". O advogado fala em "encarniçamento" da Justiça em relação ao seu cliente, referindo que não há memória de alguém, além de Rui Pinto, estar detido preventivamente por tentativa de extorsão.
Dos 147 crimes de que o português está acusado, apenas a tentativa de extorsão tem a moldura penal exigida para poder ser decretada prisão preventiva. No entanto, refere Teixeira da Mota, não há memória de outro suspeito do mesmo crime ser alvo da mesma medida de coação.
O advogado lembra que o responsável pela Doyen Sports foi constituído arguido em Espanha, por causa das denúncias feitas através da plataforma Football Leaks. Já em Portugal, contrapõe, quem está a ser perseguido pela Justiça é Rui Pinto.
Apesar disto, Francisco Teixeira da Mota acredita que a colaboração de Rui Pinto com outras polícias europeias poderá acabar por ter reflexos positivos no processo em Portugal.
Já Ana Gomes, defensora de um regime de proteção legal de denunciantes, afirma que a perseguição judicial a Rui Pinto tem por base a queixa de um fundo que nem sequer tem sede nem paga impostos em Portugal e que, a par disso, tem por trás uma organização mafiosa.
A ex-eurodeputada eleita pelo PS diz que não é apenas o Ministério Público que está a perseguir o denunciante enquanto protege o denunciado. Ana Gomes lembra que o atual secretário de Estado da Administração Interna, Antero Luís, assinou recentemente, enquanto juiz do Tribunal da Relação de Lisboa, uma decisão judicial onde considera a Doyen Sports uma "entidade idónea".
Neste contexto, Teixeira da Mota recorda que, no mandado europeu de detenção, ao abrigo do qual Rui Pinto foi extraditado da Hungria para Portugal em março, constava o crime de ofensa à pessoa coletiva – quando esse é um crime que depende da queixa do ofendido, no caso a Doyen, que a deixou cair.
No mesmo debate da Renascença, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público recusou-se a falar sobre o caso de Rui Pinto, mas lembrou que defende há muito o reforço e o alargamento do direito premial, que confere atenuantes aos arguidos que colaborem na investigação e ajudem a descobrir a verdade.
António Ventinhas considera muito positivo que pessoas com um passado de luta pelos direitos, liberdades e garantias estejam hoje a defender a proteção dos denunciantes, porque durante anos a delação esteve associada à PIDE, o que fez com que ganhasse uma conotação negativa na sociedade.
O sindicalista diz concordar com a magistrada Maria José Morgado, que dedicou grande parte da sua vida profissional ao combate à corrupção, quando diz que "um dos obstáculos no combate à corrupção em Portugal é a legislação frouxa de proteção dos denunciantes".