Em defesa da liberdade religiosa. “Temos de estar dispostos a levar na cabeça”
07-08-2018 - 08:00
 • Filipe d'Avillez

Um país em que todas as agências de adoção católicas tiveram de fechar e em que políticos foram obrigados a resignar por defender valores cristãos. O Reino Unido está na linha da frente na luta pela liberdade religiosa e de consciência, explica o lorde David Alton.

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Em 2017, o líder do terceiro maior partido do país teve de se demitir depois de uma polémica. O seu crime? Dizer que acreditava, pessoalmente, que os atos homossexuais são pecado.

Trata-se de ortodoxia cristã elementar, mas Tim Farron, até então líder do Partido Liberal Democrata, acabou por concluir que a fidelidade a Cristo era incompatível com a liderança partidária.

Já este ano, no mais recente caso de atentado à liberdade de consciência, o capelão católico da Universidade de Glasgow foi despedido por ter presidido a um encontro e oração de desagravo por causa de uma marcha de “orgulho gay” na Universidade, apesar de o encontro ter decorrido na paróquia do sacerdote, exterior à Universidade.

O Reino Unido está, em vários sentidos, na linha da frente no conflito que opõe valores emergentes a tradicionais e que tem levado os crentes a sentir-se encurralados. A Renascença falou sobre estes assuntos com David Alton, da Câmara dos Lordes, que tem sido um dos grandes defensores da liberdade de consciência naquele país.

A liberdade religiosa e a liberdade de consciência estão sob ameaça na Europa ocidental?

O artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, insiste que toda a gente tem o direito a crer, a não crer, ou a mudar as suas crenças. Estes três elementos estão todos sob ataque tanto aqui em países como o Reino Unido, onde as pessoas são discriminadas, ou em países como a Arábia Saudita, ou a China, onde é impossível seguir as suas crenças como gostaria, e onde existe perseguição aberta.

Está a dizer que o que se passa na Europa é tão grave como o que se passa nesses países?

Seria absurdo dizer que é tão difícil ser cristão no Reino Unido como na Coreia do Norte, claro que não é o caso, mas ainda assim temos de ter cuidado com a erosão dos nossos direitos fundamentais.

Os ataques são de natureza diferente. Vemos um aviso no despedimento de duas parteiras escocesas que se recusaram a colaborar com abortos. Elas dizem que a sua vocação é de ajudar bebés a nascer, e não a matar. O resultado é que foram despedidas. Se fossem médicas, estariam protegidas pela cláusula de proteção de objeção de consciência, mas como não são, não estavam. Penso que precisamos de fortalecer as nossas leis para que a consciência prevaleça sempre neste tipo de situações.

No Reino Unido houve uma situação com as agências de adoção católicas, que tiveram de fechar, ou desvincular-se da Igreja, quando se aprovou a adoção por homossexuais. Estes são o tipo de situações que ameaçam a liberdade de consciência?

Sim, e a sociedade perde muito quando discrimina contra as comunidades religiosas porque não aceita que elas possam ter uma visão diferente sobre algo como o casamento ou a adoção. Estamos a falar de questões fundamentais, que afetam as pessoas de forma muito pessoal, e temos de aprender a viver e a deixar viver.

Forçar as agências de adoção a fechar prejudica as crianças, torna-se parte de uma ideologia, a mais recente das quais é a ideologia de género. Penso que temos de ser firmes na oposição a estas coisas, dizendo que temos de aprender a viver lado-a-lado de forma respeitosa. É a dignidade da diferença.

Recentemente houve casos com dois políticos britânicos. Tim Farron acabou por resignar como líder dos liberais democratas por se opor pessoalmente à homossexualidade, e Reese Mogg foi muito criticado por ter dito que é contra o aborto, numa entrevista. Será que se está a tornar mais difícil, ou mesmo impossível, exercer um cargo público e deter crenças religiosas?

Bom, a situação varia. Estamos a conversar no terraço do Parlamento. Há 200 anos estava aqui um homem, o mais jovem membro da Câmara dos Comuns, que foi criticado por tentar impor as suas posições cristãs à sociedade. Chamava-se William Wilberforce e era contra a escravatura.

Levou-lhe 40 anos a desafiar a ideia de que as pessoas têm o direito a escolher possuir outro ser humano simplesmente por causa da cor da sua pele. Se ele tivesse aceitado a crítica de que não tinha qualquer direito a defender as suas crenças no Parlamento, talvez ainda houvesse escravatura.

Em cada geração é preciso estarmos dispostos a levar na cabeça. As pessoas podem não gostar do que temos para dizer, mas isso não significa que esteja errado. A beleza da democracia é que temos de vencer as discussões. Porque é que os nossos opositores têm tanto medo de escutar os nossos argumentos? Porque é que insistem que alguém como o Tim Farron não deve poder liderar um partido político por causa da sua fé? Porque é que insistem que o Jacob Reese-Mogg não devia estar no Parlamento como deputado do Partido Conservador, porque se opõe ao aborto? Se são a favor da escolha, então que também estejam dispostos a ouvir posições alternativas e a deixar as pessoas escolher quem querem apoiar.

Penso que isto revela medo por parte das pessoas que se opõem aos valores representados por homens como Tim Farron e Jacob Rees-Mogg.

Em termos de proteção de consciência e de valores tradicionais, Bruxelas é um obstáculo ou um aliado?

Depende muito do assunto. Se pensarmos em questões como a embriologia humana, as nossas leis – que permitem a destruição de embriões humanos ao longo dos primeiros 14 dias de vida – já levaram à destruição de dois milhões de embriões humanos. Até permitimos a criação embriões híbridos de animais com humanos. Isto é algo que é proibido na maioria dos países da União Europeia e que não é facilitado pela União Europeia.

Vejamos também a lei do aborto. Nós permitimos o aborto até, ou mesmo durante, o nascimento, para bebés com deficiências, ou até às 24 semanas de gestação noutras situações. O limite médio na União Europeia é de cerca de 12 semanas. Mas se olharmos para a Eutanásia, a Holanda e a Bélgica têm leis muito permissivas. Na Holanda morrem, todos os anos, 4.000 pessoas por causa da Eutanásia, mil das quais sem o consentimento dos doentes. No Reino Unido isso é proibido.

Por isso este é um debate que decorre a vários níveis em diferentes jurisdições. Não se trata de ser europeu ou de ser britânico, é sobre mantermo-nos firmes na crença de que cada Ser Humano é feito à imagem de Deus e por isso é merecedor da nossa proteção.