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O diretor-executivo da Groundforce Portugal anuncia um saldo negativo nas contas do 1º semestre de 2020. Em entrevista à Renascença, Paulo Neto Leite admite o risco de insolvência de algumas empresas de “handling” e defende, claramente, o prolongamento do regime excecional de “lay-off”.
A Groundforce tenta evitar despedimentos, mas há contratos a termo a ser analisados caso a caso, afirma o gestor. Quanto à situação TAP, remete o tema para os acionistas.
De uma forma geral, que leitura faz deste momento e dos riscos para o setor do “handling” em Portugal, face a esta paralisação quase total no transporte aéreo de passageiros?
Vivemos num momento em que todos estamos à espera que o setor da aviação volte ao seu estado mais próximo do normal. A nossa atividade reduziu substancialmente. Era suposto estar com 220 movimentos por dia no aeroporto de Lisboa; cada movimento corresponde a uma chegada e uma partida. Nesta altura estamos com 13 movimentos o que nos dá uma ideia da redução. Estamos preocupados como é óbvio, mas a olhar para alguns sinais de empresas que estão a retomar, o que é importante.
Existe o risco de não sobrevivência de algumas empresas?
Há e não há; passo a explicar porquê. Acho que há, porque nenhum setor suporta de forma continuada uma redução de mais de 90% da sua atividade; nenhuma empresa está preparada para isso. Por outro lado, este é um setor de suporte da economia nacional. O peso do turismo no PIB [Produto Interno Bruto] andará à volta dos 20% e isto é uma peça-chave para boa parte da economia nacional, portanto, estou certo que serão encontradas medidas para suportar o setor.
E a Groundforce vai sobreviver?
Não vejo nenhuma razão para que não sobreviva. Temos tempos difíceis pela frente, como é óbvio, já os passamos agora, mas estou certo que o regulador e o Governo vão encontrar medidas para permitir que o setor continue a suportar a economia. Trata-se de um setor muito particular. Não desmerecendo outras atividades, este é um setor em que, da noite para o dia, não arranjamos 150 repositores para abrir uma loja. Por questão de segurança e de procedimentos, para poder desempenhar as suas funções um trabalhador tem mês e meio de formação. É um setor que tem que ser olhado numa lógica de médio e longo prazo, porque, se tivermos uma redução muito significativa da nossa força de trabalho, a recuperação não será imediata e pode levar bastante tempo.
À data de hoje, quantos são os trabalhadores em “lay-off” e quantos estão em atividade plena nos aeroportos?
Temos neste momento cerca de 2.300 trabalhadores em “lay-off” e 324 pessoas estão a trabalhar nas operações, a garantir os poucos voos que existem e que têm sido crescentes. Todos os dias vão aparecendo voos novos.
Até ao final de junho haverá trabalhadores em “lay-off” na Groundforce?
Estamos ainda à espera da movimentação do mês de junho, mas ficará aquém do que se pode considerar um cenário animador. Estamos a avaliar, mas sim, esse é um cenário que estamos a equacionar.
Acha que Governo deve prolongar o regime simplificado de “lay-off”, como já foi implicitamente admitido pelo Presidente da República?
Eu não sei se o deve fazer para todos os setores ou não; cada qual deve avaliar. Mas como é óbvio, o setor da aviação e todos os setores satélites no ecossistema têm pela frente uma redução de mais de 90% da sua atividade face ao esperado. Portanto, é mais do que normal e razoável que seja prolongado para que permita retomar uma atividade normal.
Certamente, a Groundforce já tem um “plano B” laboral. Esse plano prevê a dispensa de trabalhadores?
Não é uma questão de “plano B”. Pela especificidade do setor, pela sua relevância na economia nacional, acredito que serão encontradas soluções para preservar o maior número de postos de trabalho.
Mas está em condições de garantir que não haverá despedimentos?
Estamos a fazer tudo para que não haja e crentes na retoma, mas há um ponto fundamental: as fronteiras têm que ser abertas. Neste momento, temos voos para muitas cidades, mas só podem viajar cidadãos residentes. Os únicos destinos que não impõem restrições a passageiros são Londres, Amesterdão e Viena. Isto tem que acabar; temos que encontrar o espaço e a forma para devolver a confiança e volte a haver movimentos. Os que há são insuficientes e precisamos de mais movimentos para setor começar a dinamizar-se.
Permita-me que insista nas questões laborais. Há contratos a termo na Groundforce que não serão renovados?
Cada caso é um caso e existem limitações legais que decorrem do regime de “lay-off”. Estamos a ver caso a caso, com a Segurança Social; estamos a analisar, mas repare que o aeroporto do Porto, que habitualmente tem 60 movimentos diários, está com 16 movimentos semanais. Nós estamos a reinventar-nos e a ver como nos podemos organizar para fazer face a esta quebra tão grande de volume de trabalho e de receitas.
Certamente já tem na sua posse os resultados do mês de abril. Qual foi o valor de faturação e que significado tem esse valor quando comparado com a faturação prevista antes da crise pandémica?
Nós tínhamos uma previsão de 13,3 milhões de euros em abril e a faturação foi de cerca de 400 mil euros.
O primeiro semestre será, previsivelmente, para fechar com saldo negativo, podemos dizer assim…
Não é previsivelmente, será de certeza com saldo negativo, porque desde março fomos severamente afetados. Janeiro e fevereiro são meses muito fracos no setor, embora tenham ficado acima do planeado. É em março e abril que o setor recupera movimento e, como é óbvio, o primeiro semestre será fortemente negativo para a empresa.
E o valor faturado foi recebido na totalidade, há atrasos nos pagamentos, ou até receio de não pagamento de serviços prestados?
É um valor que estamos a gerir e não há qualquer questão quanto a isso. Acho que todo o setor está a ser bastante solidário e entende que esta é uma altura em que todos temos que dar o nosso melhor. O que é crítico aqui é que o valor da faturação está substancialmente abaixo do que estava planeado e dos nossos custos.
A Groundforce também tem os seus próprios fornecedores. Até que ponto tem conseguido assumir esses compromissos?
Temos conseguido fazê-lo na medida do possível; não temos qualquer questão nessa matéria.
A renegociação das rendas que a Groundforce paga à ANA – Aeroportos de Portugal já está a está a ser feita?
O regulador chamou a si algumas questões que têm a ver com pacotes do setor e eu entendo que desse pacote farão parte algumas questões de negociação com a própria ANA. Aguardamos o que o Governo e o regulador podem fazer para ajudar o setor. Pela nossa parte estamos a dar o melhor para garantir que continuamos a operar a toda a força, quando tudo isto retomar. A ANA e as outras empresas também estarão a fazer o seu papel.
De uma forma mais geral, as propostas que a Groundforce apresentou à Autoridade Nacional de Aviação Civil já obtiveram alguma resposta? Pode concretizar um pouco mais sobre o conteúdo dessas propostas?
Não, ainda não obtivemos qualquer resposta. Algumas são questões muito específicas do setor, mas têm essencialmente a ver com o aliviar da tesouraria e diferimento de pagamentos. Mas também a ver com alguma razoabilidade nas cobranças por parte dos donos das infraestruturas aeroportuárias. Há custos que tenho com parques de estacionamento e espaços nos aeroportos que não estou a ocupar. Todos temos que ser chamados a contribuir para uma solução para o setor.
Há poucas semanas, o PCP propôs na Assembleia da República a recuperação do controlo público da Groundforce, defendendo que todos os apoios públicos a fundo perdido, necessários à amortização dos impactos da paragem forçada na atividade, fossem convertidos em capital social do Estado. No fundo, uma nacionalização. Como reage a esta proposta?
Sou um executivo da empresa e não tenho que reagir a questões que são do foro dos acionistas. Não tenho nenhum comentário a fazer quanto a esse aspeto.
Se o Estado reforçar a posição acionista na TAP, indiretamente estará a reforçar a presença na Groundforce…
Não sei em que moldes estão a ser pensadas as questões para a TAP. Eu olho para a TAP como para todos os meus clientes. Todos os dias há notícias sobre ajudas que os Estados e a União Europeia estão a dar às empresas do setor aéreo. Todas elas, a Lufthansa, a Britsh Airways, a Iberia, Airfrance, KLM. Olho para elas como a esperança de que estamos a resolver o setor. Há uma coisa que lhe garanto; nós não vamos voltar a viajar para Nova Iorque nem para São Paulo de barco. O setor da aviação vai continuar a existir e estamos a lutar por isso.
Mas a situação na TAP, com tudo quanto se tem ouvido dizer, designadamente por diferentes membros do Governo, está a condicionar o futuro da Groundforce, nomeadamente ao nível do investimento?
Não tenho que comentar a situação na TAP. O que condiciona muito mais as opções da Groundforce é o condicionamento dos espaços aéreos em cada país. Para mim, é a maior questão. Enquanto não for permitido voar para Espanha ou para os Estados Unidos, é o mesmo que não termos voos nem passageiros. Deixem-nos voar. Sei que todos os países estão a perceber isso e é a nossa maior preocupação.
Estaria disponível para se manter aos comandos da Groundforce na eventualidade de a empresa passar para o controlo do Estado?
Como é óbvio, não lhe vou responder a essa questão. É um tema que eu vejo em cada momento e com os acionistas. Sou um executivo, estou a fazer o meu trabalho, a servir a empresa e tenho muito orgulho em aqui estar. Somos uma empresa com uma massa humana muito forte e muito orgulhosa do trabalho feito até agora.
Mas, em tese, vê a Groundforce mais como empresa privada do que pública?
É um tema que não me diz respeito. Tenho acionistas e cabe-lhes tomar essas decisões. Acho que a empresa tem feito um percurso notável nos últimos anos. Tem uma performance muito boa que lhe está a permitir ultrapassar este momento com alguma serenidade e com decisões ponderadas; acho que isso é um excelente cenário, reflexo do trabalho que está a ser feito.
Há alguns meses a Groundforce apresentou uma queixa-crime contra elementos da comissão de trabalhadores, depois de esta ter acusado a empresa de agir de forma persecutória contra uma alegada lista de grevistas. O que me pode dizer sobre esse processo?
O processo está a seguir os seus trâmites normais. Nós sentimos que não estavam a ser respeitadas algumas questões e tomámos essa medida, mas não comento processos que se estão a desenrolar e seguem o seu rumo normal.
As indefinições sobre o aeroporto do Montijo, de que forma o estão a preocupar?
A minha grande preocupação neste momento é o aeroporto Humberto Delgado estar vazio. É um aeroporto em que o número de voos é muito reduzido e é a preocupação que me toma grande parte do tempo nesta altura.
Mas a Groundforce quer estar presente nessa nova infraestrutura aeroportuária…
Já o afirmámos, mas a nossa preocupação maior agora é saber como e quando vamos retomar a atividade normal. Esse é o tema que preenche não apenas a Groundforce, mas todas as empresas que gravitam à volta do setor aeroportuário.
Voltando ao tema da retoma da atividade. Como está a ser planeada? Tem falado com as companhias aéreas?
Tenho falado todos os dias com várias companhias aéreas. Nós temos que fazer planeamento dos movimentos, por várias questões. Temos demonstrado toda a disponibilidade para nos adaptarmos aos planos das companhias e vemos como muito positivo o retomar já, por parte de algumas delas.
A Lufthansa reiniciou esta semana voos no Porto, a Swiss já tinha retomado, a própria TAP voltou a voar para o Porto. A Air France diz que voltará a voar para o Porto em junho. E nós estamos a planear com as companhias esse retomar dos voos.
Sobre esse esboço de retoma, que mais pode dizer?
É uma retoma muito pequenina. Sempre disse que uma das grandes questões que iriamos ter seria a da velocidade da retoma. Posso dizer-lhe que, até ao fim do mês de maio, a programação de algumas companhias aponta para voos diários. Para além da TAP, a KLM, a Air France e a Lufthansa têm já sete voos por semana, mas tudo isto é muito longe do número de voos que existiam até agora. Tudo vai depender da liberalização do espaço aéreo e dos movimentos dos passageiros.
Será possível, que no pico do verão, em finais de julho e agosto, possamos ter a Groundforce ocupada a 75% da sua capacidade de prestação de serviços ou este é um cenário demasiado otimista?
Gostava de poder telefonar-lhe na altura para lhe dizer que eu, afinal, estava enganado e você tinha razão, mas acho esse cenário demasiado otimista. 75%, não me parece, de todo. Não nos podemos esquecer que o aeroporto de Lisboa, por exemplo, tem um grande peso nos passageiros em transferência. Para haver passageiros em transferência significa que temos voos a “fullpower” para o continente americano. Esse era o grande fluxo de passageiros em trânsito que passavam pelo aeroporto de Lisboa; para retomar a atividade tem que existir isso e, até agora, viajar para os Estados Unidos só é permitido a cidadãos ou residentes. Enquanto não normalizarmos os fluxos de pessoas, muito dificilmente teremos uma recuperação a 75%.
Tem algum número em mente do que poderá ser “um bom resultado”, daqui a dois ou três meses?
Talvez as companhias aéreas possam dar essa resposta. Não está ao meu alcance fazer uma campanha para chamar mais voos para Lisboa. Sei que o próprio Turismo de Portugal está a fazer um trabalho junto das companhias e de todos. Acho que estamos a garantir que, o que for possível, vamos ter, mas não há nenhum número mágico nem nenhuma data mágica.
Paulo Neto Leite é engenheiro químico de formação, com larga experiência no setor dos serviços e consultoria. Iniciou a carreira na Andersen Consulting, tendo passado por empresas como a Sumolis e Portugal Telecom. Esteve sete anos no Brasil à frente de vários negócios, com destaque para a DEDIC GPTI, empresa de BPO Integrado com 26.000 colaboradores.
É desde 1 de julho de 2017 o presidente executivo da Groundforce Portugal, empresa detida maioritariamente pela ‘PASOGAL SGPS’ (50,1%). Os outros 49,9% pertencem à ‘TAP SGPS’.