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No Reino Unido, já há empresas a preparar contratos de trabalho com cláusula de obrigatoriedade de vacinação para a Covid-19. E outras podem, assim que as vacinas se tornem disponíveis para toda a população, vir a forçar os seus trabalhadores a tomar a respetiva dose, revelou o “Financial Times” na quarta-feira.
Estas duas portas – que prometem vir a ser objeto de disputa legal - foram abertas por Nadhim Zahawi, secretário de Estado responsável pelo programa de imunização. O governante britânico disse à “BBC”, há dias, que “depende das empresas” definir se os trabalhadores devem ter ou não passaportes de vacinação para o novo coronavírus.
Em Portugal, as empresas que procurem implementar as mesmas duas cláusulas vão ter, no mínimo, muitos entraves, de acordo com os especialistas ouvidos pela Renascença.
O bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, afirma que a “partilha de dados de saúde é completamente inviável”. Já Helena Tapp Barroso, advogada do escritório Morais Leitão e especialista em Proteção de Dados, aponta que a lei acautela algumas exceções.
O artigo 17 do Código de Trabalho, relativo à proteção de dados pessoais, refere que o “empregador não pode exigir a candidato a emprego ou a trabalhador que preste informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação”.
De acordo com Luís Menezes Leitão, as informações de saúde “são prestadas a médicos” e “o médico só pode comunicar aos empregadores se o trabalhador está ou não apto.”
Mas Helena Tapp Barroso lê o mesmo artigo do Código do Trabalho de outra forma.
O comprovativo de vacinação pode vir a ser exigido “tendo por base a natureza de certo trabalho, um que não possa ser realizado salvo de forma presencial”. “Aqui estaríamos a pensar pedir esta informação com o objetivo genérico de garantir a segurança e a saúde do trabalho, sobretudo dos outros e que frequentam o espaço”, explica.
Dados sensíveis e RGPD
O artigo nono do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) estipula a proibição de “dados relativos à saúde”, salvo “se o tratamento for necessário para efeitos do cumprimento de obrigações e do exercício de direitos específicos do responsável pelo tratamento ou do titular dos dados em matéria de legislação laboral, de segurança social e de proteção social, na medida em que esse tratamento seja permitido pelo direito da União ou dos Estados-Membros”.
Tendo por base o que afirma o RGPD, Helena Tapp Barroso diz que “parece que é admissível [a partilha de dados de vacinação], na medida em que isso seja um tratamento que esteja permitido”.
Para a advogada, este tipo de medida “teria sempre de ser articulada e integrada em termos de medidas de segurança e saúde no trabalho”. E, na teoria, não será “muito diferente” da possibilidade de medir a temperatura à entrada de uma empresa e, porventura, poderá ser “enquadrada assim”.
“Acho que, neste momento, essa exigência sem mais, provavelmente ia esbarrar nalgumas das limitações e nalgumas das proibições. Mas acho que há espaço eventualmente para isso”, diz.
Uma porta para “discriminação”
Se existe uma brecha na legislação para que, num futuro próximo, as empresas possam exigir a um trabalhador um comprovativo de vacinação, para que este possa desempenhar funções de forma presencial, impor o mesmo requisito na hora de contratar levanta outros problemas, aponta a advogada Helena Tapp Barroso.
“Quando pomos isso [comprovativo de vacinação] como condição à contratação, acho que os riscos de discriminação são muito grandes, sobretudo num panorama em que a própria vacina não está disponível a todos”, diz.
Nenhum país da União Europeia tem, neste momento, vacinas disponíveis para todos os seus cidadãos. Para o bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, esta exigência não tem também qualquer “fundamento” e é também “discriminatória”, dado que não há vacinas para quem quer.
Helena Tapp Barroso vê apenas um cenário em que a vacinação e contratação possam estar relacionadas. “No limite, posso dizer que estou a contratar para um posto de trabalho que não pode ser prestado à distância. Uma função que exige a presença do trabalhador no local de trabalho”, afirma.
Até porque um dos deveres “do empregador é garantir a segurança no trabalho” dos seus trabalhadores.