Estamos preocupados em sobreviver. Fazemos bem. Sem vida de pouco nos servirá ter direitos, mesmo os mais básicos, como o direito à educação. Passada essa preocupação estamos, sobretudo, preocupados em manter o emprego. Fazemos bem. Sem emprego é difícil conseguir uma vida digna que nos permita ter acesso a direitos tão elementares quanto a educação. Estamos preocupados em não manter uma casa digna. Fazemos bem. Sem ela será difícil gozar direitos tão necessários quanto o da educação.
Esquecemo-nos de nos preocupar com a educação. Fazemos mal. Sem educação não há futuro. E o Governo que anda nesta roda-viva entre combate à covid-19, controle da crise económica, falta de turismo e moratórias bancárias, esqueceu-se evidentemente da educação. Não podia.
O ministro apareceu. Não foi mal. Lá disse uma palavrinha aos pais e aos alunos. Ficámos a saber que, à semelhança dos anos normais, as aulas vão recomeçar entre 7 e 14 de setembro de 2020. À semelhança dos anos normais? É mau, desesperamos nós. Como se pensa recomeçar normalmente quando, por essa altura, estaremos provavelmente a braços com a segunda fase de uma pandemia que ninguém sabe se sobe ou desce até lá?
Sobre isso, e tudo o resto que importa, não disse nada, mas Costa lá lhe soprou que, preferencialmente, as aulas serão presenciais ou melhor, haverá um misto de presencial com à distância através de internet ou TV. Sobre a internet fiquemos descansados que os 400 milhões de dotação adicional vai dar para equipar todos os alunos com os instrumentos informáticos necessários. Menos mal.
Vai haver computadores para todos. Um estudo da EPIS (Associação de Empresários para a Inclusão), divulgado este fim de semana, mostrava que de 2073 alunos inquiridos no Básico quase um terço não tinha nenhum computador em casa. Mas muito pior do que isso, apenas 8 por cento estava “bastante ou muito confortável com o ensino à distância” enquanto praticamente metade (49,5 por cento) se mostrava “muito pouco ou pouco confortável com este tipo de ensino”. Para estes, não basta um computador, mesmo que acompanhado de uma boa ligação à net (que 10 por cento continuam a não ter quando não dispõem também de dados móveis). Só isso não vai resolver o provável insucesso.
Mas há mais um outro estudo, divulgado pelo Expresso, que mostra também a estreita correlação entre sucesso escolar dos filhos em relação ao grau educacional das mães. Já se sabia. Apenas se comprova. Neste caso não valem os complexos de culpa.
As mães que não puderam ou quiseram avançar nos estudos já não estão em tempo útil de o fazer e assegurar o sucesso dos filhos, através de um melhor acompanhamento no próximo ano. O problema, por essa via, não terá solução, mas há políticas públicas capazes de superar este handicap de algumas crianças, fornecendo-lhes em contexto escolar ou em tempo lectivo extra um acompanhamento personalizado que lhes falta em casa.
O problema é que esse acompanhamento devia estar garantido ou a ser preparado desde já com a contratação de jovens professores ou, pelo contrário, com o aproveitamento do regresso à escola dos professores mais experientes, atirados para uma reforma precoce que não queriam e lhes retirou uma parte significativa da remuneração e da própria força e gosto de viver.
Se estes professores, em contexto de maior protecção, pudessem ajudar no sucesso escolar dos alunos mais atrasados, novos professores, mais jovens e de menor risco, poderiam ocupar essas e novas vagas, rejuvenescendo a classe e permitindo um acompanhamento presencial muito maior. Além de gerar emprego.
Turmas mais pequenas e mais seguras, com alunos com necessidades educativas especiais, seja de que tipo for, acompanhados por professores sénior poderiam configurar a reforma de educação que nunca chegou a fazer-se e em vez de uma geração perdida e marcada de forma precoce pelo insucesso, poderíamos começar imediatamente a preparar uma nova geração de alunos, transformando a sua fraqueza atual em fortaleza futura. Para isso, pela componente de verdadeira reforma e preparação de uma geração (em classes muito mais preparada para as novas tecnologias) talvez a Europa abrisse os cordões à bolsa.
O problema é que tudo isto já devia estar em marcha e não sob a forma de uma telescola dos anos 70 (em versão pior), mas sob a forma de uma nova escola à distância, adaptada aos alunos do século XXI. E não nos venham dizer que para isso os professores mais velhos já não servem. Coloquem quem sabe de novas tecnologias e tem capacidade de chegar aos miúdos de hoje ao lado de quem sabe das matérias e tem experiência pedagógica e de vida suficiente e poderão ver as vantagens da colaboração inter-geracional e, talvez, surpreender-se.
Os nossos professores, independentemente da idade, mostraram nesta crise que não merecem ser vistos como material descartável. E os jovens candidatos a professores merecem experiências e empregos mais úteis do que voltar a partir para a emigração, ou optar por aqueles cursos de formação profissional, criados nas crises dos anos 80 e 90, para empregados de mesa e guias turísticos.
Os rankings do ano passado, na sua inutilidade útil, e na sua informação desinformadora acabam, pelo menos, a merecer a nossa atenção, mesmo desinteressada e servem para desconstruir alguns dos mitos que a omissão da informação relevante e a invasão de informação desinteressante permitem retirar. Há mesmo alguns mitos a cair por terra.
Quem não lhes dedicou alguns minutos de atenção tem no nosso site um excelente instrumento de análise prática e destruição de algumas ideias feitas. Assim o Governo os lesse com a devida atenção e esquecesse que não tutela apenas a educação “pública”, mas as escolas e mesmo os alunos dos pais que se limitam a pagar a educação duplamente. O Executivo na sua obsessão ideológica mais ajuda do que atrapalha ambas, a pública e a privada. Estou à vontade porque o meu único filho que ainda conta para os rankings frequenta uma escola pública, onde o corpo docente vai fazendo pela vida dos alunos o melhor que pode e sabe.
Como mãe, senão fosse pedir demais e uma vez que já tivemos a boa notícia de que o senhor ministro está vivo e não é mudo, gostava que me dissesse mais duas pequenas coisas: como é possível que o ano mais anormal das nossas vidas comece normalmente na data de todos os anos? E se já agora imaginou, para ele, alguma diferença ou vai repetir o improviso dos últimos meses.
Já pensou alguma coisa para as crianças que não tiveram um 12.º ano normal mas também para os que não tiveram uma primeira e segunda classe minimamente consistente? Que não aprenderam aquela coisa básica de ler e contar? Como pensa recuperar a base das respectivas vidas académicas? Todo o seu futuro?
Não acha bem que talvez seja o ano para prolongar o primeiro ciclo do básico até ao sexto ano? Uma promessa que o PS tirou, à última hora, do programa inicial por pressão dos sindicatos. E que permitia formar novos professores, mas em contrapartida poupar milhões em salários desnecessários. Sem mudar nada é que não vamos lá. Os próximos anos não serão normais. E o pior é que não se repetem nas vidas de cada aluno. Ninguém volta a ter 17 nem sete anos outra vez.