O PAN – Pessoas Animais e Natureza concorre a 44 câmaras nas eleições de dia 26, três delas em coligação. É uma duplicação em relação a 2017, quando tiveram pouco mais de 1% e não conseguiram eleger qualquer vereador. Agora, o objetivo é conseguir eleger vereadores em Cascais, Aveiro, Lisboa e Porto.
Em entrevista à Renascença, a porta-voz do partido, Inês Sousa Real, acusa as autarquias de não estarem a cumprir os seus deveres em matéria ambiental e de proteção animal. Diz que vai exigir mais apoios para as associações protetoras dos animais no Orçamento do Estado (OE) para 2022 e, em matéria de negociações orçamentais avisa que o Governo tem dado bons sinais, mas tem de ser mais ambicioso.
Em 2017 tiveram pouco mais de um por cento nas eleições para as câmaras e não conseguiram eleger nenhum vereador, para as assembleias municipais tiveram 1,4 por cento e 26 eleitos. Vale a pena o esforço de uma campanha autárquica?
Vale sempre a pena. O poder local - e pandemia também evidenciou a importância desta proximidade com a população - tem o grande privilégio de poder mudar mais diretamente a vida das pessoas. Esperamos pela primeira vez conseguir eleger vereações e ter assim a oportunidade de estar nos executivos e mostrar que vale a pena ter um partido com um ADN ambientalista e que traz a preocupação animal para as autarquias locais, numa visão disruptiva.
De 2013, que forma as vossas primeiras eleições autárquicas, para 2017 mais do duplicaram a votação. Entretanto, o PAN também cresceu no Parlamento. quais são as vossas expetativas para estas eleições?
Esperamos conseguir aumentar a nossa representação nas assembleias municipais, nas juntas de freguesia, mas acima de tudo conseguir as primeiras vereações. Temos indicadores de que será possível em Cascais, em Aveiro, onde temos coligação, mas também esperamos eleger em Lisboa e Porto, que são dois concelhos em que temos crescido e temos trabalho feito não só na área animal, mas também na área social onde temos marcado a diferença no combate à pobreza, na defesa da igualdade e da inclusão.
Abstenção "só favorece quem já está no poder"
Espera, por exemplo que em Lisboa possam vir a ser necessários a uma maioria? Estão disponíveis para fazer essa maioria?
Sabemos que este ano temos um xadrez diferente porque temos mais forças políticas a concorrer, sabemos que é difícil a conquista de uma vereação em Lisboa. Por isso, também é importante que quem nos acompanha tenha a consciência que votar útil é dar a possibilidade às nossas forças políticas de terem representação. O voto útil não pode ser a bipartidarização que acontece na autárquicas. Podemos fazer a diferença até para retirar maiorias absolutas na câmara a na assembleia municipais. A abstenção não é um voto de protesto, só favorece quem já está no poder. Temos hoje forças populistas e antidemocráticas em crescimento e é importantíssimo que as pessoas exerçam este direito que é também um dever de todos se queremos que Portugal continue a ser um Estado de direito democrático que respeita os direitos humanos
Já que fala em movimentos populistas, como é que explica que um partido mais recente como o Chega consiga ter candidatos em muito mais concelhos do que o PAN? Acha que o crescimento do populismo também se mede por aí?
Isto é um claro fracasso dos partidos que têm estado no eixo do poder. Há uma clara insatisfação de boa parte da população relativamente a matérias como a corrupção, a falta de transparência, a perceção de impunidade e morosidade da justiça. Essa onda de insatisfação, infelizmente, está a traduzir-se numa adesão a forças políticas mais populistas que fazem política de terra queimada, mas que não trazem soluções. É importante que as pessoas se recordem que já tivemos fascismo no poder e as consequências foram gravosas para os direitos, liberdades e garantias.
Habitação e pobreza, os grandes falhanços do Governo
Numa das autárquicas em que o PAN claramente aposta que é Lisboa, Carlos Moedas defende uma descida de impostos, Fernando Medina diz que é preciso equilibrar as contas. O que é que o PAN propõe?
Temos tido, na Assembleia Municipal, uma preocupação com a descida de impostos como o IMI e a derrama, mas não nos podemos esquecer que é apenas por essa via que vamos resolver os problemas da habitação. E aquilo que Carlos Moedas esquece, quando defende a descida de impostos, e que Fernando Medina também não tem posto em cima da mesa é a perceção das pessoas de que são este os partidos que têm tido a governação da cidade e os problemas da habitação não foram resolvidos. os objetivos traçados por Fernando de Medina e também pelo Bloco de Esquerda, que acompanha este executivo, não foram cumpridos.
O grande falhanço deste executivo é a questão da habitação?
É um dos grandes falhanços. Mas também o combate à pobreza. Para além de garantir que há programas de habitação dignos para que as pessoas possam ter autonomização, não nos podemos esquecer que temos bairros onde não há agua, não há eletricidade, como a Quinta do Ferro ou o Bairro Portugal Novo. Não podemos continuar a ter barracas quando assinamos a agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável que promove a erradicação das barracas. Temos o mesmo fenómeno no Porto com o aumento das pessoas em situação de sem abrigo e esta foi de facto a grande derrota do poder local foi não termos conseguido aumentar o número de habitações para renda acessível.
Estamos a falar de mais 400 pessoas na rua em Lisboa e mais de 700 no Porto. É um número muito elevado. Com cerca de dois milhões de euros conseguiríamos ter um programa mais eficaz no apoio às pessoas sem abrigo.
Como é que se resolve o problema da habitação? O Governo colocou a habitação como prioridade no Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). é essa a solução?
É uma solução tardia porque temos já um problema grave e temos de chamar todos os atores, incluindo os privados a tomar parte deste debate nas soluções da habitação. O alojamento local, que teve o seu boom com o turismo, poderá ser um parceiro para resolver problemas a curto prazo, permitindo que não percam as licenças de turismo local se reconverterem para a arrendamento de média e longa duração. Não podemos diabolizar os privados, temos de os chamar para o debate.
Do ponto de vista da oferta pública, recordo que o Estado e as autarquias locais são proprietário de um vasto património que lamentavelmente nem sequer sabem que detêm e que está muitas vezes a degradar-se.
O que é que impede o uso desse património? É a inércia do Estado?
Não é só a inércia do Estado, mas muitas vezes também interesses imobiliários em torno deste património que acaba por ser vendido ao desbarato a privados para que possam explorar atividades económicas. Vimos isso até com edifícios históricos como o Convento do Beato.
Precisamos de saber quantas casas tem os Estado, quantas casas têm as autarquias locais e que destino é que lhes podemos dar.
O primeiro-ministro tem repetido que os autarcas que vão ser eleitos a 26 de setembro são os que vão ter mais poderes desde sempre. Os autarcas queixam-se que a há descentralização de responsabilidades, mas não há descentralização de decisão e que muitas vezes faltam as verbas para cumprir essas responsabilidades. Como é que o PAN vê o processo de descentralização?
Na sua conceção mais teórica o processo de descentralização seria positivo, o problema passa precisamente pela falta de meios com que são passadas as competências. O caso da habitação é paradigmático, mas acontece o mesmo em muitas outras matérias, como a proteção animal. É competência das câmaras fazerem-se dotar de centros de recolha e apoiar as associações de proteção animal e depois o que o Governo reserva no orçamento do Estado são migalhas para a proteção animal.
"Não podemos ter um país que ignora as ONG"
Há muitos autarcas a queixarem-se do PAN
Neste caso em concreto, há uma ausência de investimento que não chega para as necessidades das responsabilidades que foram passadas para as autarquias. Mas há competências em que as autarquias se têm demitido. Em relação à proteção animal, há mais de 100 anos que a nossa legislação obriga a que existam centros de recolha oficial, os canis-gatis. Ainda esta semana estive em Ponta Delgada a visitar um canil municipal e o que vi foi indigno. O bem-estar animal é um valor incontornável, as autarquias têm de investir e têm de reforçar as estruturas de recolha oficial, que não podem ser meros depósitos animais.
Quando fala do próximo orçamento e que essa divida tem de ser paga, isso faz parte das vossas negociações com o governo?
Fará parte indiscutivelmente. Não podemos ter um país que ignora as organizações não governamentais. Este problema não é exclusivo da área da proteção animal, também é uma queixa recorrente na área da proteção social. Os programas que são abertos são muitas vezes anuais, o que não possibilita uma linha de continuidade nos apoios. Não faz qualquer sentido uma associação não saber se vai continuar a ter instalações disponibilizadas por uma câmara municipal. Tem de haver uma estabilidade em programas estruturais para os parceiros que trabalham na cidade em particular em matéria de direitos humanos e direitos sociais. Em matéria ambiental e de proteção animal as associações têm sido esquecidas, temos associações que não recebem um cêntimo do Estado apesar de receberem dezenas de animais todos os meses porque os centros de recolha não os receberem.
Por não terem capacidade?
Porque não investem. Não podemos ter autarquias que se dão ao luxo de não investir em centros de recolha oficiais para acolher animais e depois não estimam os seus parceiros, não dando apoios financeiros às associações para que os animais sejam alojados e mantidos. Temos de fazer um levantamento da rede de centros de recolha oficial e de associações de proteção animal para que possamos canalizar verbas do orçamento quer para as autarquias quer para as associações fazerem um trabalho digno nesta matéria.
Na parte ambiental, uma das competências que está nas mãos das autarquias é a gestão do arvoredo e, de Norte a Sul e ilhas, as denúncias que nos chegam têm a ver com podas excessivas, abates indevidos de árvores, inclusive de árvores que têm componentes identitárias para as cidades e isto não é exclusivo dos grandes centros urbanos. Não estamos a fazer um ordenamento do território que permita uma gestão integrada da floresta.
Há uma conjugação de fatores que está a pôr em causa o nosso país e estamos acima de tudo a deixar pra tás uma matéria fundamental: se ou não queremos combater as alterações climáticas. O PRR deixa de fora algum absolutamente fundamental.
Que é?
A adaptação às alterações climáticas. Não basta mitigar, não basta reduzir as emissões de carbono. Portugal já está a sofrer com os feitos das alterações climáticas: a seca extrema, a escassez da água de que já se queixam os agricultores do Mira.
Alterações climáticas. PRR demasiado focado na mitigação e menos na adaptação
Mas é suposto que uma boa parte das medidas do PRR só tenham aprovação pela sua relação com as alterações climáticas.
Infelizmente quando olhamos para o PRR verificamos que há investimentos sobretudo na área privada e na parte da mitigação, na adaptação há muito pouco. E o território tem de ser adaptado para poder viver com o que vão ser os impactos inevitáveis e Portugal vai ser um dos países mais afetados de acordo com a opinião dos cientistas.
Ou seja, é preciso reconhecer que há situações em que já não há volta atrás?
Precisamente. E o Governo, não só por via do PRR, como por via do processo de descentralização, devia olhar para o território com as suas diferenças.
A regionalização pode ajudar nessa visão do território?
Esse é um debate que tem de ser feito de forma séria e o PAN também está internamente a fazer esse debate e achamos que tal como estão as coisas não podem continuar porque continuamos a ter o chavão que é necessário diminuir as assimetrias regionais, mas depois, por exemplo, continuamos a ter aeroportos nos grandes centros da cidade ao invés de apostar na ferrovia para ligar as capitais de distrito, continuamos a não descentralizar os aeroportos, como a solução que o PAN apresentou para Beja com ligação a ferrovia de alta velocidade. Temos isso como bandeira eleitoralista tanto nas legislativas como nas autárquicas, mas na prática não se mitigam essas assimetrias regionais.
Em relação ao Orçamento para 2022, tem já reunido com ministérios em concreto. Como estão a correr essas conversas?
Temos dado nota que é preciso mais ambição da parte do Governo. Tem havido algumas aproximações em matérias reivindicadas pelo PAN: a revisão dos escalões do IRS é um exemplo disso. No ano passado, o PAN apresentou uma proposta para rever os escalões e a próprias taxas aplicáveis entre o terceiro e o sexto escalões para aliviar a carga fiscal sobre as famílias. Se queremos equilíbrio orçamental, tribute-se atividades poluentes como as atividades petrolíferas ou a taxa de carbono sobre a pecuária como contraponto à necessidade de alívio fiscal para as famílias. O primeiro-ministro já deu conta que está disposto a rever o terceiro e o sexto escalões; a nosso ver é pouco, tem de ser mais ambicioso porque se queremos aliviar de facto a carga fiscal sobre as familiais temos de rever a percentagem do imposto aplicável entre o terceiro e o sexto escalões e isso é o que está na proposta do PAN colocada em cima da mesa das negociações com o Governo.
Há abertura do Governo para aumentar a taxação das atividades poluentes?
O ministro do Ambiente já veio dizer publicamente que sim, será estranho se no Terreiro do Paço não nos acompanhar. temos o exemplo muito claro de como este tipo de alterações pode ser positivo: a taxa de carbono que o PAN conseguiu introduzir no Orçamento do Estado de 2021 sobre a navegação e a aviação está neste momento a ser canalizada para as autarquias para financiar os passes sociais. O dinheiro existe está é mal distribuído.
Vitória autárquica para o PAN? Eleger vereadores em Lisboa e no Porto
Está otimista que passe a ser mais bem distribuído com o OE 2022?
Temos, pelo menos, um alerta muito grande sobre as alterações climáticas e esperamos que este cartão vermelho que está a ser mostrado aos governos e o alerta de que somos de facto os últimos eleitos capazes de travar esta realidade e de travar o ponto de não retorno deve servir para que, na discussão do OE, se consiga garantir a taxação de atividades poluentes e melhor investimento na proteção ambiental. Mas do ponto de vista social acho que a pandemia deixou mais do que evidente a importância de alguns serviços públicos, como o serviço nacional de saúde e a necessidade de valorizar os sues profissionais, de valorizar as Forças Armadas, os órgãos de polícia. É fundamental que os fundos comunitários sirvam para investir em serviços públicos da maior relevância para as populações. Aquilo que não pode acontecer é servirem para alimentar a máquina do Estado que é a visão que está presente no PRR.
Como é que viu os anúncios feitos por António Costa no congresso do PS. Acredita que o combate à pobreza infantil vai de facto ter efeitos?
Não se combate a pobreza infantil se também não se combater a pobreza das famílias porque se temos crianças em situação de pobreza é porque temos agregados familiares que não têm rendimentos para ter refeições dignas. A pobreza infantil combate-se prevenindo que as familiais fiquem na situação de pobreza e isso só se faz recuperando ordenados e garantindo que o ordenado médio português tem uma rota de crescimento. Esta oportunidade de transição climática é uma oportunidade de criação de emprego e se estivermos continuamente a desperdiçar estas oportunidades não vamos conseguir que o país cresça de uma forma sustentada e sustentável e não esteja tão sujeito a abanões económicos como o que enfrentamos por estarmos tão dependentes do turismo.
Voltando às eleições autárquicas, o que é que gostava que fosse a surpresa no PAN na noite de dia 26?
Chegar à vereação em Lisboa e no Porto seria uma grande vitória para PAN.