PS vota contra OE, admite acordos "pontuais" com AD e vive em "camas separadas" com PR
12-03-2024 - 22:38
 • Susana Madureira Martins

Os socialistas recusam terem-se atirado para a trincheira da oposição e admitem entendimentos "setoriais" com Luís Montenegro. Quanto aos Orçamentos do Estado, a "direita tem de mostrar o que vale". Haja novas eleições daqui a um ou dois anos, o PS posiciona-se como "alternativa" à espera do pântano à direita.

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"O PS está na oposição porque não ganhou as eleições. Ninguém o pôs lá". É a posição de um membro do Secretariado Nacional do PS que, em declarações à Renascença, acrescenta que "o PSD tem de mostrar se a direita consegue ou não entender-se e ter estabilidade".

Desde as 20h30 de domingo, na altura ainda sem resultados oficiais, que o PS se apressou a saltar para a oposição, e mesmo agora sem os mandatos todos atribuídos, faltando os quatro da emigração, os socialistas não têm qualquer dúvida sobre o posicionamento no futuro: de partido absoluto a derrotado.

"Nós somos alternativa", diz o mesmo dirigente socialista. E é isso mesmo que o PS irá dizer no dia 19 ao Presidente da República, na audiência em Belém pós-eleições. "A direita foi maioritária, agora tem de mostrar o que vale", acrescenta este dirigente socialista.

Para o PS oficial, cabe ao PSD "mostrar se a direita consegue ou não entender-se e ter estabilidade". Se assim não fosse e "se a extrema-direita ficasse de fora e a liderar a oposição, em breve disputariam a liderança", acrescenta o mesmo socialista, que avisa: "O PS não vai permitir isso, lideraremos a oposição".

Os socialistas esperam que o Presidente da República indigite Luís Montenegro como primeiro-ministro, "de acordo com os resultados e depois se verá", admite um alto dirigente do partido. O PS só se compromete no curto prazo em não viabilizar moções de rejeição ou de confiança. O resto é para fazer oposição.

"Se houver Orçamento votaremos melhor o que acharmos importante na especialidade e contra na generalidade ou final global", acrescenta o mesmo dirigente socialista. "É o que se prefigura", para já, para o PS ao mais alto nível.

Entendimentos "pontuais e setoriais"

O PS aposta, assim, num posicionamento de clarificação de blocos, entre o "nós" do PS e o "eles" que abrange toda a direita, da AD ao Chega. Foi, de resto, um estilo que Pedro Nuno Santos adotou durante todo o período oficial de campanha eleitoral.

"A direita não está toda no mesmo saco, uns são fascistas, outros não são", admite um outro dirigente do PS, que frisa: "não somos nós que vamos viabilizar o Orçamento", porque "não é nossa tarefa viabilizar".

A mesma fonte sintetiza a diferença ideológica entre o PS e a AD, referindo que "somos os dois partidos que lideram os dois blocos, eles que se amanhem". Os socialistas recusam, no entanto, terem-se metido numa trincheira ao optarem pela liderança da oposição desde a primeira hora.

À Renascença, o membro do Secretariado Nacional do PS já aqui referido diz que esta posição "não é trincheira nenhuma", justificando que Pedro Nuno Santos "mostrou disponibilidade para entendimentos pontuais e setoriais" desde a campanha.

O líder socialista, em entrevista à Renascença na segunda semana de campanha eleitoral oficial definiu as áreas em que mostra abertura para "consensos alargados" com a AD. São elas a política externa, a segurança, a Justiça e a Defesa.

A abertura, porém, acaba aí, com o líder socialista a salientar, na mesma entrevista, que entre a AD e o PS há "visões diferentes", por exemplo, sobre o Serviço Nacional de Saúde e que são "muito dificilmente compatíveis".

Esta abertura do líder do PS a entendimentos com a AD em áreas de soberania foi, de resto, acompanhada esta segunda-feira pelo presidente do Parlamento, Augusto Santos Silva em declarações à Renascença, que dá como exemplo a área da justiça.

Um alto dirigente socialista admite à Renascença que "aqui e ali podemos votar a favor ou abstenção", mas salienta que Pedro Nuno Santos disse a "frase oficial", ou seja, que é "praticamente impossível" aprovar a proposta de Orçamento do Estado da AD.

"Uma cura de oposição nunca fez mal a ninguém"

Pedro Nuno Santos avisou na própria noite eleitoral para "alguma pressão" junto do PS para apoiar a AD. "Não é a nós que têm de pedir para suportar um Governo. Sabemos que essa pressão virá, camaradas, mas vamos aguentar firmes".

Para o PS oficial é tido como natural passar da maioria absoluta para a oposição. "Não ia correr bem irmos para o governo neste contexto, mesmo tendo mais um deputado", admite um dirigente nacional socialista à Renascença.

Dá-se aqui a situação ambígua de haver quatro mandatos da emigração por atribuir e, em teoria, o PS ainda poder vir a ter mais deputados do que a AD. Mas nem nessas condições os socialistas querem assumir o poder, porque o bolo da direita é sempre maior, somando a AD, a IL e o Chega.

Neste contexto, "uma cura de oposição nunca fez mal a ninguém", admite um dirigente da comissão política do PS à Renascença, sendo considerado, aliás, "o mais inteligente a fazer". Mas, já agora, aconselha também a mudar a comunicação do partido.

A mesma fonte socialista diz não acreditar que o resultado do Chega seja "estrutural", mas deve-se muito "à falta de comunicação dos partidos tradicionais", confessando-se "preocupado com o PS daqui a 15 anos", porque, entretanto, o espaço das redes sociais "já foi ocupado".

"Estes miúdos de 20 anos em que os pais não os sensibilizaram sobre o 25 Abril, veem redes sociais" e, neste campo, este dirigente socialista concede que "o Chega e a IL foram inteligentes e ultrapassaram a forma tradicional de comunicação".

AD e pensionistas. PS está em perigo de ficar sem discurso?

Luís Montenegro chegou a dizer em plena campanha eleitoral que se demitiria do cargo de primeiro-ministro “se algum dia tiver que cortar algum cêntimo numa reforma. Podem ter a certeza absoluta. É uma promessa de honra minha”, garantiu.

Esta "reconciliação" do PSD com os pensionistas e a garantia da AD de que as reformas serão aumentadas, de acordo com a lei, que as mais baixas serão atualizadas e será fixado um mínimo de 820 euros para as pensões, aparentemente, não preocupa o PS.

É certo que os pensionistas são uma larga fatia do eleitorado dos socialistas, foi para eles que Pedro Nuno Santos fez boa parte da campanha, mas e se a AD começar a tirar o discurso e a responder a temas tradicionais do PS?

A resposta à Renascença do membro do Secretariado Nacional socialista já aqui citado é que o partido "nunca" perderá a posição ou o discurso, justificando que "o programa do PS são muitos temas e na globalidade os programas são distintos e as ambições diferentes". A mesma fonte conclui que "a oposição tende a ser sempre mais ambiciosa".

Microciclos ou "estabilidade das legislaturas"?

Há quatro mandatos da emigração para atribuir, há um primeiro-ministro que ainda não foi indigitado, um Parlamento que ainda não tomou posse, mas já se vão multiplicando os apelos para que os microciclos políticos não sejam a tendência, a partir de agora.

À cabeça, o primeiro-ministro cessante, que esta terça-feira em Santa Maria da Feira defendeu a “estabilidade das legislaturas”, sustentando que o próximo Governo deve cumprir o seu mandato até ao fim.

“Eu acho que as legislaturas devem-se cumprir. Acho que, para Portugal, tem sido uma vantagem competitiva importante ter havido estabilidade das suas legislaturas”, disse António Costa. Desde que terminou o consulado da designada Geringonça, Portugal teve duas legislaturas interrompidas, uma delas com maioria absoluta.

O fim da próxima legislatura não está marcado no calendário, mas os socialistas acreditam que "depende" do Chega. Um dirigente socialista diz à Renascença que o partido de André Ventura "não terá grande hipótese se não viabilizar a AD".

A mesma fonte antevê que "o mais provável é este ciclo durar dois anos e meio", tendo em conta os prazos de nova convocação de eleições e o fim de mandato do Presidente da República. Com umas eleições autárquicas pelo meio, em 2025.

À Renascença, um dirigente da comissão política do PS admite que o Governo da AD dura "se honrar aquilo com que se comprometeu". E existe a secreta esperança de que o Chega seja absorvido pela AD. "Um partido de protesto quando passa a ter poder e não resolve rebenta-se todo", admite a mesma fonte.

Relação do PS com Marcelo? Em "camas separadas"

Com a derrota eleitoral absolutamente assumida, os socialistas chegam a esta fase com o discurso já preparado para levar no dia 19 ao Presidente da República, que acusam desde cedo de ser o principal autor da crise política que levou às eleições de domingo.

Diga-se que os socialistas andam especialmente irritados com Marcelo Rebelo de Sousa na sequência dos diversos cenários pós-eleitorais que surgiram na última edição do jornal Expresso e que foram vistos como uma maneira de "condicionar" o voto a 10 de março.

De resto, tal como a Renascença noticiou, o presidente do PS, Carlos César, escreveu uma mensagem ao Presidente da República, na sexta-feira, com avisos sobre eventuais "condicionamentos" e "bloqueios institucionais" na declaração ao país no dia de reflexão.

Uma posição do presidente socialista com a qual Pedro Nuno Santos, na noite eleitoral, disse que está em "total sintonia", frisando que o que tiver de dizer a Marcelo é a ele que dirá.

A relação entre o Largo do Rato e Belém é tensa desde o "não" de Marcelo a uma solução de substituição de António Costa por Mário Centeno na liderança do Governo e que depois levou à dissolução do Parlamento. À Renascença, um alto dirigente do PS define mesmo o atual momento entre o PS e Marcelo como uma relação em "camas separadas".

Do Presidente da República os socialistas esperam uma magistratura de influência, mas não esquecem que "foi ele que quis esta maioria e a precipitou, é o pai deste governo da AD", diz um dirigente do PS em conversa com a Renascença.

A mesma fonte acusa Marcelo: "queria degolar o PS, o PS perdeu, ele que dê o colinho que entenda necessário à AD".

Os socialistas também estranham o formato das audiências dos partidos em Belém. Um membro da comissão política do PS já referido questiona: "Alguma vez se viu o Presidente da República ouvir um partido por dia?", admitindo o mesmo dirigente que "nem Marcelo sabe o que vai fazer, está a ganhar tempo".

Nesta altura do campeonato, "o PS está à espera que o Presidente diga o que entende, ele agora tem a palavra final". Este dirigente do PS recorre à linguagem futebolística para concluir: "A bola agora está com o médio [Marcelo], ele é que nos meteu numa encrenca". O mesmo socialista vaticina: "Isto não é o fim do PS, é o recomeço do PS".