O Tribunal do Trabalho de Lisboa entende que existe uma relação contratual entre um estafeta e a Uber Eats.
É uma decisão histórica que segue na sequência da entrada em vigor da nova lei de presunção de laboridade nas plataformas digitais.
O Explicador Renascença refere o que isto significa e o que pode mudar, a partir de agora.
O que diz esta decisão?
Antes de mais, importa contextualizar. Esta lei de presunção de laboralidade nas plataformas digitais entrou em vigor a 1 de maio do ano passado e determina a existência de um contrato de trabalho entre uma plataforma digital e um estafeta sempre que sejam preenchidos vários critérios, como a fixação de um salário, o poder de direção, o controlo e a supervisão, a organização do trabalho e o poder disciplinar da plataforma digital.
Ora, perante o caso concreto de um estafeta da Uber Eats, o Tribunal do Trabalho de Lisboa entende que esses requisitos estão preenchidos e determina que esta pessoa seja considerada como trabalhador por conta de outrem e não trabalhador a recibos verdes.
Que direitos é que passa a ter?
Se a empresa decidir integrá-lo, passa a ter o tratamento que o Código do Trabalho prevê para todos os trabalhadores por conta de outrem.
A sentença tem data de 1 de fevereiro. É considerada histórica, porque representa, na prática, a aplicação da lei de presunção da laboralidade nas plataformas digitais.
A Uber Eats pode recorrer?
Sim. Aliás, como acontece com qualquer decisão judicial de primeira instância. Mas ainda não o fez.
Porquê?
Num esclarecimento por escrito enviado à Renascença, fonte oficial da Uber diz que a empresa "não foi notificada, nem ouvida em relação a este caso" e que, nesse sentido, "o direito de defesa não lhe foi garantido".
Na mesma nota, a Uber conclui, por isso, que esta decisão do Tribunal do Trabalho de Lisboa "muito provavelmente não terá efeito".
Por outro lado, acrescenta, "as alterações à lei não beneficiaram os estafetas e, em vez disso, estão a gerar incerteza em todo o setor e entropia junto dos tribunais".
Mas como surgiu este caso?
Foi desencadeado após uma ação inspetiva realizada a nível nacional pela Autoridade para as Condições do Trabalho.
Foram realizadas mais de 800 fiscalizações para reconhecimento de contratos de trabalho, que foram encaminhadas para o Ministério Público e deram origem a mais de uma centena de processos contra as plataformas digitais Glovo e Uber Eats.
O que muda com esta decisão?
Embora esta seja uma sentença relativa a um caso concreto, aqui aplica-se o princípio da jurisprudência.
Se o Tribunal do Trabalho de Lisboa reconheceu a existência de um contrato de trabalho entre um estafeta e uma plataforma digital, é altamente provavelmente que essa decisão possa ser replicada nos outros processos que estão, nesta altura, a ser apreciados. Portanto, este caso funciona como uma espécie de auxiliar de interpretação da nova lei.
Seja como for, no esclarecimento remetido à Renascença por fonte oficial da Uber pode ler-se que "os estafetas já deixaram claro que querem manter a sua independência e a liberdade para usarem as plataformas digitais quando, como e onde quiserem".
"Do nosso lado, continuaremos a defender que a flexibilidade que os estafetas procuram deve ser preservada e que é compatível com direitos e proteções a que todos os trabalhadores, independentemente do seu estatuto, devem ter acesso", conclui o esclarecimento.
Notícia atualizada às 17h20 com os esclarecimentos da Uber remetidos à Renascença