Contra a degradação das condições de trabalho e em defesa de mais contratações, sob pena de se pôr em causa o regular funcionamento dos tribunais, os funcionários judiciais abrem o ano em protesto.
A cerimónia de abertura do ano judicial está marcada para terça-feira pelas 15:00, hora a que devem estar a decorrer plenários sindicais convocados pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), em frente aos edifícios onde funcionam os serviços, e uma greve do Sindicato dos Oficiais de Justiça (SOJ), convocada a partir das 13:00 desse dia e até às 24:00, e que se prolonga por tempo indeterminado, no mesmo período, todos os dias, até haver resposta do Governo às reivindicações sindicais.
Em declaração escrita enviada à Lusa, o presidente do SFJ, António Marçal, enumera várias questões na base do descontentamento dos funcionários judiciais, entre as quais a degradação física dos edifícios dos serviços, a "gritante" falta de profissionais nos tribunais, o envelhecimento da classe, a falta de progressões na carreira e a desmotivação dos profissionais, e a revisão do Estatuto dos Funcionários de Justiça, uma reivindicação antiga, prometida, mas ainda por cumprir.
"A verdade é que o tempo vai passando e já estamos a ser governados pelo XXIII Governo Constitucional, no poder há nove meses e, do Ministério da Justiça, os ventos que sopram, até agora, não nos trouxeram novidades palpáveis, apenas mais palavras bonitas", afirmou António Marçal, que pede "medidas urgentes e concretas" para resolver os problemas da classe.
Uma das reivindicações salariais, e que os funcionários judiciais pretendem ver resolvida com a revisão do Estatuto profissional, é a integração no vencimento do suplemento de recuperação processual, correspondente a 10% do salário, que chegou a ter provisão orçamental no Orçamento do Estado de 2020, mas não se concretizou.
António Marçal referiu ainda que o sindicato quer a atribuição de um subsídio aos funcionários nas comarcas com custo de vida mais elevado, evitando a saída de profissionais para outros serviços do Estado.
"Se nada for feito, em pouco tempo teremos tribunais a funcionar à vez, como já se faz com as maternidades. O país não merece. E o Estado de direito democrático fica coxo. A quem beneficiará tal situação?", questionou António Marçal.
A degradação das condições de trabalho levaram já o SOJ a pedir, por seu lado, ao Presidente da República, a convocação do Conselho de Estado para discutir o funcionamento da Justiça, considerando que "está em causa o regular funcionamento de um órgão de soberania, os tribunais", atribuindo responsabilidades ao Governo, por não garantir financiamento e meios que o assegurem.
À Lusa, o presidente do SOJ, Carlos Almeida, recordou que os constrangimentos ao normal funcionamento dos tribunais provocados pela falta de funcionários já foram reconhecidos em deliberações do Conselho Superior da Magistratura (CSM) e pela Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), quando solicitou destacamentos excecionais para dar resposta a uma situação urgente de falta de funcionários nos núcleos de Cascais e de Sintra.
Nesse aviso, reconheceu estarem "esgotados todos os meios ao alcance dos órgãos de gestão" da comarca e da própria DGAJ para garantir o funcionamento daqueles serviços.
"Temos um órgão de soberania, o Governo, a condicionar o funcionamento de outro, os tribunais", acusou Carlos Almeida, que disse ainda estar em causa a independência e autonomia dos tribunais, o que justifica a greve por tempo indeterminado convocada pelo SOJ.
De acordo com o SOJ, a greve que se inicia na terça-feira vai decorrer "todos os dias, até que trabalhadores e tribunais tenham as condições para realizar justiça", em que a exigência de mais contratações e o desbloqueio das promoções estão entre as principais reivindicações.
Já no setor dos registos e notariado, o Sindicato Nacional dos Registos (SNR), que abriu o ano de 2023 com uma greve nacional, espera que neste novo ano seja possível dar resposta às suas exigências, considerando que os profissionais dos registos estão a viver "um período conturbado, desigual, assimétrico e anacrónico".
As desigualdades salariais dentro da classe, que o novo diploma do sistema remuneratório aprovado em 2019 não resolveu, segundo o SNR, estão no topo das reivindicações deste sindicato.
"Quando se estava à espera de um diploma ponderado, justo, equitativo e transparente, que reduzisse as desigualdades salariais e cumprisse com os princípios da Constituição da República Portuguesa, verificou-se que continua tudo praticamente na mesma, ou pior. [...] Uma revisão que se faça a continuar tudo igual, com as mesmas assimetrias salariais e as mesmas desigualdades, a proteger sempre os mesmos, em detrimento de outros, não é uma revisão, é uma afronta a todos aqueles trabalhadores que diariamente, ao longo destes anos, deram o seu melhor", criticou o SNR.
Segundo o sindicato, a luta por atualizações salariais motivou já uma centena de ações no centro de arbitragem administrativa, com ganho de causa para o sindicato, mas a tutela recorreu da decisão.
"Todas as ações julgadas em primeira instância subiram para o Tribunal Central Administrativo de Lisboa. Em conclusão o próprio Ministério da Justiça contribui para o congestionamento dos Tribunais Administrativos", criticou o SNR.