Ilegalizar o Chega seria um "erro histórico"
13-02-2021 - 13:30
 • Marina Pimentel

O pedido de ilegalização do partido de André Ventura, apresentado pela socialista Ana Gomes junto da PGR, é o tema em destaque no Em Nome da Lei, da Renascença. Os constitucionalistas Paulo Otero e Miguel Prata Roque são os convidados do programa desta semana.

O constitucionalista Paulo Otero não acredita que o Tribunal Constitucional venha a decidir pela ilegalização do Chega, na sequência da exposição feita por Ana Gomes à Procuradoria-Geral da República (PGR). No programa Em Nome da Lei, da Renascença, o catedrático considera que seria um "erro histórico".

A socialista Ana Gomes, ex-candidata à Presidência da República, alega que o Chega, de André Ventura, é um partido racista, o que é proibido pela Constituição da República.

Paulo Otero lembra, no entanto, que “até agora os juízes do Constitucional sempre foram muito prudentes sobre a matéria” e defende que “ilegalizar partidos preventivamente é prática dos regimes autoritários e não das democracias”.

O professor de Direito Constitucional “compara a ilegalização de um partido, por causa do seu ideário, com a censura prévia à Imprensa, feita pela PIDE, antes do 25 de Abril”.

Paulo Otero entende que “não é legítimo uma Constituição excluir preventivamente partidos políticos. Uma democracia é por natureza tolerante”.

O catedrático defende que “só quando há tentativas de subversão da Constituição é possível ilegalizar um partido político”, o que pressupõe que se prove primeiro que os seus dirigentes, individualmente, ou em associação criminosa, praticaram o crime de incitamento ao ódio.

“Só depois se poderá colocar a questão constitucional, porque aí já não se verificará a presunção de inocência de que os partidos como as pessoas beneficiam”, defende.

O constitucionalista da Faculdade de Direito de Lisboa argumenta que “não é pelo facto de um partido defender ideias contrárias à Constituição que pode ser ilegalizado”.

Se assim fosse, o Partido Popular Monárquico (PPM) nunca poderia ter sido aceite pelo Tribunal Constitucional, porque defende a instauração de uma monarquia, objetivo que atenta contra o artigo primeiro da Constituição da República, que diz que Portugal é uma República soberana.


Tribunal Constitucional “tem sido pouco atuante”

Também Miguel Prata Roque, professor de Ciência Política da Faculdade de Direito de Lisboa, defende que a Constituição Portuguesa “é pluralista, permite que todos exprimam ideias fascistas, racistas, xenófobas, machistas ou quaisquer outras por mais repugnantes ou absurdas que nos possam parecer”.

O advogado e antigo secretário de Estado de António Costa diz que, “a não ser que haja um incitamento à prática de atos de discriminação contra determinadas minorias, e nesse caso é crime, impera o princípio da liberdade de expressão”.

Prata Roque lembra, no entanto, que “a Constituição já não permite a constituição de partidos que defendam essas ideias, porque os partidos visam a conquista do poder. E a Constituição salvaguarda a hipótese de instauração de regimes totalitários”.

Miguel Prata Roque é critico em relação à forma como o Tribunal Constitucional tem lidado com a questão dos partidos de extrema-direita.

Entende que o tribunal de que já foi assessor jurídico “tem sido pouco atuante” e lembra que fechou os olhos ao MAN e ao PNR, que mudou de nome e passou a chamar-se Ergue-te. Miguel Prata Roque aguarda, por isso, “com expectativa a decisão que irão tomar os juízes quanto à ilegalização do Chega”.

O constitucionalista lembra, no entanto, que “antes dos juízes é preciso convencer os procuradores junto do Tribunal Constitucional, entre eles a ex-procuradora-geral da República Joana Marques Vidal, que vão avaliar em primeira linha se o partido de André Ventura viola os princípios constitucionais.

Miguel Prata Roque defende que “também é função dos tribunais velar pela paz pública”. Espera por isso que o Tribunal Constitucional intervenha no sentido de suster a escalada de agressividade e de violência do Chega. E lembra que já há pessoas que têm medo de expressar a sua opinião nas redes sociais.

O professor de Ciência Política, e ex-secretário de Estado do primeiro Governo de António Costa, tem a expectativa de que o Chega faça aquilo que o líder do PSD lhe pediu: “que modere o seu discurso”.

“Erro histórico”

Já o constitucionalista Paulo Otero considera “um erro histórico querer atirar para fora do sistema um partido político. Porque, das duas uma, ou ele é irrelevante politicamente, e então não vale o esforço, ou tem uma adesão significativa no eleitorado, e acabará por sobreviver na ilegalidade, como a história tem demonstrado”.

Mas então como se pode defender a democracia dos que atacam os seus valores? Paulo Otero responde que “o Chega não é um fenómeno ideológico. Vive do eleitorado descontente com os partidos do sistema”. Por isso, “a questão só se resolve quando os partidos tradicionais forem capazes de dar resposta aos problemas das pessoas”, defende.

O programa Em Nome da Lei, da Renascença, é transmitido aos sábados, depois das 13h00 e à meia-noite.