O presidente da associação ambientalista Zero diz que "não está a ser fácil" a discussão com Espanha sobre o problema da central nuclear em Almaraz, a 100 quilómetros da fronteira com Portugal.
Em entrevista à Renascença e ao jornal “Público”, Francisco Ferreira defende que o país deve exigir o cumprimento das directivas comunitárias.
O ex-dirigente da Quercus, que agora lidera a Zero, mostra preocupação face à intenção de Espanha prolongar a vida da central e de construir um aterro nuclear. Diz ainda que Portugal não está preparado "para lidar" com picos de poluição nas cidades.
António Guterres diz que o Acordo de Paris é “imparável” e não vai voltar para trás. Como é possível se o Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, já disse que não o irá cumprir?
Na cimeira de Marraquexe todos os países fizeram unanimemente uma proclamação a dizer que querem que o Acordo de Paris continue. As relações EUA-China foram as que permitiram o Acordo de Paris e as que viabilizarão, acima de tudo à escala mundial, a solução das alterações climáticas. Os sinais de discordância entre EUA e China podem ser um problema. Por outro lado, Donald Trump nomeou para a Agência de Protecção do Ambiente Scott Pruitt, um negacionista das alterações climáticas, e para secretário de Estado Rex Tillerson, que é presidente da Exxon Mobil, e que representa o grande investimento nos combustíveis fósseis, mas reconhece as alterações climáticas e o papel da actividade humana no aquecimento global. Depois das últimas declarações públicas de recuo de Donald Trump, de que se calhar as alterações climáticas existem, houve um recuo. Se é para valer, vamos ver.
Como avalia a peso dos apelos do Papa na consciencialização de que são os mais a sofrer com a depredação pelos ricos dos recursos de todos?
O Papa foi absolutamente decisivo no percurso de 2015 até ao Acordo de Paris. Foi um apelo estratégico. É necessário que a influência mundial da encíclica “Laudato si” junto dos católicos e de toda a sociedade continue a ser expandida e mais interiorizada do ponto de vista do comportamento dos políticos e da sociedade em geral. Foi decisiva e vai continuar, porque as alterações climáticas nos países mais pobres são absolutamente cruciais.
A central nuclear de Almaraz viu a sua licença de funcionamento prolongada e agora propõe-se trazer todo o lixo nuclear para a nossa fonteira. Houve alguma resposta aos protestos portugueses?
Sub-repticiamente, o que se pretende fazer em Almaraz é continuar a exploração. Almaraz consegue sobreviver até 2020 sem problemas, com capacidade suficiente para depositar os resíduos que vai gerando. O problema é que pede uma licença para armazenar mais resíduos, o que significa claramente que quer continuar para além da data. Numa primeira fase achámos que o ministro do Ambiente quis alhear-se do problema, numa segunda fase, finalmente, percebeu que é necessário chamar os espanhóis à discussão do problema, ao cumprimento da directiva comunitária.
Já houve reuniões?
Houve. O relacionamento entre Portugal e Espanha não está fácil nesta matéria, mas esperamos que ao nível do ministro do Ambiente e a um nível mais alto, entre os dois países, esta questão seja ultrapassada.
Este tipo de processo pode ser levado até ao fim sem que o Governo português possa intervir, possa apresentar recurso ao nível do direito comunitário?
Há casos anteriores entre países relativos a centrais nucleares próximas da fronteira, onde esses países estão a instruir processos ao nível comunitário.
Já algum ganhou?
Não, está um em curso contra o Governo belga [por parte da região alemã de Aachen].
A nossa população está preparada para um eventual acidente na zona que pode ser afectada?
A nossa população e os próprios serviços de saúde deveriam ter uma maior preparação para um acidente nuclear que possa acontecer em Almaraz.
Fala das pastilhas de iodo.
Sim e da monitorização. Muita monitorização, actualmente, feita é ao nível do rio Tejo, mas devia haver também da qualidade do ar e todo um plano de contingência em relação a um acidente nuclear em Almaraz.
Em Paris, os carros foram forçados a circular em dias alternados face ao pico de poluição que levou às urgências mais de duas mil crianças. Os nossos transportes públicos estão preparados para resolver crises destas?
Não temos a infra-estrutura de decisão e as medidas devidamente preparadas para lidar com aquilo que a Europa sofreu na semana passada e nesta. Estamos a falar de Bruxelas, Paris, Lyon e, esta semana, em Roma. São condições meteorológicas muito específicas que obrigam, para salvaguarda da saúde pública, a tomar medidas dramáticas que não garantem que consigamos cumprir os valores limite, mas conseguimos atenuar as concentrações no ar.
Em Lisboa não pode acontecer isso?
Em Janeiro de 2015, tivemos um episódio desta natureza e há um impacto nas populações mais vulneráveis, idosos, crianças, pessoas com problemas respiratórios, cardiovasculares. Precisamos desses planos de contingência pelo menos para Lisboa e Porto. E agora soubemos, através de uma agência europeia, que houve 6.700 mortes antecipadas em Portugal por causa de um episódio desses. Esses dados são relativos a 2013. São episódios habitualmente dramáticos e a mortalidade e morbilidade são sempre difíceis de contabilizar, mas temos conhecimento científico suficiente para dizer que os efeitos são muito consideráveis e infelizmente dramáticos.