A investigação do festival de cinema de Berlim sobre o passado nazi do seu fundador e primeiro diretor, Alfred Bauer, concluiu que este foi um alto-funcionário do regime de Hitler, sob a tutela direta de Joseph Goebbels.
Realizada por iniciativa da Berlinale, a investigação comprovou o papel ativo de Alfred Bauer na direção da máquina nazi de apoio à produção cinematográfica, dependente do Ministério da Propaganda de Joseph Goebbels, assim como a sua determinação em eliminar vestígios desse passado, após a morte de Adolf Hitler e a queda da Alemanha Nazi, no termo da II Guerra Mundial.
"O papel de Bauer na direção-geral do cinema do III Reich foi mais relevante do que se supunha" até agora, reconheceu a direção da Berlinale, numa mensagem divulgada na quarta-feira.
As suspeitas sobre o passado nazi de Bauer surgiram no passado mês de janeiro, pouco após a apresentação da 70.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, a primeira sob a direção colegial do programador italiano Carlo Chatrian e da curadora neerlandesa Mariette Rissenbeek.
Uma investigação do jornal "Die Zeit" concluiu na altura que Alfred Bauer tinha ocupado um cargo dirigente no partido nazi de Hitler.
O prémio com o seu nome, o terceiro mais importante do certame, foi desde logo retirado da 70.ª edição do festival, realizada em fevereiro, e foi dado início a uma investigação independente, entregue ao Instituto de História Contemporânea (IfZ) da Alemanha.
A direção da Berlinale encarregou o IfZ de levar a investigação o mais longe possível, quanto às revelações que comprometiam o festival nascido no pós-guerra, com apoio dos aliados ocidentais.
Os factos colocam Bauer num cargo de topo da Direção-Geral de Cinema do III Reich, criada em fevereiro de 1942, pelo ministro Joseph Goebbels, o 'braço direito' de Hitler para a propaganda nazi. Na altura, Bauer completava 30 anos.
Este organismo tinha por objetivo não só alimentar essa propaganda, mas também promover o controlo dos profissionais, como atores, realizadores, argumentistas, todo o pessoal técnico, e de verificar a sua ligação ao regime, o seu passado, antecedentes familiares e interesses pessoais.
O historiador Tobias Hof, que dirigiu a investigação, sublinha, nas conclusões, que Bauer contribuiu ativamente para o funcionamento, estabilização e legitimação do nazismo, através das suas funções, e que tal facto não o impediu de seguir uma carreira no cinema, após a II Guerra Mundial.
Segundo os dados agora desvendados, em 1933, ano da chegada de Hitler ao poder, o futuro diretor da Berlinale fez parte das brigadas SA, conhecidas pelas ações de extrema violência que sustentaram a afirmação inicial de Hitler e, em 1937, aos 25 anos, passou a militante do Partido Nacional Socialista (NSDAP).
A investigação comprovou igualmente que, após a II Guerra Mundial, Bauer passou incólume pelo programa de desnazificação das forças aliadas (1945/1947), falseando o passado, com uma teia de "meias verdades", ocultando a sua proximidade a Goebbels e chegando mesmo a construir uma imagem de inimigo do regime de Hitler.
Estas revelações levaram a codiretora do festival Mariette Rissenbeek a interrogar-se sobre "personalidades que marcaram a cultura alemã do pós-guerra" e a sublinhar a necessidade de "prosseguirem as investigações", nesta parte da história do cinema alemão.
Para Rissenbeek, os factos desvendados “constituem um elemento importante no processo de compreensão do passado nazi das instituições culturais fundadas após 1945”.
Alfred Bauer morreu em 1986, com 74 anos. O prémio com o seu nome, entregue pela primeira vez no ano seguinte, em homenagem ao fundador do certame, destinava-se a distinguir os filmes mais inovadores do cinema, e os seus autores.
Os realizadores Alain Resnais, Andrzej Wajda, Denis Côté, Léos Carax, Lucrecia Martel e Zhang Yimou foram alguns dos distinguidos com o prémio, à semelhança do português Miguel Gomes, pelo seu filme "Tabu", em 2012.
Realizada todos os anos, em fevereiro, a Berlinale é um dos principais festivais e mercados de cinema da Europa, a par de Cannes e Veneza.