​Centeno precisa de inovação no Eurogrupo
06-04-2020 - 17:40

Pensem fora da caixa. Inovem. Criem novos modelos, novas formas de vida. Substituam o “lucro” pelo valor da gratuitidade, substituam dividendos por bem estar ou anos de vida e vejam que raio produz o modelo.

Quando precisamos de aliados, não é uma boa ideia hostilizá-los. Portugal, Espanha e Itália precisam, por isso, de jogar pelo seguro, garantindo que não reforçam e são capazes de reduzir as resistências de alguns dos seus parceiros na União à aprovação de um grande plano de ajuda aos custos da inesperada crise do coronavírus. Sobre a mesa do Eurogrupo desta terça-feira estará essencialmente isso. Um teste à capacidade criativa de Mário Centeno.

Depois de 14 dias literalmente encerrada no meu quarto, talvez esteja a ser influenciada pela única coisa que consigo espreitar do mundo exterior através da janela: um gigantesco cartaz azul com a palavra Inovação afixado na mega-sede da Caixa Geral de Depósitos. Estou a excluir, obviamente, o jardim deserto que serve de tecto a um centro comercial vazio, sete enormes varandas sem viva alma num prédio à esquerda, o animado estendal da vizinha do quinto andar e um ou outro carro que passa na João XXI.

Inovação. Não era um mau propósito para a agenda da reunião de hoje entre Marcelo e os principais banqueiros ( vão lá estar Miguel Maia e Paulo Macedo que não são propriamente conservadores na gestão bancária!) e já agora Inovação também podia ser quer o ponto número um na agenda do Eurogrupo de amanhã quer do próximo Conselho. Com as velhas receitas não vamos lá.

Fico feliz por não estar sozinha. Aqui na Renascença, o professor Braga Macedo disse hoje mesmo estar confiante que essa “inovação” venha muito provavelmente a acontecer. Nas suas metáforas certeiras espera que amanhã, no eurogrupo, os ministros se empenhem na busca de soluções mais ou menos criativas apresentar depois “aos respectivos chefes” para que eles possam depois escolher.

Aliás, o Papa Francisco, sem perceber nada de Finanças, mas com a sabedoria dos velhos aliada à sageza de dois mil anos de Igreja, não tem pedido outra coisa aos economistas crentes e não crentes, nos últimos anos. Daí, o adiado encontro de Assis previsto para finais deste mês.

Pensem fora da caixa. Inovem. Criem novos modelos, novas formas de vida. Substituam o “lucro” pelo valor da gratuitidade, substituam dividendos por bem estar ou anos de vida e vejam que raio produz o modelo.

Que altíssimo valor económico tem para muitos multi-milionários agora a simples vontade de sobreviver! Não estou certa de que o próprio primeiro-ministro britânico não tenha alterado nos últimos dias as suas prioridades. O sucesso do Brexit versus conseguir que a febre desça.

É sabido que a Alemanha e os seus pequenos satélites (Holanda, Finlândia e Áustria) não estão dispostos a perder a face. Obrigá-los a reconhecer a necessidade de emissão de dívida conjunta, agora, é forçá-los a reconhecer o erro de não o terem feito, logo em 2009 em relação à Irlanda à Grécia e a Portugal.

Hoje, a origem da doença é obviamente diferente e quem está nos “cuidados intensivos” são três dos grandes: Itália, Espanha e França (que segundo o ministro da economia, Bruno le Maire, em declarações esta segunda-feira, ao Senado, terá este ano a maior recessão desde 1945, muito para além da queda de 2,2 por cento registada em 2008). Todos no mesmo barco.

Talvez por isso o comissário francês, optimista, defendia ainda ontem num jornal alemão a necessidade dos velhos-novos “coronabonds”. Crente de que vendo que estamos todos a enfrentar a mesma tempestade, talvez os alemães percebessem finalmente a bondade da coisa.

Para quem, ainda não saiba, os coronobonds seriam títulos de dívida emitidos pelos países necessitados mas que beneficiariam da mais baixa taxa de juro da zona porque teriam risco quase zero uma vez que todos os países se comprometiam a garantir o seu pagamento. Ou seja a crise , desta vez, não permitiria o regresso dos especuladores e os ataques aos países mais endividados, com os juros pedidos pelos mercados a crescer em exponencial.

Nada demais. Mas algo que fere o orgulho do Norte que impôs como condição para a criação do euro que tal coisa nunca viesse a acontecer. Claro que estou a simplificar, mas não anda muito longe disto.

Acresce que a crise não atinge apenas a Europa, ou o sul da Europa. Veio da China e está literalmente em todo o lado. Derrubando muros, cercas de arame farpado, ultrapassando tudo, mares e oceanos. Ou seja desde os bairros de lata dos arredores de Bombaím às pequenas cubatas africanas sem esquecer a city de Londres e os bairros chiques de Manhattan.

Se, por uma vez, a Goldman Sachs acertar nas previsões, nos Estados Unidos, a queda na riqueza produzida só no segundo trimestre pode chegar aos 34 por cento e forçar este ano uma redução do PIB de 6,2 por cento. Este poderá ser o pior ano depois da grande depressão de 1929.

Ontem, o professor Abel Mateus (num ensaio publicado no Observador) lembrava também que mesmo a Alemanha pode estar sujeita a uma contracção de 5,4 por cento, a confirmar-se o pior cenário do relatório de sábios feito a pedido do Governo a 23 de Março. Também o German Economic Institute, no seu pior cenário, prevê a recessão admitindo que o PIB possa cair dez pontos percentuais.

Portugal, na sua pequenês, tem, por milagre, um recente passado de bom comportamento que reforça a capacidade negocial do presidente do Eurogrupo. Afinal o excedente orçamental, mesmo modesto, foi conseguido pela primeira vez em democracia já no ano passado. Dez anos depois do início da crise e no último ano do Governo da Geringonça.

Um bom resultado conseguido a troco de um SNS em pantanas e outras coisas igualmente desagradáveis como um pico das receitas fiscais obtido através de todo o tipo de impostos, contribuições, taxas e taxinhas. Mas, já lá vai. Como aqui dizia, ontem, o Francisco Sarsfield Cabral “ oxalá (Centeno) faça ( terça em Bruxelas) alguma coisa que se veja”.

Senão os 5.7 por cento de queda do PIB que o Banco de Portugal estima, no seu cenário mais pessimista, poderão ser ultrapassados e chegar aos 20 por cento do pesadelo admitido pela UCP. Para uma economia pequena, aberta, e tão dependente da conjuntura externa, pior do que a desgraça própria só mesmo a recessão externa. Em certos casos já nem de recessão falamos porque o risco de depressão espreita.

Não se trata agora de salvar a Banca. Embora os próprios bancos centrais ao aliviar os rácios a que ficam sujeitos os outros bancos estejam, no fundo, a garantir a respectiva solvabilidade, e a cuidar de que possam ajudar mais as respectivas economias sem soçobrar com elas. Nem sequer se trata de salvar as respectivas máquinas estatais e os seus pesados mas insuficientes sistemas de saúde.

O virús não fez apenas milhares de vítimas. Atacou a saúde de muitas centenas de milhar de empresas, paralisou economias e mina o futuro da solidez dos sistemas económicos e sociais de todo o mundo.

Falamos em sentido literal. Os aviões estão em terra. É todo o sector da aviação que entrou nos cuidados intensivos com baixas de peso. As low cost ameaçam encostar de vez. Isto apesar dos preços do petróleo não pararem de cair. Nos Estados Unidos, em poucas semanas, entrou em desemprego o equivalente à totalidade da população portuguesa.

A opção de Trump de transferir diretamente para as contas das famílias dinheiro direto ( disponibilizando um total de 300 mil dólares para que cada contribuinte possa receber um crédito de mil e duzentos dólares acrescido de 500 dólares adicionais por criança) é um bom exemplo da solução de pôr o helicóptero a lançar notas sobre a economia. Mas isso pode nem chegar. O plano total implica 2 velhos biliões de dólares (10 por cento do produto do país). Vamos ver se funciona. Tomara que sim.

Mesmo, por cá, em quinze dias, entraram em lay-off perdendo um terço do seu rendimento de um mês para o outro quase meio milhão de trabalhadores. Muito mais do que os desempregados existentes até há dois meses. Dos recibos verdes nem falar. É preciso salvá-los quanto antes.

O turismo que foi a fonte de crescimento dos três últimos anos e que puxava em simultâneo pela construção, pela restauração e pelos serviços conexos fechou portas fazendo perigar o equivalente a 15 por cento da riqueza nacional.

Precisamos de ajuda urgente. Precisamos de aliados. Não basta internamente pedir que a banca se solidarize e previna perdas maiores. As moratórias, com adiamento de juros e prolongamento de capital, amortecem a dor mas não cura a doença. Ninguém precisa de uma pequena ajuda. São precisas ajudas enormes, contadores a zero, fundos a fundo perdido retoma da confiança.

Ninguém se vai endividar mais para pagar salários, sem saber, sequer, qual o horizonte previsto para a crise. Os patrões são como os gatos. Uma vez escaldados, até da água fria têm medo. Preferem fechar portas quanto antes. Recorrer aos despedimentos colectivos. A Autoridade para as Condições do Trabalho não chega para evitar abusos. Há sempre os tribunais e há especialistas em aproveitar a desgraça alheia. É preciso evitar danos maiores.

Em Portugal, há empresas fantásticas e solidárias, mas é escassa a cultura de responsabilidade social. São excepções. Aqui e ali alguém que forma os próprios trabalhadores e os considera um activo precioso. No mais é o descarte a cultura dominante.

No caso do alojamento local, que parecia uma nova mina de ouro, há muito rato pronto a saltar fora do barco ao menor sinal de inundação. É muito emprego que pode ser perdido num abrir e fechar de olhos.

Nas grandes empresas, generalizou-se o recurso ao trabalho intermediado. Há empresas “caça talentos” que são verdadeiras empresas de trabalho temporário qualificado. Teem bolsas de mão-de-obra especializada. Esta em momentos de crise, fica totalmente vulnerável. Convencidos de que trabalham para grandes multinacionais e consultoras só nestes momentos os trabalhadores se dão conta de que ,afinal, o verdadeiro patrão não passava de uma vulgar empresa de trabalho temporário. Percebem-no quando aparece uma gravidez ou um coronavirus. Daí a resposta quase instantânea do mercado com disparos do desemprego a cada solavanco da economia. Quem disse que a nossa legislação laboral é demasiado rígida?

Por isso, precisamos de fundos não a título de empréstimo, mas a fundo perdido. Como no pós-guerra, nas grandes catástrofes: tufões, terramotos, tsunamis. É isso que nos está a acontecer. E para isso talvez valha a pena deixar de lado as casmurrices e seguir em frente com a diplomacia.

A Alemanha não quer ouvir falar de euro-bonds? Não falemos. Preferem falar de fundos de apoio à reanimação do sector do turismo? Vamos a isso. Querem fingir que reorientam fundos já existentes? Façamos-lhes a vontade. Desde que o dinheiro chegue já e não vença juros, para eles é importante não perder a face. Muito bem. No fundo, o importante não é nem o nome, nem sequer o principio. O importante é que metam na bolsa muito mais dinheiro do que ela tem agora e depois que abram os cordões. Se Centeno conseguir esse pequeno milagre já lhe ficaremos bastante gratos.

Quanto aos banqueiros, o mesmo: não se lhes pede que passem a beneméritos, mas que pensem em soluções criativas deixando o mais do mesmo a que nos sujeitamos há décadas.

Acredito que o mais importante é apostar na inovação das soluções. Admito que esteja influenciada pela única coisa que consegui ver do mundo nos últimos quinze dias, aquela tarja azul gigante a garantir Inovação. Há quantos anos estará ali, na sede da CGD, sem que nunca tenha, a sério, reparado nela? Será visível do interior?