Há uma ambiente de preocupação nos hospitais, fruto da crise económica e social que afeta o país. “Sinto as pessoas mais preocupadas, os próprios doentes andam mais preocupados. Há mais angústia”, revela à Renascença o coordenador nacional das capelanias hospitalares. As questões económicas e sociais pesam, mas “também por causa da guerra (na Ucrânia), as pessoas põem questões relativamente ao futuro”.
Capelão no Hospital de Santa Maria e no Pulido Valente (ambos do Centro Hospitalar de Lisboa Norte), o padre Fernando Sampaio desconhece que haja quem esteja a procurar os serviços de saúde para comer, mas sabe que muitas “começam a fazer contas à vida e a privar-se, sobretudo ao nível da alimentação e de outras coisas de conforto”. E, se tiverem de fazer escolhas, a saúde não será prioritária, porque “não há dinheiro para medicação”.
Habituado ao contacto diário com doentes, diz que sobretudo “os mais pobres e os mais frágeis” se sentem neste momento “abandonados” ao nível dos cuidados de saúde, porque “as consultas demoram às vezes meses, ou até anos, e isso é tremendo. Não há respostas”. E a situação agravou-se nos últimos dois anos, transformando comportamentos para pior.
“A pandemia devia ter-nos ajudado a olhar a vida de outro modo, a perceber a nossa fragilidade, mas o que eu tenho notado é um individualismo tremendo e uma desumanização muito maior. Parece haver muito mais egoísmo, pessoas a lutar cada uma por si, sem apreço nem estima pelo outro”, e isso “devia preocupar-nos de novo agora, e com muita intensidade”.
“Precisamos de reverter isto, ser capazes de fomentar a esperança entre nós, na interajuda, na comunhão e preocupação de uns com os outros. Precisamos de trazer de novo a humanização para a saúde”.
“O apoio espiritual empodera as pessoas”
No site do Patriarcado de Lisboa foram recentemente disponibilizados todos os contactos dos capelães hospitalares, do público e do privado. O padre Fernando Sampaio, responsável pela Pastoral da Saúde da diocese, diz que era uma medida necessária e útil, “para que a população, as comunidades cristãs, tenham acesso direto e fácil ao contacto com os capelães quando estão internados os seus doentes, e assim poderem pedir a assistência espiritual e religiosa”.
“Por vezes havia párocos e pessoas a ligarem-me, a ver se eu dava os contactos dos capelães, porque os queriam contactar e não sabiam como”, conta. Esses dados estão agora disponíveis através do site do Patriarcado, mas seria bom, diz Fernando Sampaio, que “as paróquias e a imprensa cristã” divulgassem mais que as pessoas “têm efetivamente direito a esse apoio” nos hospitais, porque muitos continuam sem saber que existe.
“Quando abordamos os doentes sentimos que desejam muito a assistência espiritual. Mas, está a acontecer um fenómeno que é, a meu ver, um certo ‘envergonhamento’ dos cristãos quando vêm para o hospital, ou uma espécie de amnésia, porque chegam, e de uma maneira geral não pedem esse apoio”. Mas, porquê? “Sub-repticiamente pode ter passado a mensagem, durante a pandemia, da impossibilidade de assistência espiritual, o que era errado. Por isso é que é necessário que as paróquias façam esse trabalho, de dizer às pessoas que esse apoio existe e que o podem pedir”.
“É um apoio que faz a diferença, porque alivia a angústia, a ansiedade, é criador de emoções positivas, de bem-estar espiritual e físico, portanto, ajuda na própria recuperação dos doentes”, sublinha Fernando Sampaio”. E com a aproximação de nova votação, no parlamento, da legalização da eutanásia, “é oportuno relembrar que esta ajuda pode ser uma mais valia neste tempo de sofrimento, para que as pessoas possam aconselhar-se”.
“O apoio espiritual, no fundo, dá mais força, empodera a pessoa”, e “há autores ligados à psicologia da religião que dizem que a fé fomenta a saúde física e espiritual”, sublinha o coordenador nacional das capelanias hospitalares, que destaca, ainda, o apoio social que é assegurado em muitas comunidades. “O facto de existir voluntariado e quem visite em casa doentes ou pessoas que estão sós é algo de extraordinário e que devia ser valorizado, porque ajuda a lutar e a vencer a depressão e a solidão, ajuda a saúde mental”.