Em declarações à Renascença, o padre Alfredo Gonçalves defende que "as igrejas devem fazer todos os esforços para chamar à reconciliação, pelo bem-estar do maior número de pessoas".
O que vai ser preciso fazer para unir os brasileiros?
Antes de tudo, essa divisão ao meio deve ser bem entendida. Não se trata exatamente de uma polarização equivalente como parte da comunicação social e do público tenta mostrar. Em lugar de dois "polos", o que se observa são duas visões da prática política. De um lado, o total desrespeito às regras do processo democrático, desrespeito acentuado no próprio processo eleitoral.
De outro lado, a tentativa de retornar à normalidade democrática, sob as diretrizes da Constituição. Neste sentido, não podemos colocar em pratos iguais da balança o fascismo populista e a busca por uma democratização necessária e urgente. A equivalência pode ser uma armadilha perigosa.
Penso que a resposta mais efetiva e seguir alargando o leque de representatividade, já demonstrado pelo candidato Lula, em vista de uma governabilidade com mais inclusão e participação.
Movimentos sociais, igreja, entidades, associações e organizações em geral têm aí uma tarefa conjunta e solidária. Não se trata de um combate igualitário entre duas forças, e sim de um combate entre as regras democráticas e a subversão de tais regras em favor dos privilégios da extrema-direita.
Que papel está reservado à Igreja na procura de uma solução apaziguadora?
A religião, em geral, e a igreja católica ou as igrejas pentecostais, em particular, tiveram papel relevante em todo processo eleitoral. Por parte de Bolsonaro, houve uma tentativa deliberada de manipular e instrumentalizar a fé em troca de votos. Nesse ponto, Lula se mostrou mais discreto e respeitoso.
Neste momento creio que as igrejas devem fazer todos os esforços para chamar à reconciliação pelo bem-estar do maior número de pessoas.
Trata-se de temperar a política com um toque de ética, levando em consideração as necessidades básicas e inadiáveis da população de baixa renda: políticas públicas de saúde, emprego, educação, segurança, meio ambiente, entre outras.
Creio que é hora de contar com todas as forças vivas e ativas da sociedade numa espécie de pacto pela nação. A campanha do Lula, pela sua composição, já apontava para isso. Agora é o caso de ampliar esse leque de protagonistas, envolvendo não apenas o PT, mas outras forças políticas, como disse o presidente eleito
Como terá de ser o comportamento da nova presidência para ajudar a cumprir com dignidade o mandato de Bolsonaro?
Na verdade, é difícil encontrar algum grau de dignidade no mandato de Bolsonaro. Já se passaram quase 20 horas da vitória de Lula, e nada de Bolsonaro admitir a derrota e criar um gabinete de transição, gabinete que é uma exigência da Constituição.
Enquanto várias autoridades internacionais e vários políticos nacionais, inclusive bolsonaristas, já enviaram seu reconhecimento, Bolsonaro persiste num silêncio um tanto quanto sinistro. Impossível saber quando e como Bolsonaro vai reagir ao resultado das eleições. Mas a incerteza e a falta de transparência geram um clima de insegurança.
Onde não há suficiente luz, surgem as sombras e os fantasmas. De qualquer forma, Lula já trabalha para compor o próximo governo, independentemente do que fará Bolsonaro. Esses dois meses de transição são decisivos para evitar traumas mais profundos e, voltando ao tema, para evitar aprofundar o fosso entre criando na sociedade brasileira.