É prematuro falar-se em adoção do recém-nascido encontrado num contentor do lixo, em Santa Apolónia, em Lisboa. A juíza Maria Perquilhas, em declarações no programa "Em Nome da Lei" da Renascença, defende que "o que era urgente era colocar aquela criança a salvo, e isso foi feito. Agora todas as hipóteses estão em aberto, inclusive que o bebé possa ser entregue à mãe que o abandonou”.
A juíza desembargadora da Relação de Lisboa explica que “o tribunal apenas entregaria o bebé à mãe em circunstâncias muito especiais. A provar-se que o abandonou debaixo de um surto psicótico, mas que tem vínculos afetivos com o filho. Tudo isso teria entanto de ficar muito bem provado em tribunal”, sublinha.
A psicóloga e psicoterapeuta Margarida Cordo defende que, “a curto prazo, a mãe do bebé abandonado não terá capacidade para amar o filho. E o bebé precisa de ser amado, já”.
Margarida Cordo considera que” há urgência na decisão sobre o projeto de vida daquela criança, por causa dos vínculos emocionais. A melhor seria ir para adoção o mais rapidamente possível e não, temporariamente, para uma família de acolhimento”, sustenta.
A mãe sem-abrigo, de 22 anos, que presumivelmente abandonou o filho num contentor do lixo, está detida preventivamente em Tires, fortemente indiciada da prática de homicídio qualificado, na forma tentada. O bebé foi resgatado por outro sem-abrigo, aparentemente sem sequelas e está em vigilância na Maternidade Alfredo da Costa. Foi entretanto aberto um processo de promoção e proteção de menor em perigo.
Depois de ter alta da Maternidade Alfredo da Costa, o bebé deverá ficar, provisoriamente, numa família de acolhimento, até ser definido o seu projeto de vida.
A juíza Maria Perquilhas explica que, “em caso de abandono, o tribunal vai sempre à procura da família biológica: pai, avós, tios. A não ser que a mãe preste o seu consentimento prévio para adoção”.
Madalena Sepúlveda, advogada na área da família e menores, defende que, “mesmo havendo família biológica, tem de ser ponderado se não é preferível para aquela criança ir para uma família de acolhimento que se preparou para a receber e a desejou. Porque um Tribunal decide da vida das pessoas, mas não pode impor afetos”.
Sobre a situação da mãe, a psicólogo Margarida Cordo lembra o estudo que revela que apenas 10% dos sem-abrigo não sofrem de um qualquer tipo de perturbação mental, admitindo por isso que, "com alguma probabilidade, a mãe que abandonou o filho recém-nascido num contentor do lixo tem doença do foro psiquiátrico que a impede de estabelecer um vínculo emocional com o filho”.
Margarida Cordo defende, no entanto, que “os condicionalismos do abandono podem ser uma atenuante na culpa. Mas não podem levar-nos a desvalorizar a gravidade do comportamento da mãe. E o que ela precisa agora é de apoio para que venha a ser uma cidadã”.
A juíza Maria Perquilhas sublinha que” o facto de a mãe poder ter a sua consciência diminuída, isso não faz dela inimputável. É preciso avaliar se, quando praticou os factos, não era efetivamente capaz de avaliar o certo e errado da sua conduta”.