O presidente do Supremo Tribunal de Justiça defendeu esta sexta-feira que o orçamento dos tribunais deve ser gerido pela Assembleia da República em conjunto com o Conselho Superior da Magistratura e não pelo poder executivo, para garantir a independência judicial.
“Altere-se o sistema de dotação orçamental dos tribunais, centrando-se na Assembleia da República a decisão sobre essa matéria, em diálogo direto com o Conselho Superior da Magistratura, e atribuindo-se a este a competência para a sua execução. Não faz qualquer sentido que seja o poder executivo a determinar quais as verbas destinadas aos tribunais, porque ao fazê-lo em medida inferior às necessidades do judiciário – como sempre acontece – acaba por condicionar a atuação deste”, defendeu o juiz conselheiro Henrique Araújo.
O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e do Conselho Superior da Magistratura (CSM), falava no encerramento do XVI Encontro Anual do CSM, subordinado ao tema da independência do poder judicial, e que termina esta sexta-feira em Vila Nova de Gaia.
Entre o “imenso para alterar” com o objetivo de garantir a “efetivação e reforço” da independência do poder judicial, o juiz conselheiro defendeu ainda a alteração do “modelo de controlo das plataformas eletrónicas de gestão e tramitação de processos, transferindo-se o domínio dessas unidades para o Conselho Superior da Magistratura”.
“É, de facto, contraditório com o princípio da separação de poderes que seja o Ministério da Justiça a deter o controlo dessas plataformas”, disse.
Pediu ainda cuidado com a utilização de ferramentas de inteligência artificial, pedindo que sejam deixadas “fora de qualquer atividade que pressuponha ou envolva um processo de valoração que só à atividade humana cabe” e pedindo cuidado com a programação de algoritmos que possam reproduzir preconceitos dos programadores e condicionar decisões.
Henrique Araújo, que lembrou as interferências do poder político na independência judicial de países do leste europeu, mas que "parecem ainda longe de contagiar este canto a ocidente", não deixou de alertar para o potencial disruptivo de turbulências sociais, que podem “abalar o normal funcionamento das instituições da democracia”, sublinhando que “os tribunais e os juízes não estão imunes a essas turbulências”.
“Dever-se-á, por isso, prestar a maior atenção a fenómenos que tenham potencial para atingir a independência externa do poder judicial, tida esta no significado diretamente político, ou seja, no sentido de que essa mesma independência decorre do princípio básico da separação de poderes no Estado de Direito democrático”, disse.
Reconhecendo que, no âmbito da gestão e aplicação da disciplina aos juízes que cabe ao CSM, “por vezes é difícil descortinar a fronteira entre aquilo que cai no puro âmbito da gestão e aquilo que pode contender com independência dos juízes”, Henrique Araújo referiu que este órgão tem “usado da máxima cautela para que as determinações gestionárias que emite nunca interfiram com a independência dos juízes”.
Não deixou, no entanto, de reiterar alguns reparos ao comportamento dos juízes, sobretudo aqueles que podem “desbaratar a imagem de independência” da magistratura.
“O Estatuto dos Magistrados Judiciais impõe aos juízes que se abstenham de fazer declarações ou comentários públicos sobre quaisquer processos judiciais, salvo quando autorizados pelo CSM, para defesa da honra ou para a realização de outro interesse legítimo. Este dever de reserva é essencial para preservar a perceção de independência e imparcialidade dos juízes e para gerar confiança nos cidadãos. Este dever aplica-se a todos os juízes”, afirmou.
O presidente do STJ e do CSM disse que “não há juízes com prerrogativas nessa matéria” e que “nenhum magistrado judicial, seja juiz da 1.ª instância, desembargador ou conselheiro, pode pronunciar-se sobre processos em curso nem comentar o trabalho dos seus colegas”, considerando também “prejudicial” a “excessiva exposição dos juízes nas redes sociais”.
“Tem de haver moderação. Tem de haver noção da enormíssima responsabilidade social inerente às funções de julgar. A compreensão da importância do comedimento na interação com os outros, no espaço público, tem de ser interiorizada por todos os juízes, sob pena de não poder dar-se por garantida a imagem de independência e de equidistância no julgamento dos interesses em conflito”, defendeu.