Reflexões sobre o OE 2024
16-10-2023 - 09:55
 • Filipe Santos Filipe Santos, Dean da CATÓLICA-LISBON

Ao analisar este orçamento de Estado há várias reflexões que é importante partilhar.

Em primeiro lugar, este é o primeiro orçamento de estado há muitas décadas que se compromete com um excedente orçamental que, embora pequeno (0.2% do PIB), é um sinal importante de mudança histórica. Ter contas públicas equilibradas é uma enorme virtude, em particular para um país ainda muito endividado e que há dez anos precisou de receber ajuda externa, o que implicou um custo económico, social e reputacional brutais. Durante muitos anos, as nossas empresas sofreram o ónus de serem portuguesas, pois parceiros comerciais e financiadores internacionais exigiam um prémio de risco elevado. Tínhamos de pedir desculpa por ser portugueses. Agora isso não só acabou como se inverteu. Somos o país da Europa, com a exceção da Irlanda, que mais desceu a sua dívida pública em percentagem do PIB, somos dos poucos países a apresentar consistentemente contas públicas equilibradas desde 2019 (com exceção do período da pandemia em 2020 e 2021) e até temos feito isso com um crescimento da Economia acima da média Europeia. E não se pense que é fácil ter contas públicas equilibradas. Todas as Economias Europeias nossas vizinhas (Espanha, França, Itália, Bélgica) têm déficits orçamentais elevados que rondam os 4-5%, estando em difícil situação para enfrentar o aumento das taxas de juro e um período que se antevê de arrefecimento Económico. Só por isso este já é um bom orçamento.

Em segundo lugar, as políticas Económicas de fundo não devem ser definidas em exercícios orçamentais anuais, mas sim em reflexões aprofundadas e em planos estratégicos, sendo depois vertidas nas políticas orçamentais e de investimento público. Mais do que no passado, nota-se que em várias áreas as medidas propostas no orçamento refletem compromissos e opções já acordadas em momentos anteriores, como nos casos do Acordo de rendimentos ou no reforço da aposta na retenção do talento jovem. Também é de notar que em várias áreas que costumam ser de forte contestação, como o aumento de pensões ou a idade da reforma, já foram desenvolvidas fórmulas automáticas que retiram a discussão de foro político e o trazem para um foro técnico, incorporando considerações de justiça, previsibilidade e sustentabilidade financeira. Isto também é uma evolução positiva.

Quanto às medidas específicas, este é um orçamento que procura estabilizar o consumo privado para sustentar as famílias e a Economia, num ano que se prevê de dificuldades financeiras para os cidadãos, fruto da inflação acumulada nos anos anteriores e dos aumento dos juros dos empréstimos. O aumento do salário mínimo para 820 euros, a redução das taxas de IRS em 2% e a tentativa de reter o nosso talento através do aprofundamento do IRS Jovem são as medidas mais importantes. O alargamento da gratuitidade das creches é do transporte público gratuito para todos os jovens estudantes são também muito positivas. O IVA zero num conjunto de produtos alimentares essenciais também teve resultados positivos para o nível de preços e irá continuar.

De resto, seria bom evitar toda a panóplia de novos programas e pequenos apoios que introduzem uma complexidade de implementação muito grande, revelando-se depois pouquíssimo eficazes. Não é função do Estado financiar viagens de comboio de lazer e pousadas da juventude, nem afirmar que vai “devolver” propinas que não cobrou e que não sabe se os alunos de facto pagaram (já há universidades públicas e privadas que isentam os alunos de propinas). E idealmente as medidas a implementar devem poder ser implementadas diretamente pelas máquinas administrativas existentes da Autoridade Tributária e da Segurança Social. O IRS Jovem é de facílima comunicação e implementação pois apoia-se na máquina fiscal. Alguns dos subsídios são canalizados pela máquina da Segurança Social. Mas quem vai controlar os sistema de vouchers das viagens de comboio, das pousadas da Juventude, dos cheques-livros e dos cheques de formação? Estes sistemas ou têm que ser desenvolvidos de raíz com custos de implementação elevados (como foi o caso do IVAucher e do que está previsto para o cheque-livro) ou assentam em sistemas e entidades (como o IAPMEI) que têm coisas mais importantes pois já estão assoberbadas com a implementação dos apoios do PRR para além das suas funções regulares.

Ainda do lado negativo, não se vê neste orçamento uma aposta séria na competitivdade empresarial. As medidas que existem para apoio às empresas são tímidas e novamente complexas de implementar. E dado a fraqueza prevista no mercado Europeu e o aumento dos custos salariais, do custo de financiamento e dos custos operacionais, 2024 não será um ano fácil para as empresas portuguesas e portanto não será um ano bom para a nossa Economia. Urge uma reflexão mais aprofundada sobre os problemas e desafios estruturais da Economia Portuguesa (como a produtividade e o inverno demográfico) para que medidas inteligentes e consistentes possam ser desenhadas e implementadas nos próximos orçamentos. Que haja alguma vantagem da estabilidade trazida pela maioria absoluta – a possibilidade de se focar nos desafios de fundos e encontrar consensos mais alargados, em vez de se focar na negociação táctica em medidas de emergência.

E como nota final, parabéns ao The Lisbon MBA Católica – NOVA que sobe 21 posições no ranking do Financial Times do Melhores Executive MBAs do mundo divulgado hoje. O nosso programa de MBA para executivos com experiência profissional ascende assim ao top 65 mundial e top 35 Europeu. Esta distinção mostra que Lisboa continua a reforçar a sua posição como hub mundial de formação em Gestão, com escolas e programas de estraordinária qualidade, capazes de atrair o melhor talento mundial.