O presidente da Associação Comercial do Porto, Nuno Botelho, não se opõe a que a base aérea do Montijo seja uma estrutura complementar à Portela, para voos "low-cost", mas teme que o Governo se prepare para um plano mais vasto, "cedendo aos ‘lobbies’ da construção".
Em entrevista à Renascença, Nuno Botelho aponta, também, que a Portela só se esgota devido a uma gestão errada que passa por "esvaziar" o aeroporto de Sá Carneiro, no Porto, e "carregar" o Humberto Delgado, de modo a justificar novos investimentos na região de Lisboa.
Botelho queixa-se também do facto de a TAP ignorar as posições da associação que dirige e acusa o Governo de, à semelhança dos anteriores, entender que a Associação Comercial do Porto deve remeter-se às questões da região. "Era o que faltava", avisa.
A vontade de se criar uma alternativa ao aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, tem sido apontada como uma das razões que tem levado à aposta na desvalorização do aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto. Existe esta relação?
O Governo português está a chegar, em 2017, à conclusão de que faz sentido desenvolver o modelo “Portela mais um”, um modelo que, em 2007, a Associação Comercial do Porto preconizou, num estudo que realizou com a Universidade Católica e a Trenmo. Nos vários aprofundamentos que fizemos do estudo, chegámos à conclusão de que a solução melhor face a um esgotamento do aeroporto da Portela. A melhor solução seria equacionarmos o "mais um" e o "mais um" devia ser o Montijo.
Dez anos depois, o Governo entende que é altura de realizar estudos para analisar a viabilidade do Montijo. Eu reafirmo: os estudos estão feitos. A Associação Comercial do Porto já os disponibilizou há dez anos e torna a fazê-lo, se for preciso. Não é necessário o Governo ou a ANA realizarem novos estudos. Não há problema nenhum: facultaremos os estudos e todos os elementos, coisa que a ANA nunca nos facultou. Dito isto, nós estamos de acordo com a solução desde que se pense no Montijo para as companhias "low-cost".
Está a dizer que faz sentido, então, um novo aeroporto em Lisboa.
O aproveitamento da base aérea do Montijo com um investimento mínimo não levanta grandes questões, desde que seja para voos "low-cost". Tenho ouvido, nos últimos dias, que o Governo equaciona a possibilidade de pôr lá, também, companhias bandeira, algo que, a nosso ver, será um erro.
Porquê?
Porque será ceder aos habituais "lobbies" da construção. Vão ter que construir infra-estruturas, quiçá, uma nova ponte, ferrovias, estradas de acesso. Se estivéssemos a falar exclusivamente das companhias "low-cost". tal não seria necessário.
A Portela está esgotada?
Admito que o aeroporto está esgotado ou em vias de esgotar. Mas isto é como tudo na vida. Se nós gerirmos mal uma casa, se levarmos para dentro dessa casa tudo aquilo que possuímos, rapidamente a casa fica cheia e torna-se exígua para as nossas necessidades.
É uma questão de má gestão?
Muito má gestão. Se tivermos em conta que estão a esvaziar a operação e a base da TAP no Porto, que estão a drenar o aeroporto Francisco Sá Carneiro, a mandar para Lisboa voos que necessariamente poderiam ser a partir daqui feitos, é evidente que a Portela atinge o esgotamento. Volto ao mesmo: o "lobby" da construção quer, tem que entrar em acção, rapidamente. Parece que o Governo português não está a ver isto, parece que não está a ser sensível a isto. Eu quero acreditar que faz isto por falta de visão e não por outra razão.
Já transmitiu essa ideia ao Governo?
Já o fizemos por diversas vezes.
Qual foi a resposta?
A resposta é: "muito obrigada pelo seu parecer e até logo". Nós estamos cá em cima, no Porto. Somos uma associação que, no entender do Governo e do ministro Pedro Marques, se deve confinar a dar pareceres e opiniões sobre coisas que se passam na Área Metropolitana e nada mais.
Os sucessivos governos portugueses acham que a Associação Comercial do Porto não tem que opinar sobre o aeroporto em Lisboa, acham que isso não é um assunto que nos diga respeito. Ora, só não nos diz respeito num Estado centralista e absolutamente medieval que nós temos. Hoje em dia, a construção de uma estrutura como um aeroporto que é fundamental para a competitividade de um país e, por isso, diz respeito a toda a sociedade. Muito mais quando nós sabemos que isso vai ser feito com os nossos impostos. Numa região que produz cerca de 50% das exportações, há o direito a opinar sobre tudo o que se passa no país. Era o que mais faltava!
Sobre o aeroporto de Lisboa, não nos calaremos. Sobre o aeroporto Francisco Sá Carneiro, não me calarei. Iremos manter a nossa postura atenta, concreta, sempre coerente, sustentada em estudos, sustentada em pareceres técnicos. Se os governos quiserem atender, muito bem. Se não quiserem, estão no seu direito, naturalmente, mas nós estaremos cá para chamar a atenção para essas questões.
Como é que um novo aeroporto em Lisboa, mesmo tendo companhias de bandeira, poderá prejudicar a economia e as empresas do Porto?
Esta região tem duas grandes infra-estruturas, que, do ponto de vista da competitividade, nos dão um grande suporte: o porto de Leixões e o aeroporto Francisco Sá Carneiro. É bom que as pessoas percebam que desta região saem 50% das exportações. Esses empresários exportadores precisam de ter voos directos para chegarem aos destinos para os quais exportam, com os quais têm relações comerciais.
Se nós tivermos em conta isso e também o comportamento que a transportadora aérea dita nacional tem para com o aeroporto Francisco Sá Carneiro, vemos que ela canaliza tudo para Lisboa com o objectivo de esgotar o mais depressa possível Lisboa, de modo a que o "lobby" de Lisboa consiga ter o mais rapidamente possível o Montijo em funcionamento.
Em Lisboa, existe a corte, existe uma série de escritórios de advogados, de consultoras, de assessores que gravitam e que pulam de umas empresas para as outras e para os respectivos ministérios, e que vão fazendo o seu" lobby", juntamente com as construtoras e com outras entidades que mais não fazem do que aproveitar as debilidades que os governos vão demonstrando para irem tentando ganhar terreno e fazerem obra.
Aponta um quadro de desvalorização do aeroporto do Porto, mas os números mostram um crescimento considerável. Não há nisto uma contradição?
Não. Apesar da TAP, o aeroporto tem crescido. Lembro que a Associação Comercial do Porto é a favor da iniciativa privada e, portanto, nós sempre alertámos a questão da privatização da ANA. A privatização da ANA foi feita pelo anterior Governo de uma forma muito "suis generis", ou seja, Portugal é o único país da Europa com mais do que um aeroporto que é gerido pela mesma entidade. Se formos a França, por exemplo, o aeroporto de Bordéus é gerido pela Câmara de Comércio e Indústria de Bordéus. Lá, entende-se que as entidades gerem melhor localmente e não de forma macro e centralizada.
Privatizar em bloco os aeroportos portugueses pode ter sido um bom negócio no imediato, mas foi mau negócio porque tira competitividade a quem gere esse aeroporto. Neste caso, a gestão do aeroporto do Porto é subjugada à gestão do aeroporto de Lisboa. Qual é o objectivo da ANA? É, rapidamente, esgotar o aeroporto de Lisboa para avançar com investimentos em Lisboa. O aeroporto do Porto é relegado para uma segunda opção. Os instrumentos que o aeroporto do Porto tem para combater a guerra comercial que a TAP está a fazer são insuficientes Por muito bom que seja, o aeroporto do Porto precisaria de outros instrumentos para ganhar competitividade face a Lisboa.
A própria TAP cresceu. Números de Outubro do ano passado mostram um aumento de 16,9% relativamente a 2015.
Cresceu, porque criou a ponte aérea. A TAP suprimiu 74 voos directos, no último ano, a partir do Porto. Estamos a falar de 74 destinos direitos. Não nos venham mentir com os números que nos apresentam. Não aceito a falta de transparência de uma empresa pública como a TAP. Não aceito pedir à TAP elementos que não nos são dados. Não aceito que uma empresa pública se comporte como uma normal empresa privada. Se a TAP fosse privada, eu aceitaria que a TAP voasse para onde bem entendesse, mas, neste caso, o Governo reverteu a privatização da TAP.
Hoje em dia, o Estado português está a avalizar a dívida da TAP. A breve trecho, o Estado português vai assumir 50% da TAP. Como é que é possível o ministro Pedro Marques dizer que não se mete na política comercial da TAP? Então, por que raio é que Portugal tem uma companhia de bandeira? Estaremos todos aqui a brincar com coisas sérias? Como é que é possível que a dita companhia de bandeira nacional se dê ao direito de praticar voos Vigo-Lisboa-Amsterdão e Vigo-Lisboa-Boston mais baratos do que a partir do Porto?
Já falou com a TAP sobre isso?
Eu já não consigo falar com a TAP, porque os senhores têm muito que fazer agora. Os senhores da TAP estão muito ocupados, estão lá em Lisboa, e não querem perder tempo com os "matarruanos" de cá em cima. Recebi um contacto da administração da TAP, no ano passado, em que me prometeram que, na semana seguinte, iria ser contactado para falar com o senhor Fernando Pinto. Até ao dia de hoje, estou à espera do contacto. Esse senhor não deve ter tido ainda tempo para falar comigo.