Numa altura em que tanto se procura combater a discriminação, há uma de que raramente se fala: a discriminação em função da idade. O idadismo afeta sobretudo os mais velhos e os mais jovens – estes, por exemplo, na hora de procurar emprego.
Os grupos etários são atingidos a diversos níveis do quotidiano, umas vezes de forma mais visível, outras de modo mais inconscientemente.
Em vésperas de eleições autárquicas – e porque os municípios são os órgãos de poder mais próximos dos cidadãos – o Movimento #STOPIDADISMO contactou os partidos e os candidatos para saber se o tema está a ser contemplado nos seus programas e o que, na prática, pensam fazer.
O desafio “é tentar trazer o tema para a agenda mediática, perceber até que ponto é que os candidatos estão despertos para esta realidade e que propostas é que poderão ter para a construção de uma comunidade amiga de todas as idades”, justifica José Carreira, responsável do movimento em Portugal, em declarações à Renascença.
“Entendemos que os parceiros que são estruturantes e podem ajudar a coordenar as ações no terreno são os municípios. E eventualmente, têm capacidade de intervir mais rapidamente nas comunidades. É com base em programas comunitários que se pode fazer este caminho”, sublinha.
Da campanha global à ação local
No âmbito da Década do Envelhecimento Saudável (2021-2030), a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem em curso uma campanha global contra o Idadismo. Assenta em três estratégias: política e legislação; intervenção educativa e intervenções intergeracionais.
Portugal aprovou, em 2016, uma Estratégia Nacional de Promoção do Envelhecimento Ativo Saudável, mas tarda a ser implementada no terreno. Face à nova realidade, já terá de ser reformulada. Isso mesmo admite a Resolução a Assembleia da República aprovada em maio e que recomenda ao Governo “a adoção de medidas de promoção do envelhecimento ativo e saudável e de proteção da população idosa no contexto da pandemia de Covid-19”.
Mais velhos são os mais atingidos
Há jovens que são discriminados no acesso ao emprego ou a determinadas funções, porque são considerados “demasiado novos” ou porque não têm experiência.
Muito frequentemente, têm contratos precários, ganham menos e sujeitam-se a piores condições de trabalho. Foi um dos grupos mais atingido pela pandemia, ao nível laboral.
Mas o idadismo torna-se mais fácil e recorrente em relação a pessoas mais velhas. Mesmo inconscientemente, muitos de nós acabam por considerar que já não têm idade para fazer determinadas atividades, ter responsabilidades maiores, para desempenhar determinadas funções.
Mais grave ainda, frisa José Carreira, é a autodiscriminação: “quando é a própria pessoa a achar que já não tem idade para isto ou para aquilo. Quantas vezes, influenciada pelo que ouve dos outros”.
Pandemia agravou discriminação
O líder do movimento #STOPIDADISMO em Portugal dá o exemplo da forma como os mais velhos foram tratados durante a pandemia: em diversos países, como Itália, os idosos com Covid-19 foram preteridos no acesso aos internamentos, o que aumentou o número de mortes nas faixas etárias mais elevadas.
Em Portugal, José Carreira refere a forma como foram tratados os idosos em lares. “Compreendo que era necessário tomar algumas medidas do ponto de vista da saúde, mas essas pessoas acabaram por ficar isoladas apenas e só porque têm determinada idade. Agora, já vacinadas, muitas continuam a estar fechadas e a ter as visitas bloqueadas porque já têm uma idade avançada e há risco”.
Para José Carreira, deviam ser criadas condições para que as pessoas, independentemente da idade, possam ser tratadas como pessoas a quem não são restringidos os direitos. “Por exemplo, neste período pandémico, querendo proteger os mais velhos, acabámos por prejudicá-los. Isso é evidente, pelo menos do ponto de vista mental, porque ficaram desconectados do mundo mais de um ano”.
Chama ainda a atenção para o facto de, através deste tipo de discriminação se fomentar a solidão e o isolamento, se perpetuarem práticas de maus-tratos a pessoas mais velhas, “exatamente porque perdem os seus direitos, a sua cidadania, o seu projeto de vida, ficam absolutamente vulneráveis. Todos os dias somos confrontados com vários exemplos de idadismo, uns são mais subtis; outros mais evidentes”, conclui José Carreira.
Para o dirigente do movimento esta é uma questão cada vez mais prioritária que exige discussão na sociedade. Portugal é um país cada vez mais envelhecido. Os primeiros resultados dos Censos 2021, recentemente divulgados, confirmam essa realidade: em dez anos o país perdeu 200 mil habitantes. “São necessárias decisões políticas e medidas que respondam a esta realidade”.
Combate ao idadismo tem de começar na escola
Para José Carreira, a mudança de mentalidade tem que começar bem cedo. “Desde o 1.º ciclo ou até no pré-escolar” é preciso trabalhar estas questões do ponto de vista da Educação para a Cidadania.
“Tendo em conta que as autarquias têm cada vez mais competências e responsabilidades quer na área da Educação quer nas Políticas Sociais, são parceiros privilegiados para mudar o paradigma, que prejudica tanto as vítimas como a própria comunidade”, defende.
Além disso, José Carreira considera que deviam ser lançadas campanhas de sensibilização para os direitos das pessoas de todas as idades, “eventualmente, ao nível nacional”.
E sublinha o papel dos media na denuncia das práticas idadistas e das formas de as evitar: “era muito importante ter os media como aliados na promoção de uma linguagem inclusiva e de uma comunidade amiga de todas as idades”.
Mas também a publicidade, que ainda tem – tendencialmente – um discurso idadista, associando os mais velhos às ideias de incapacidade, dores, de necessidade de produtos de higiene específicos ou cremes que reduzam as rugas, especialmente no caso das mulheres”, sublinha o responsável do Movimento #STOPIDADISMO.
Isto leva a outro combate a travar nos próximos tempos: o de tentar evitar que a velhice seja classificada como “doença”, como está previsto para a nova classificação internacional, a fazer em 2022.
“É certo que há algumas perdas, mas temos de festejar o aumento da esperança de vida, vê-la como uma conquista da ciência e da saúde e não como algo negativo e improdutivo”, salienta.
Das cartas enviadas aos partidos, o Movimento já recebeu resposta do PSD e da Iniciativa Liberal, garantindo que o pedido foi encaminhado aos candidatos dos respetivos partidos.